"Oi, meu nome é Isabela. Eu era uma criança prodígio e falhei na vida adulta". É assim que a historiadora Isabela Magioni, 23 anos, inicia um desabafo publicado nas redes sociais neste ano sobre as dificuldades e a pressão externa enfrentadas por uma pessoa com superdotação. O vídeo viralizou e, até este mês, conta com mais de 2,2 milhões de visualizações e milhares de comentários de outras pessoas que se identificaram com o relato dela.
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"O que não nos contam quando a gente faz uma avaliação de altas habilidades, quando dizem que a gente é um prodígio, quando dizem que a gente é muito bom nas coisas quando a gente é criança, é que o mundo vai exigir uma estrutura para as coisas que a gente faz. [...] Se eu não sou ótima em artigo científico, se eu não tenho as normas da ABNT, eu não sirvo para nada. [...] Eu sinto que o que aconteceu comigo até agora é ser um potencial desperdiçado", diz ela em um trecho do vídeo.
"É um pouco triste saber que existem muitas ideias, muitas coisas boas dentro de mim e eu não vou conseguir executá-las seguindo as regras da academia ou do mundo. Enfim, aquilo que me considerava um prodígio por ter, é o motivo de eu estar atolada", acrescenta.
A jovem, que atualmente mora em Goiatuba (GO) com os pais, foi identificada com altas habilidades, com um Quociente de Inteligência de 127, quando tinha apenas 8 anos após professores perceberem que ela apresentava maior facilidade em matérias que a interessavam e indicarem consultas com uma neuropsicóloga. Além disso, quando Isabela estava na pré-escola, ela já tinha sido avançada de ano.
"Eu gostava muito de Língua Inglesa, Língua Portuguesa, Literatura, História e Geografia", relembra a jovem em entrevista ao Terra. Ela conta ainda que escrevia poesias e aprendia facilmente a tocar instrumentos musicais. No entanto, ela não se dava muito bem com crianças da mesma idade, e tinha uma interação melhor com adultos.
Mesmo com a identificação da superdotação, Isabela recorda que a escola não se adequou às necessidades dela. Pelo contrário. Os professores passaram a exigir mais porque sabiam que ela era uma pessoa com altas habilidades.
"Ficou uma expectativa muito grande em mim, que me gerou muitos problemas em relação à escola, porque se tornou uma pressão que eu não esperava que fosse possível [...] E eu comecei a ficar diferente emocionalmente", diz. Por causa disso, Isabela chegou a trocar algumas vezes de colégio.
Como mostrou o Terra anteriormente, embora as leis e regras educacionais prevejam atendimentos específicos para os superdotados ou pessoas com altas habilidades, nem sempre isso ocorre. Outras famílias também já ouvidas pela reportagem contaram que há despreparo de algumas escolas para receber seus filhos e enfatizaram a necessidade de capacitação.
Mais desafios a cada mudança de fase
No Ensino Médio, a jovem se mudou de cidade e passou a estudar em um novo colégio, mais voltado para vestibular. De acordo com ela, as dificuldades para lidar com o formato de ensino se intensificaram.
"Tem essa pressão de ser bom em tudo. E eu não conseguia ser boa, era uma estrutura de ultraprodutividade o tempo todo, com matérias que a gente não se interessava, de uma maneira muito mastigada, muito estruturada para o vestibular especificamente, não tinha espaço para criatividade e outras atividades para você se expressar artisticamente, não tinha nenhum programa específico para isso", detalha à reportagem.
Ela ainda acrescenta no vídeo de desabafo: "estando em um colégio feito para vestibular meio que não importa que você é bom ou que você tenha um interesse. Você tem que se adequar a um padrão específico de ensino, porque senão você não serve. [...] Nesse modelo de ensino eu fracassei tanto que, sim, eu sou formada em história e eu fiquei de recuperação em história no segundo ano do ensino médio."
'Elas vão acreditar que são uma farsa'
No Ensino Superior, Isabela estudou em uma universidade federal e afirma que também teve muitos desafios para se adaptar a estrutura exigida em artigos e relatórios, por exemplo. Para a jovem, o "meio acadêmico mata os sonhos das pessoas" e ter que seguir um formato único atrapalha o desenvolvimento de pessoas com altas habilidades.
"Eu acredito que dentro da universidade existe, sim, a possibilidade de fazer pesquisas, de encontrar caminhos para você explorar aquilo que você gosta, mas novamente em um molde muito específico e com uma cobrança absurda sobre o que você deve seguir, o que você deve fazer para chegar no modelo de criatividade deles [...] Eles não consideram caminhos diversos que você pode fazer. Eu tinha dificuldade de entender o formato do texto", explica.
"As altas habilidades não necessariamente seguem a estrutura escolar, elas não necessariamente seguem o interesse daquilo que a escola tem de modelos de produtividade. É um fator muito desmotivador, as pessoas vão acreditar inclusive que elas são uma farsa", completa a jovem.
Todas essas questões levaram Isabela a um diagnóstico de Síndrome de Burnout após a faculdade. Ela também enfrenta ansiedade, depressão e agora está investigando um possível Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
Para a historiadora, é necessário mudanças: "A gente tem alunos diferentes, a gente tem que ter esse modelo de aprendizado diferente, a gente tem que ter uma adaptação melhor, profissionais mais qualificados para que a gente tenha a possibilidade das pessoas aproveitarem a inteligência que elas têm. [...] Eu deixo de fazer certas coisas por causa do medo da frustração."
Segundo Isabela, ela pretende agora fazer uma pós-graduação e ser uma professora pesquisadora. "Meu objetivo é trabalhar em uma universidade. Eu quero desenvolver pesquisas de formas alternativas. Eu quero colaborar para que a educação seja um espaço libertador."
O que é a superdotação?
O conceito de superdotação ou altas habilidades corresponde a uma condição em que os indivíduos apresentam grande facilidade de aprendizagem, o que os leva a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes, segundo a cartilha Saberes e práticas da inclusão (2006), da Secretaria de Educação Especial, do Ministério da Educação (MEC). Pela definição do psicólogo educacional americano Joseph Renzulli, a superdotação é o entrelaçamento de três características:
- Habilidade acima da média em alguma área de conhecimento;
- Capacidade de realização criativa; e
- Grande envolvimento na realização das atividades de seu interesse.
Um ponto importante é que o superdotado não é necessariamente aquele aluno que tira nota 10 em todas as disciplinas. Essa característica pode ser encontrada em alguns, mas em outros a superdotação pode se manifestar em apenas uma disciplina, como Matemática, ou dança, ou música ou esporte, por exemplo.
Essa noção equivocada de que um superdotado é aquela "pessoa que já sabe tudo", um "gênio", atrapalha inclusive na identificação e na inclusão desse público.
"Esse é um mito, simplesmente ele tem uma capacidade de execução cerebral superior. Mas é um indivíduo que não sabe tudo. Ele, na verdade, tem uma capacidade de aprender muito, de assimilar muito rápido", explica Carlos Eduardo Fonseca, o vice-presidente da Mensa Brasil, uma associação que reúne indivíduos com alto QI.
A avaliação para verificação de indicadores de altas habilidades deve ser multidisciplinar, envolvendo psicólogos, neuropsicólogos, psicopedagogos, os pais, a escola e outros profissionais específicos, conforme o potencial de cada indivíduo. Testes psicométricos, para a aferição do QI, também podem ser procedimentos adotados em uma avaliação.