Após a onda de protestos que tomou conta do País, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), apresentou projeto de lei para garantir o passe livre a estudantes subsidiado pelos recursos dos royalties do petróleo. Apesar de defender a abertura das catracas, entidades ligadas à educação e o próprio Movimento Passe Livre (MPL) - que organizou as marchas pela redução da passagem em São Paulo - criticaram a proposta do senador, que deve ser votada nesta quarta-feira.
Para Caio Martins, militante do MPL, o momento em que o projeto foi apresentado, na última semana, evidencia o "oportunismo" de Renan Calheiros com a medida. "A proposta surge para tentar acalmar os ânimos do grupo mobilizado, que é composto na sua maioria por estudantes", disse Caio. Segundo ele, o MPL entende que a proposta não resolve o problema do transporte público, já que beneficia apenas um grupo. "O preço da passagem não é ruim só para os estudantes, mas para a população como um todo. Talvez até não seja o estudante quem mais precisa desse benefício", afirmou.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) também classificou a proposta de Calheiros como oportunista. Para Roberto Leão, presidente da entidade, a medida deve ser rejeitada pelos demais senadores, já que compromete recursos dos royalties que devem ser destinados para investimentos na melhoria da educação, como a construção e reforma de escolas e o reajuste salarial a professores.
Roberto Leão defende o passe livre para os estudantes como forma de reduzir a evasão escolar, mas disse que é preciso pensar em outras formas de subsídio para garantir o benefício. "Foi uma ideia muito infeliz, colocada a público no dia que a Câmara destinou todo o dinheiro do pré-sal para as áreas mais carentes deste País (75% do total para a educação e 25% para a saúde). Que se estude outras formas para dar o passe livre, mas não mexendo no dinheiro carimbado para garantir uma educação com mais qualidade", criticou o representante da CNTE.
Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Virgínia Barros não fecha as portas para a proposta de Renan, mas também critica a utilização dos recursos dos royalties para subsidiar a isenção para os estudantes. "Sempre defendemos o passe livre e vemos que a disposição do Congresso de votar essa proposta é acima de tudo por pressão das ruas. Mas precisamos discutir melhor sobre quem deve pagar a conta por isso. Por que em nenhum momento se discute transferir para as empresas que prestam o serviço a responsabilidade por um transporte mais acessível?", questionou Vic Barros. Para ela, antes de onerar um setor como o da educação, que carece de investimentos, é preciso reduzir o lucro das empresas.
Somente na cidade de SP, passe livre custaria mais de R$ 500 milhões
Assim como em várias cidades do País, São Paulo adota a meia-tarifa para estudantes, que pagam R$ 1,50 para circular nos ônibus da capital. De acordo com a prefeitura, em 2012 foram arrecadados R$ 260,4 milhões apenas com as passagens pagas pelos estudantes. Se o custo com o transporte dos estudantes na capital paulista fosse retirado na íntegra dos royalties, o valor hoje estaria em R$ 520,8 milhões. Atualmente, 875 mil estudantes estão cadastrados no sistema da prefeitura, mas a estimativa é que atinja 1 milhão de beneficiados pela meia-passagem até o fim do ano.
Como o Senado e o governo não têm uma projeção sobre os impactos da proposta de Renan, ainda é difícil estimar o custo para todo o Brasil. No entanto, o professor do Departamento de Transportes da Escola Politécnica da USP, Telmo Giolito Porto, alerta que todas as isenções exigem uma forma de compensação para as empresas, o que nem sempre vem acompanhado de transparência.
"Não existe viagem de graça, ela será paga pelo governo, seja para uma empresa pública ou privada. O problema maior é que o controle sobre essas isenções é muito mais difícil de ser alcançado", disse ao criticar a dificuldade em se garantir o acesso da população às tabelas das empresas de transporte e ao real custo das isenções. Ele ainda lembra que os recursos dos royalties, na sua maioria, estarão disponíveis a longo prazo, e o subsídio do transporte seria imediato.
O professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) Gabriel Leal estima que a maior parte dos recursos esteja acessível somente daqui a três anos. "Como esses campos (de petróleo) são muito recentes, a produção não atingiu um volume para que seja colocada no mercado. Em geral, isso pode demorar em torno de dois a três anos", disse. Segundo ele, comprometer um recurso futuro com um gasto imediato pode causar problemas para honrar os compromissos.
Na semana passada, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, também fez críticas à proposta, ao afirmar que seria irresponsável aprovar o passe livre "sem fazer conta e sem estudar com seriedade". Segundo o Ministério da Educação, há hoje 70 milhões de estudantes no País. "Nós temos de verificar objetivamente qual o público vai ser atingido, se vai ter recorte de renda, como é que é esse financiamento, quais são os recursos disponíveis", argumentou Mercadante.
A proposta de Renan Calheiros
O projeto protocolado na última semana diz que será assegurada a gratuidade no sistema de transporte público local para o estudante do ensino fundamental, médio ou superior, que esteja regularmente matriculado e com frequência comprovada em instituição pública ou privada de ensino. A proposta diz ainda que o custeio da gratuidade será proveniente dos recursos dos royalties do petróleo. No entanto, a proposta não detalha se haverá um critério de renda para garantir as isenções.
Renan Calheiros rejeita as críticas de oportunismo e na própria justificativa do projeto disse que a proposta é reflexo dos protestos nas ruas. "No mês de junho de 2013, o Brasil assistiu a uma série de manifestações populares nascidas a partir da constatação de que o transporte público coletivo, além de precário e ineficiente, é caro. (...) Essa circunstância é especialmente dramática no caso dos estudantes, que em geral não têm fonte de renda própria e que com isso restam prejudicados em seus deslocamentos casa-escola", disse o senador. Ao pedir apoio dos demais parlamentares para a aprovação, ele afirmou que a proposta atenderá "uma justa demanda da sociedade brasileira".
Renan também justificou a utilização dos royalties para custear a proposta. "A partir da consciência de que investindo no transporte de estudantes estamos verdadeiramente investindo em educação, estamos sugerindo que os recursos necessários para custear este programa advenham dos royalties obtidos com a exploração do petróleo no Brasil".
Segundo a assessoria do senador, o projeto de lei está na pauta de votação do plenário para esta tarde em caráter de urgência. A assessoria disse ainda que "quase a totalidade dos senadores" assinaram em apoio à proposta.