A inclusão de bibliotecas apenas com obras e autores negros tem ganhado força nas instituições de ensino público do Pará, como um braço da educação antirracista. O que começou em Santarém, município a oeste do estado, agora pode chegar a mais cinco cidades. De acordo com o coordenador do projeto, o professor Luiz Fernando França, o sonho é fazer com que a ideia cresça em todo o País.
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Nos espaços, batizados de "Afrotecas", os alunos podem encontrar livros, jogos, brinquedos e instrumentos musicais feitos para enfrentar a questão racial nas escolas. Ao Terra, o professor conta que a iniciativa, que é a primeira voltada para crianças pequenas, nasceu como parte e resultado do Projeto 'Kiriku' — um grupo de pesquisa criado em 2022 sobre literatura, história e cultura africanas, vinculado ao curso de licenciatura em Letras da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).
Os pesquisadores tinham como objetivos entender o desenvolvimento das relações raciais nos Centros Municipais de Educação Infantil (CEMEIs) e como construir alternativas pedagógicas de combate ao racismo e de promoção de igualdade racial na educação infantil.
"A forma como pensamos esta tecnologia tem origem no problema que queremos combater e superar: o racismo na infância", explica o coordenador.
Para chegarem a iniciativa, o grupo ouviu as equipes de trabalho dos CEMEIs e, a partir disso, descobriram um quadro de situações recorrentes de discriminação racial que movimentam estereótipos em torno das crianças negras.
"Não poderíamos pensar e construir a tecnologia sem conhecer e refletir sobre as relações raciais nos CEMEIs, pois o conhecimento e sistematização das formas mais usuais de discriminação racial movimentaram, e ainda movimentam, a escolha dos livros, jogos, brinquedos e instrumentos musicias que estruturam a tecnologia", detalha.
"Ou seja, se o cabelo da criança negra é o principal elemento de inferiorização atualizado nas práticas racistas, foi preciso trazer para a composição da Afrotecas os materiais que desconstruam essa prática e promovam maneiras afirmativas de ver e perceber o corpo e os traços identitários da criança negra", destaca França.
Atualmente, há quatro Afrotecas no Pará. A primeira, e considerada 'central' do projeto, é a Afroteca 'Willivane Melo'. As outras são: a 'Amoras', do CEMEI Paulo Freire; a 'Sankofa', do CEMEI Antônia Corrêa e Sousa; e a 'Lelê', do CEMEI Maria Raimunda Pereira de Sousa. Todas estão em pleno funcionamento.
As próximas unidades foram anunciadas em setembro deste ano, em parceria entre a UFOPA e o Ministério da Igualdade Racial. A iniciativa vai para os municípios de Alenquer, Belterra, Monte Alegre, Oriximiná e Santarém. De acordo com o cronograma, elas devem ser inauguradas até março de 2025.
A importância da educação antirracista
Segundo o professor Luiz Fernando França, as Afrotecas abraçam uma inovação necessária na educação infantil brasileira e partem da importância do enfrentamento ao racismo, à discriminação e ao preconceito racial desde a primeira infância. Por outro lado, a iniciativa também pode ser utilizada como laboratório na formação de professores e incluir outros públicos, como alunos do ensino fundamental e médio.
No entendimento do pesquisador, essa é uma possibilidade efetiva de implementação da Lei 10.639/2003 - que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas na educação brasileira.
"Não dá para dizer que não estamos apresentando um caminho efetivo, funcional e permanente. Não temos dúvida que a Afroteca tem potencial de Política Pública. E esse é nosso grande sonho: transformar a Afroteca, uma tecnologia educacional antirracista, desenvolvida por uma universidade pública do Norte do nosso País, em uma política pública antirracista que possa ser oferecida para todas as crianças do Brasil", defende.