A clássica cena da criança que se joga no shopping por não ter ganho o brinquedo que queria. Para muitos pais, esse é o pior pesadelo. Mas, o que motiva essa atitude por parte dos filhos? Será mesmo que eles fazem isso para envergonhar os adultos e conseguirem o que querem?
Para a especialista em terapia familiar, comunicação não-violenta e neuropsicopedagoga Raquel Petersen, não é bem assim. Em entrevista ao Terra, ela desmistifica o que é a birra e dá dicas para lidar com a situação.
Contrariando muito do que se fala no senso comum, Raquel frisa: “A birra é um adjetivo que o adulto deu para uma situação de extrema frustração da criança”. Sendo assim, a ‘birra’ é a forma que a criança tem de comunicar sua frustração.
“Ela grita, bate, sai correndo, se joga no chão. Mas, na verdade, quando a criança chega a esse ponto, infelizmente não tem como não botar isso na conta do adulto”, reforça Raquel.
Por que a criança chega nesse estado?
Para a especialista, a criança se mostrar tão agressiva e inconsolável, chorando por tudo, é um sinal de que ela não se sente ouvida. Isso a faz recorrer à única coisa que ela consegue controlar: seu corpo.
E se o motivo for ‘bobo’?
Se a criança está chorando, é porque há sofrimento. “Não podemos hierarquizar a dor. Pode ser uma birra porque a criança queria um pacote de jujuba ou porque o irmão dela fez uma coisa muito grave para ela”, pontua. Para a criança, as situações adversas são sentidas na mesma intensidade.
“A criança não tem as mesmas capacidades de abstração cerebral que o adulto tem - e alguns adultos ainda estão criando também. Então existe, sim, uma questão de maturação biológica que precisa ser respeitada. Além disso, algumas crianças têm uma linguagem desenvolvida de forma muito mais rápida do que outras. Tudo isso precisa ser analisado”.
Raquel ressalta ainda a importância de manter uma boa conexão com os filhos para que, se acontecer algo grave, a criança também te procure para contar. “A birra é a falta de capacidade da criança de fazer o filtro que o adulto quer que ela faça. Se eu considero bobeira todos os motivos que minha filha me conta, qual filtro eu estou ensinando para ela? O dela não conta nada. Então se acontecer algo como um abuso sexual, por exemplo, ela não vai contar. Ela vai pensar que não é importante”.
É manipulação?
É preciso aceitar: a birra da criança não é um ataque pessoal ao adulto. “Se a criança está chorando porque quer uma batatinha, esse é o fato. Não é porque ela te odeia, porque quer te manipular ou te fazer passar vergonha na frente de todo mundo. É só uma demonstração do que a criança quer”, esclarece Raquel.
Como resolver a birra?
Se a família ainda está no processo de adaptação à escuta, querendo proporcionar uma educação mais respeitosa com seus filhos, e a criança segue fazendo birras, confira dicas do que fazer na hora da ‘explosão’:
1. Investigação
A primeira coisa a fazer é 'colocar o chapéu do Sherlock Holmes'", brinca Raquel. Antes de perguntar para a criança sobre o que a está incomodando, o adulto deve analisar o contexto e pensar nas possibilidades do que pode ter motivado a birra.
Após isso, é importante estar disposto a fazer as perguntas certas para descobrir as motivações por trás das atitudes do filho.
O interesse em ouvir deve ser genuíno, não para usar o que a criança fala contra ela mesma futuramente. Além disso, é importante fazer perguntas em que a criança consegue responder com ‘sim’ ou ‘não’, balançando a cabeça ou elaborando de algum jeito similar.
- Exemplos: Aconteceu alguma coisa na escola que te incomodou, filho? Alguém te bateu? Você ficou triste com alguém?
2. Método fast-food
A partir desse espírito de investigação, para solucionar a lidar com a situação extrema da birra, a especialista propõe o “método fast-food”, criado pelo especialista em desenvolvimento infantil Harvey Karp, norte americano autor de A Criança Mais Feliz do Pedaço.
O método é inspirado na dinâmica de diálogos entre atendentes e clientes de fast foods, como o McDonald's. Confira um exeplo:
- Cliente: Quero uma oferta do Big Mac
- Atendente: Você quer uma oferta do Big Mac?
- Cliente: Sim
- Atendente: Quer com bebida grande?
- Cliente: Não, quero média.
- Atendente: Então você quer uma oferta do Big mac com uma bebida média. Gostaria de aumentar a sua batata por apenas um real?
- Cliente: Sim
- Atendente: Então é uma oferta do Big Mac com uma bebida média e uma batata grande, certo?
- Cliente: Isso mesmo
Esse é o método fast-food. Na hora da birra, você vai fazer isso com a criança usando como base os resultados das ‘investigações’ que você fez inicialmente. Imaginando as possibilidades do que pode ter causado a ‘explosão’, o adulto deve ir guiando a conversa e, no final, dar uma solução para a criança sentir que foi ouvida.
“Se for o caso da criança estar chorando porque estamos tirando dela algo que ela não pode mexer, por exemplo, você dará a ela uma outra opção. Isso funciona muito entre os bebês até uns três anos, por exemplo”, comenta Raquel.
Inclusive, nas redes sociais, ela já mostrou a eficácia do método na prática. Veja o vídeo dela com sua filha, de nove meses na época:
3. Prevenção
Em meio a todas essas dicas, para evitar chegar no momento da explosão, também é preciso que os pais tenham a capacidade de prever problemas. Assim, os adultos conseguem antecipar situações que possam chatear seus filhos e evitá-las, se possível.
“Se o pai sente que se ele entrar no corredor do mercado onde tem um doce a criança vai querer e sabe que não fez nenhum combinado com ela sobre aquilo, ele não tem capacidade de saber que aquilo vai gerar um comportamento negativo no filho dele?”, ressalta.
E se, mesmo assim, a criança continuar chorando?
É comum que a birra acabe quando o adulto observa o fato, não o julga e tenta ajudar a criança da forma possível. Mas se, mesmo assim, a criança continuar chorando, é direito dela se sentir frustrada, pontua Raquel.
“O objetivo não é você fazer o seu filho ficar igual um robô. Criança chora, a criança grita, criança chuta. Só que a gente precisa fazer com que ela se sinta ouvida pra ela colaborar melhor, para ela poder sair dessa situação com mais facilidade”
Chega de ‘família perfeita’
Em meio ao ‘boom’ de perfis de influenciadores que compartilham dicas sobre parentalidade, tem circulado vídeos que exigem uma passividade tanto dos pais, quanto da criança. Mas, para a especialista, este não é o ponto e a educação respeitosa não significa que os adultos precisam ser 'namastê' para tudo.
“Parentalidade não é uma coisa pasteurizada, homogeneizada, com dicas que sirvam para todos. Tem muito a ver com a sua personalidade. Você não pode deixar de ser quem é para se comunicar com o seu filho”, complementa.
A mensagem de Raquel é que os adultos abram a cabeça e confiem em seus processos, mesmo que queiram romper com a forma com a qual foram criados.
“Não perca a personalidade, não se perca no caminho. A família tem que se fortalecer como uma coisa única, individual, sem querer virar igual a outras. Deixa a criança ter suas especificidades dela, tenha também as da sua família. Isso de família perfeita é uma coisa cafona e chata.”