Na última edição do Enem, a professora pernambucana Fernanda Pessoa teve três alunas nota mil na redação e mais de mil alunos que tiraram 980. Ao ser questionada sobre a "fórmula do sucesso", a resposta é simples: ela ajuda os estudantes a entenderem que "escrever é um reflexo do pensar". É isso, segundo ela, que faz com que o aluno domine os assuntos em geral e esteja preparado para dissertar sobre as inúmeras possibilidades de temas de redação.
Fernanda observa que nos últimos anos o Enem segue uma tendência de escolher temas com maior chance de surpreender os estudantes. Ou seja, propostas que tenham recortes além do mais convencionais, com direcionamentos mais específicos. Foi o que aconteceu no ano passado, por exemplo, em que a frase tema da proposta era "Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil".
"Era muito improvável que na véspera do Enem 2021, o estudante estivesse estudando exatamente sobre registro civil. Ninguém iria chutar um tema específico", diz.
Mas isso não é motivo de preocupação, tranquiliza a professora. É aí que entra a importância da reflexão para a escrita que ela tanto defende. "Se o aluno tivesse estudado e compreendido as diretrizes sobre cidadania e invisibilidade - eixos temáticos mais amplos - ele seria capaz de criar um argumento para recortes mais fechados, como foi o caso de registro civil", explica.
Pensando nesta habilidade de pensar temas mais amplos para depois adaptá-los aos recortes propostos pelo Enem, o Guia do Estudante convidou a professora Fernanda Pessoa a fazer apostas para a redação deste ano. Confira!
Questão ambiental
Para este ano, Fernanda acredita que temas relacionados ao meio ambiente são uma forte aposta, diante da importância do assunto e por fazer tempo que ele não é cobrado pela banca do exame. A professora conta que é comum que os estudantes tentem decorar um dado para lixo urbano, outro para lixo metal, outro para o desmatamento. Mas isso não é o mais recomendável. "O estudante decora todos esses, aí chega no dia e a proposta é aumento do lixo plástico nos oceanos. Ele pode se desesperar por achar que não sabe nada sobre o tema", diz.
Fernanda diz que o candidato precisa entender o contexto do dado. Por exemplo, de acordo com um levantamento feito pelo WWF (Fundo Mundial para a Natureza), feito com base em dados do Banco Mundial, o Brasil é o 4º maior produtor de lixo plástico do mundo. "Se o estudante entende as causas e os impactos disso, ele consegue associar a falta de educação ambiental para qualquer tipo de tema que envolva meio ambiente", explica.
Nesse sentido, Fernanda recomenda que os jovens estudem pensadores importantes da área, o que vai garantir um repertório bom e diverso no momento da prova. Para a questão ambiental, ela indica o ecologista Genebaldo Freire, que é autor de 19 livros sobre a temática ambiental, entre eles, Educação Ambiental: Princípios e práticas .
Por fim, a professora destaca recortes possíveis dentro do eixo temático de meio ambiente. São eles:
- A persistência do desmatamento no Brasil;
- Catástrofes ambientais;
- Aumento das queimadas;
- Aquecimento global.
Minorias
Fernanda também chama atenção para os temas que são associados a minorias. A última vez que o exame trouxe um recorte nesse sentido foi em 2017, quando a proposta abordou os desafios impostos às pessoas com deficiência - mais precisamente, os "desafios para a formação educacional de surdos no Brasil".
Ela ressalta, por exemplo, que a redação do Enem nunca discutiu questões associadas à sexualidade e gênero, e que homofobia ou transfobia são possíveis apostas para este ano.
O palpite da professora vai na contramão da expectativa de que a prova não cobre temas sensíveis ao atual governo. Em 2021, o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro chegou a levantar a possibilidade de analisar pessoalmente as questões do Enem para evitar "perguntas muito subjetivas e até mesmo com cunho ideológico". O presidente Jair Bolsonaro também afirmou que o Enem "começaria a ter a cara do governo".
Fernanda sustenta que, apesar disso, muitos temas que poderiam gerar críticas ao governo Bolsonaro foram abordados na prova nos últimos anos. O maior exemplo disso foi em 2019, ano em que o Ministério da Cultura foi extinto e a Ancine (Agência Nacional do Cinema) sofreu grandes cortes. Nesta edição do Enem, os candidatos dissertaram sobre "Democratização do acesso ao cinema no Brasil".
Educação
Outro eixo temático que a professora destaca é educação. Assim nas questões ambientais, não é recomendável que o aluno saia decorando todas as estatísticas referentes à educação, e sim que ele compreenda o papel dela na sociedade. Para isso, pode se aprofundar nos pensamentos de figuras importantes no tema, como Paulo Freire, patrono da educação brasileira, e o psicólogo Jean Piaget.
A partir da compreensão ampla do tema, o estudante será capaz de tratar sobre as diferentes esferas do assunto, como a educação à distância ou sobre a importância da educação financeira. A discussão sobre o ensino técnico profissionalizante também tem ganhado relevância.
Dentro deste eixo, Fernanda chama atenção para a educação cívica. Recentemente, o Inep publicou sobre um estudo de educação cívica e cidadania. Assim como o Ministério da Educação, o instituto têm o hábito de divulgar 'spoilers' sobre o tema da redação em seus sites e redes sociais. Essa, portanto, pode ser uma dica.
A disciplina Educação Moral e Cívica, que é bastante atrelada ao período do regime militar brasileiro de 1964 a 1985, foi citada por Bolsonaro e aliados desde a campanha presidencial de 2018. Como mostra uma reportagem da Nova Escola sobre o tema, o objetivo defendido pelo governo para a volta da disciplina nos currículos era "incutir nos alunos o civismo, culto à pátria e a ética, ensinando hinos, símbolos e como funcionam as instituições nacionais".
Trabalho
Fernanda reforça que os estudantes precisam saber discutir a sociedade brasileira, porque os temas do Enem serão sempre completamente atuais. Um aspecto importante, nesse sentido, é o eixo temático do trabalho. Para o exame, é preciso que o candidato tenha clareza sobre como enxerga o trabalho e a economia, pontua a professora.
A pandemia da covid-19 acelerou processos e tendências que já vinham se consolidando anteriormente, principalmente, nas relações trabalhistas. Diante de um cenário do aumento da automação, com o uso de mais tecnologias como a inteligência artificial, profissões estão se transformando. Surge com isso a necessidade de um novo tipo de profissional: o trabalhador 4.0. Ele precisa dominar o uso das tecnologias digitais, buscando maior colaboração, e pensando em arranjos de trabalho flexíveis.
"É importante pensar o que é esse trabalhador 4.0 e sobre esse processo da economia sendo associada à questão da tecnologia", diz Fernanda. Uma dica de repertório sobre o assunto é o livro Trabalhador 4.0, coordenado por José Roberto Afonso. Na obra, 11 autores de diferentes áreas analisam os impactos da revolução digital em curso sobre a economia e a sociedade brasileira, especialmente no que toca às mudanças nas relações de trabalho e na organização da educação, da ciência e da cultura.