O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) será aplicado no próximo domingo (21) em meio a uma crise interna do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), órgão responsável pela prova. Além disso, colaboradores terceirizados que vão fiscalizar os candidatos durante o Enem relatam corte no número de aplicadores por sala este ano e temem fragilidades na supervisão dos estudantes.
Em salas com menos de 26 candidatos, haverá apenas o chefe de sala no comando da turma, conforme afirmam. Nos anos anteriores, o trabalho era feito em duplas: um chefe de sala e um aplicador. O Estadão ouviu colaboradores de oito Estados. Também acessou os manuais com as tarefas que devem realizar nos dias do exame e os documentos enviados a eles pelo consórcio aplicador.
As provas ocorrem neste domingo (21) e no próximo (28). Cerca de 3,1 milhões de candidatos devem fazer o exame, principal forma de ingresso no ensino superior brasileiro. O Inep enfrenta, nos últimos dias, sua maior crise: 37 servidores com experiência no Enem pediram para deixar seus cargos às vésperas do exame por discordarem da gestão do atual presidente da autarquia, Danilo Dupas. As alegações da categoria são de falhas de gestão e assédio - o que ele nega.
Nos postos de trabalho dos colaboradores terceirizados, as mudanças foram descobertas há poucas semanas. "Será só uma pessoa (fiscal) por sala. Alegaram que, na sala com menos de 25 alunos, só uma pessoa bastaria para aplicar", disse a coordenadora de aplicação em uma escola pública no interior de Mina. Esses funcionários são contratados pelo consórcio aplicador da prova, a Cesgranrio.
Procurado, o Inep não se posicionou até a publicação da reportagem. Já a Cesgranrio, responsável pela aplicação, informou que não poderia comentar o assunto por "motivos contratuais".
"Quando fui alocar minha equipe, vi que não tinha a opção de aplicador. Antes, sempre tinha. Foi uma surpresa. Estava contando com o dobro de pessoas, como nos anos anteriores", completou. Ela teme que seja mais difícil resolver eventuais problemas e diz que o trabalho pode recair sobre os fiscais de corredor e banheiro - que, segundo conta, também não aumentaram.
Em uma escola no Distrito Federal, o coordenador afirma que haverá apenas o chefe de sala em cada uma das 27 turmas, sem aplicadores. Outra colaboradora, de São Luís, recebeu de seus superiores uma planilha com as funções e valores pagos aos trabalhadores do Enem. Em relação aos aplicadores, a regra é ter "1 para salas a partir de 26 participantes", mostra o documento.
"Independentemente do número de alunos, cada chefe tinha um aplicador como parceiro. Em salas com maior capacidade de pessoas, chegava a ter dois aplicadores", diz a jovem, que trabalhará sozinha na classe. "Precisamos assinar e organizar muitas folhas ao longo de todo o exame. Com certeza essas múltiplas funções vão afetar a eficiência da supervisão dos participantes durante o exame em caso de algum comportamento suspeito."
O manual dos colaboradores deste ano não atribui funções aos aplicadores. Tarefas que na edição passada eram divididas agora sobraram para o chefe de sala. Por exemplo, é ele quem deverá recepcionar os participantes no início da prova e, ao final, entregar todos os materiais na coordenação - função que, no passado, fazia junto com o aplicador.
O trabalho de fiscalizar participantes com atitudes suspeitas também é do chefe de sala. Neste item, por exemplo, o manual indica que o chefe de sala poderá contar com a ajuda do aplicador, "quando houver". Um trecho do curso online realizado pelos trabalhadores antes do Enem indica: "Aplicadores só em algumas salas."
"Minha questão é como vai ser o almoço e ida ao banheiro. Não foi explicado nada", disse uma chefe de sala no interior do Piauí. Ela cogita desistir da aplicação. Outra jovem do interior do Rio Grande do Norte conta que já trabalhou seis anos no Enem, sempre em duplas. Este ano ficará sozinha. "Será mais coisas para fazer e todo cuidado é pouco."
Com a queda do número de inscritos nesta edição, a previsão é de ter salas com menos candidatos. O Inep não informou de quanto será a economia com o corte de aplicadores este ano nem explicou os motivos da mudança. Ao Estadão, servidores do Inep que preferiram não se identificar disseram que o modelo traz "eficiência" e que não veem a redução como risco à prova.
O Estadão apurou que os valores pagos aos colaboradores este ano não devem mudar. Um chefe de sala recebe pelos dois domingos de trabalho R$ 230. Já o aplicador ganha R$ 180. Não há informações sobre aumento para o chefe de sala por causa do acúmulo de funções.
Diferentemente da edição passada, realizada em janeiro, as salas de prova agora devem garantir o distanciamento de 1,5 metro entre os candidatos. A distribuição dos alunos por turma, dessa vez, considerou o total de inscritos - e não projeções de abstenção.
Edição anterior teve problemas com lotação de salas
Na prova passada, o Estadão revelou que o Inep contava com as faltas de candidatos para conseguir fazer o distanciamento entre as carteiras e reduzir o risco de transmissão da covid-19. Aplicadores receberam planos de sala com 80% de ocupação - e não 50%, como prometido. O resultado disso foram salas cheias em várias regiões do País, já que a abstenção não foi uniforme. Estudantes foram barrados no local de prova e tiveram de voltar para casa sem realizar o exame.