Participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que tem seu primeiro dia de aplicação neste domingo, 21, relataram ansiedade diante do contexto da crise no Inep (órgão federal que organiza a prova) e das falas recentes do presidente Jair Bolsonaro. Os estudantes disseram temer que questões e temas específicos sejam suprimidos e relataram "cuidados" com opiniões a serem dadas na elaboração da redação.
Para a participante Beatriz Benjamin Chagas, de 22 anos, que chegou com duas horas de antecedência ao Colégio Objetivo, na Avenida Paulista, disse se sentir insegura. "Todos esses acontecimentos às vésperas da prova só trazem insegurança. Eu sou minoria por ser mulher e preta, não tenho a cara do governo. A cara do governo atual são de pessoas brancas, de classe alta."
Ela enfatizou que tem medo de expor opiniões no tema da redação que possa desagradar o governo. "Querendo ou não eu vou ter que seguir a política deles para tentar uma boa nota. Eu não posso falar exatamente minha opinião porque tenho medo de retaliações", disse Beatriz.
Com o sonho de cursar museologia, a produtora cultural Alice Beatriz Gallina, de 23 anos, teme pelo futuro do Enem, após as crises recentes. " Eu lembro que no passado a prova tinha questões impactantes, bem elaboradas e que de alguma forma colocavam na 'parede' o governo. Eu tenho preocupação de perder esse caráter de questões importantes do País."
Para o estudante Rafael Alves, de 17 anos, que chegou às 11h30 ao local de prova, participar do Enem já traz o nervosismo natural de quem almeja entrar em uma universidade. "É normal ter um pouco de ansiedade, mas temos que tentar", disse Alves.
Para Alves, que pretende cursar Tecnologia da Informação, "é melhor não escrever opiniões contrárias ao governo Bolsonaro na redação".
Como mostrou o Estadão, o Inep enfrenta sua pior crise desde o roubo do Enem em 2009. Às vésperas da aplicação do exame de 2021, o órgão viu uma debandada: 37 servidores pediram exoneração denunciando a pressão para trocar itens da prova e criticando a "fragilidade técnica" da cúpula da autarquia responsável pelo exame.
O Inep, o Ministério da Educação e o governo federal sustentaram ao longo das últimas semanas que o exame não será prejudicado pela demissão e negaram interferências indevidas no conteúdo da prova.
Ativismo e passado
A candidata Maria Eduarda Butieri Gomes, de 20 anos, que não prestou a prova do ano passado por causa da pandemia, disse que a interferência de governantes na elaboração das questões pode ser um fator limitante para o desempenho dos estudantes. "Você estuda tudo esperando que possa cair tudo, mas alguns temas são vetados. Isso limita e prejudica quem se preparou para uma prova mais ampla", disse. É o seu segundo Enem - ela prestou em 2019 - e espera conseguir vaga em biomedicina ou farmácia.
O candidato Joshuel Sanzovo, de 23 anos, que esperava a abertura dos portões para seu segundo Enem, disse que a interferência do governo afeta a qualidade da prova. "Por anos o Enem seguiu um padrão que, bem ou mal, avaliava o candidato. No ano passado, a fórmula já foi alterada e este ano, tudo indica que a interferência tenha sido ainda mais alta. Na redação, por exemplo, certamente não vão focar o momento do país. Não vejo como isso pode ser bom para avaliar o conhecimento."
O candidato Bryan Pereira Duarte, de 18 anos, disse ter feito o possível para não deixar que os "fatores políticos" prejudicassem a preparação para seu primeiro Enem. "Se a gente se ocupa com esses fatores extras acaba perdendo o foco no estudo. Tento não pensar para não ficar nervoso."
Ele esperava uma redação sobre um tema atual. "Vou encarar o que vier."
Houve casos de retardatários que perderam a prova em pelo menos dois locais do exame em Sorocaba. Na Universidade Paulista (Unip), um estudante chegou alguns segundos atrasado e culpou o serviço de transporte por aplicativo. "Cancelaram duas vezes e acabei atrasando", disse ele, que pediu para não ser identificado. Uma estudante chegou a tempo, mas não pode fazer a prova por documentação incompleta.