Não é de hoje que a preocupação com a educação brasileira ocupa lugar central nas demandas da sociedade por melhorias estruturais no país. Para conquistar avanços nesse campo, no entanto, é importante engajar todos os envolvidos no ecossistema da educação — principalmente os professores.
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Nesse sentido, o cenário é ambíguo. Por um lado, percebe-se um aumento do desinteresse dos jovens em seguirem a carreira de professor (menos de 2% dos estudantes, segundo pesquisa de 2010 da Fundação Victor Civita). Por outro, surge no país uma nova leva de jovens talentosos e dispostos a desafiar esse problema de frente. De que lado você prefere estar?
Reunindo egressos dos mais variados backgrounds, o último grupo é formado por jovens inovadores e com foco em resultados que vêm revolucionando a educação no Brasil de dentro para fora. É o caso de Fernando Carnaúba, economista que contribui para a formação de professores nas escolas do Somos Educação, ou de Claudio Sassaki, o arquiteto que trabalhou no mercado financeiro e hoje toca a Geekie, uma das mais bem sucedidas startups brasileiras de inovação educacional.
O carioca Caio Lo Bianco, bolsista da Fundação Estudar, também faz parte desse movimento. Formado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio), ele sempre foi um apaixonado por educação. Hoje, trabalha como trainee no Eleva Educação, empresa com investimentos do Gera, fundo venture capital de Jorge Paulo Lemann para a área de educação. A Eleva é responsável pelo aprendizado de mais de 50 mil alunos, por meio de escolas próprias e escolas parceiras espalhadas pelos Brasil inteiro. Em 2015, emplacou quatro de suas escolas entre as 15 melhores no Enem.
Mas se engana quem imagina Caio, pela sua formação, focado em alguma função administrativa. Atualmente, ele divide seu tempo entre a sala de aula — ensinando Matemática para alunos do Ensino Fundamental — e outras atividades pedagógicas, como a elaboração de materiais didáticos. A seguir, ele fala sobre os desafios da profissão de professor e a decisão de abrir mão de uma carreira tradicional em economia para se dedicar a sua paixão.
Como você se envolveu com a temática de educação?
Foi muito por influência da minha avó, que era diretora de colégio e professora de línguas. Desde que eu era criança ela sempre discutiu muito comigo sobre educação, enviava cartas com recortes de jornais e reportagens sobre o tema. Então isso foi instigando em mim um interesse por educação. Essa história de crescer ouvindo e discutindo temas e propostas de educação… Eu fiquei apaixonado pelo setor e nunca pretendo mudar de área. Ao mesmo tempo, eu também queria ter um impacto na sociedade por meio da minha atuação profissional e, para mim, educação foi e sempre vai ser a forma mais palpável de atingir esse impacto. Na faculdade, dei aulas em um cursinho como voluntário. Até cheguei a fazer um estágio na indústria, durante um intercâmbio em Londres, para ver se eu gostava da experiência. Mas isso só reforçou a ideia de que não, que o que eu queria mesmo era o mercado de educação.
Como é o seu trabalho na Eleva Educação?
Eu entrei como estagiário para trabalhar na parte de gestão. Durante meu primeiro ano, ajudei a desenvolver a parte de metas de todas as áreas da empresa. Assim, era necessário entender o funcionamento de cada parte da empresa. Isso foi muito legal porque me deu uma visão bem ampla do negócio. Mas no final do estágio eu já estava percebendo que o que eu queria a partir de então era trabalhar na parte pedagógica mesmo, impactando a vida dos alunos na ponta. Foi quando virei trainee e migrei para a pedagógica. Comecei em uma área de contextualização, ajudando a tornar o nosso material mais contextualizado, mais alinhado com o dia a dia do aluno. E depois fui para outro projeto, de habilidades de vida, que tem o objetivo de desenvolver habilidades socioemocionais nos alunos. Ajudei a criar um currículo de habilidade de vida para ser usado em nossas escolas, e em cima disso trabalhamos projetos e dinâmicas que desenvolvam habilidades como curiosidade, colaboração, pensamento crítico, perseverança, proatividade, entre outras. Logo que entrei para a Eleva, paralelamente também comecei a ser professor de matemática no Pense, uma de nossas marcas, pro sexto e sétimo ano.
Conte um pouco sobre o seu dia a dia…
A Eleva está no começo, é uma empresa em crescimento, então não tenho exatamente um dia típico. Eu resolvo desde coisas mais processuais, como a diagramação do material, a entrega do material, até coisas mais macros como definição de currículo, treinamento de professores, feedbacks e redação de material escolar. Então eu basicamente participo de tudo, desde criação até implementação e o aperfeiçoamento das nossas práticas. E ainda dou aula!
Ano passado, vocês emplacaram quatro escolas no “Top 15” do Enem. O que está por trás desse resultado?
Acho que é a criação de uma cultura de estudo. Nossas escolas têm essa cultura de que estudar é importante, leva você a algum lugar. Estudar transforma a sua vida. A gente tem caso de sucesso de alunos que vieram do Acre e hoje estão no MIT (Massachussets Institute of Technology), a melhor escola de engenharia do mundo. E isso a gente divulga para todo mundo. Então os alunos sabem que é possível você mudar a história da sua família e da sua vida por meio da educação. Outra coisa muito importante é a qualidade dos nossos professores. Para você se tornar um professor da rede da Eleva é muito difícil, você precisa fazer prova de aula, prova escrita, mostrar que consegue engajar os alunos, contextualizar a sua matéria. Ser professor é muito mais do que você só saber o conteúdo. É você saber, saber passar, e saber passar de uma forma engajadora. É por isso que estamos no “Top 15” do Enem. Ele é uma prova contextualizada, que precisa que o aluno interprete situações do dia a dia e aplique conhecimento nessas questões, e a gente faz isso muito bem.
E como tem sido a sua experiência em sala de aula, como professor?
Tem sido muito rica. O meu objetivo é dar atenção a todos os alunos, independente de como eles atuam. Alguns professores falam: ‘Ah, esse aluno aí é muito bagunceiro, não tem jeito’, ou ‘Esse aluno aí todo mundo sabe que ele tem problema’, e aí colocam o aluno dentro de uma caixinha e isolam ele. Eu acho que não, acho que é o papel do professor é saber trabalhar com todo tipo de aluno. E saber trabalhar com todas as situações dentro da sala de aula, com tudo o que acontece lá. Às vezes os professores querem se livrar desses alunos rotulados como problemáticos, mas eu tento cada vez mais estimular e engajar todos os alunos.
Quais são as habilidades necessárias para ser um bom professor?
É claro que o professor tem que ter o domínio do assunto que ele está lecionando. Mas eu não diria que só isso é importante. Para trabalhar com ensino fundamental, por exemplo, tem coisas mais importante do que saber aquele conteúdo com mestrados e doutorados. Um profissional que vai se dar bem na carreira de professor deve ter muita capacidade de comunicação. Um professor que não se comunica não existe. Ele precisa saber expor a sua mensagem de forma clara, coerente e motivadora. Precisa saber vender a sua mensagem, adequar a sua mensagem ao público alvo. E precisa saber ouvir o aluno também. Além da comunicação, outra capacidade muito importante é a empatia. O professor precisa saber se colocar no lugar do aluno, e não só do aluno comum, mas de todos os variados alunos da sua sala. Se ele não entender o lado do aluno, a posição do aluno, ele não consegue motivá-lo. Assim, um bom professor precisa muito de habilidades socioemocionais, e isso independe do curso que ele fez na faculdade.
Então quem não fez Pedagogia pode seguir a carreira de professor?
Hoje, eu vejo que o curso de graduação e a experiência durante a faculdade são muito importantes para criar desafios para você, para estimular sua capacidade crítica, de entender pontos de vista diferentes, e também para te expor a problemas difíceis. Toda essa coisa que a faculdade estimula é muito importante, mas depois que você passa por isso é possível ir para várias áreas. Isso é muito comum em outros países, as pessoas mudam completamente de área. É algo super viável.
Como foi a decisão de não seguir uma carreira tradicional na sua formação e ir para outra área?
A minha decisão foi muito guiada pelo que eu gostava de saber e pelo que eu acreditava. Sentia que não queria ficar em um banco ou uma consultoria e não ver de perto onde a minha atuação estava impactando a sociedade. E sou realmente apaixonado por educação. Mesmo no curso de economia, meu trabalho de conclusão de curso foi sobre habilidades socioemocionais, que está bastante relacionado ao minha atuação hoje.
Qual o seu conselho para quem está em dúvida sobre seguir a carreira de professor?
Minha sugestão é: vá para a sala de aula. Quando você está na sala de aula, você sabe se você realmente é apaixonado por aquilo ou não. E se você sente que é apaixonado por aquilo, siga a carreira de professor. Mas faça isso em lugares que valorizam essa carreira. Você precisa buscar esses lugares para ser bem-sucedido.
Qual sua visão sobre carreira de professor no Brasil, de maneira geral?
O professor consegue impactar mais do que ninguém a vida de um aluno. Todo mundo teve um professor que mudou a sua história, que mudou sua forma de enxergar o mundo. O problema é que esses professores são desvalorizados e muitos professores não tem estímulo para se desenvolverem. Existe uma ideia de que o professor é uma pessoa que já chega pronta. Então em muitas escolas o professor permanece lá intacto, no canto dele, desenvolvendo o que ele acha melhor para a sala de aula. Eu acho que a gente tem que botar esse professores todos para conversarem entre eles, para que possam trocar e aprender as melhores praticas. E aprender também com os professores de fora. Eu sou professor e posso dizer que quero aprender todo dia, cada vez mais. Eu gostaria muito de aprender melhores práticas, e aprender com outros professores. O desafio trazer mais professores que queiram aprender cada vez mais, que queiram incentivar e motivar os alunos. A gente precisa de uma educação que motive mais, que seja mais alinhada com a realidade do século 21. A gente precisa inovar em sala de aula.
Por que tem diminuído o número de jovens interessados em seguir essa carreira?
Acho que esse desinteresse acontece exatamente porque esse profissional não é muito valorizado no mercado. E aqui na Eleva nós tentamos reverter isso. Aqui nós queremos que o professor dê aula, mas também queremos aprender com o professor. Queremos que suas melhores práticas sejam disseminadas por toda a Eleva. Chamamos os professores para trabalharem na parte pedagógica da empresa, para pensarem na escola de forma mais macro. Quando o professor é aquele que só está ali pra passar o conteúdo, aí o trabalho dele está sendo desvalorizado. Quando ele é visto como a pessoa que mais entende do que é educação, o que é o aluno e como ele pode ser incentivado, aí o papel dele fica grande. Porque o nosso cliente final é o aluno, e quem mais entende desse cliente é o professor.
E hoje, qual é o seu grande sonho?
O meu grande sonho é desenvolver currículos e aulas que desenvolvam habilidades socioemocionais nos alunos. Eu realmente acredito que faltam pessoas com mais pensamento crítico no mundo. Faltam pessoas que consigam se deparar com pensamentos diferentes e não fiquem só de um lado. Faltam pessoas que saibam lidar com perdas, com a diferença, que saibam ser empáticos e entender o ponto de vista do outro. Eu queria muito disseminar isso pelo Brasil e criar uma cultura de que ensinar habilidades socioemocionais dentro das escolas é tão importante quanto ensinar Matemática e Português.