"Estão censurando corpo negro que pensa, escreve", diz autor de 'O Avesso da Pele'

Jeferson Tenório foi alvo de perseguição após livro ser adotado em escolas no Brasil

7 mai 2024 - 05h00
Resumo
O escritor Jeferson Tenório fala sobre a consequência da censura de seu livro 'O Avesso da Pele' e enfatiza as barreiras que impedem o acesso da população negra e como isso impacta na geração de novos escritores.
Jeferson Tenório fala sobre censura do livro O Avesso da Pele
Jeferson Tenório fala sobre censura do livro O Avesso da Pele
Foto: Divulgação/Filmart

Após a polêmica envolvendo a censura do livro O Avesso da Pele, o escritor Jeferson Tenório tem uma explicação clara sobre os ataques direcionados à obra, vencedora do Prêmio Jabuti de 2021. Em entrevista ao Terra, ele afirma que as queixas ao livro, como a que foi feita pela diretora de uma escola de Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, são reflexo da polarização política e dos discursos de ódio às minorias sociais.

"A gente está vivendo um momento que é a continuação, na verdade, de uma onda conservadora. Então, o que eu tenho percebido é que o racismo sempre existiu. As violências policiais contra a população negra sempre existiram. Mas o que tem acontecido agora, além da violência, uma espécie de incentivo a essa violência. Você tem um discurso de ódio a essas populações da minoria, e acredito que isso tem a ver com todo o processo político que a gente viveu nos últimos anos", pontua.

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Em março deste ano, a educadora publicou um vídeo alegando que a obra traz 'vocabulário de baixo nível' para menores de 18 anos de idade, e pediu a retirada dos exemplares da instituição. O livro foi comprado no mesmo ano pelo Ministério da Educação para integrar o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD).

Com isso, a obra passou a ser adotada no ensino médio das escolas públicas no País. O título, que aborda racismo, violência e luto a partir de um jovem negro cujo pai foi assassinado em uma abordagem policial, está entre as leituras obrigatórias do vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Além da censura em Santa Cruz do Sul, o livro também foi alvo de críticas em Goiás e no Mato Grosso do Sul. Exemplares da obra chegaram a ser recolhidos das bibliotecas das escolas públicas no dia 6 de março, mas com a decisão judicial, os exemplares começaram a ser devolvidos no último dia 24.

Barreiras chegam antes da censura

Como homem e escritor negro, Tenório enxerga o cenário com preocupação, mas afirma que a censura não deve amedrontar e cercear o trabalho de outros autores. No entanto, ele enfatiza as barreiras que impossibilitam o acesso da população negra de forma geral, e como isso impacta na geração de novos escritores.

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"Eu acho que a barreira chega antes. A barreira chega antes de você conseguir viver. Antes de você chegar na escrita tem uma série de barreiras que afetam a população negra, que tem a ver com o acesso à saúde, à educação. Eu acho que quando esse escritor negro chega nesse lugar de escrita, quando ele tem as suas necessidades básicas atendidas para conseguir escrever, eu acho que toda a história que ele teve, ele não vai ter medo de escrever", diz.

Ainda segundo ele, a censura direcionada a um escritor negro parte do incômodo de uma sociedade, resultado, justamente, do que ele destaca em O Avesso da Pele: o racismo estrutural.

"O que me preocupa, na verdade, é quando você tem um estado que permite que livros sejam censurados. E não estão censurando qualquer livro, qualquer autor. Estão censurando autores negros, corpo negro que pensa, que escreve. Isso causa algum tipo de incômodo. Então, eu acho que o medo não é o medo de dizer a sua vivência. Acho que é o medo de você andar na rua, de ser abordado pela polícia", critica Jeferson Tenório, autor de 'O Avesso da Pele'.

Ataques e ameaças

Os ataques do início deste ano não foram novidade para Jeferson Tenório. Presente na Bienal do Livro Bahia, o autor relembrou uma série de ataques que sofreu nas redes sociais por causa de O Avesso da Pele.

No ano de 2021, antes da sua primeira viagem à capital baiana para falar sobre o livro em uma escola privada, Tenório relatou que recebeu ameaças e até precisou registrar um boletim de ocorrência.

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Livro O Avesso da Pele foi publicado em 2020
Foto: Divulgação/Companhia das Letras

"Fui fazer uma visita a uma escola particular que tinha adotado o livro e, antes de chegar, comecei a receber ameaças de morte nas redes sociais. Diziam que se eu viesse para falar do livro, teria que fugir do Brasil, porque eu seria metralhado", contou. 

Durante a programação do evento, Tenório participou de uma mesa sobre censura e liberdade de expressão, com a escritora e professora baiana Lívia Natália, e o jurista e professor Conrado Hubner.

Estímulo à leitura

Diante do impacto da censura de livros na educação, o escritor ressalta a necessidade e importância das obras para a formação e aprendizagem dos estudantes no ambiente escolar. Tendo em vista o maior acesso à leitura, o escritor defende a implementação de um sistema de formação de leitores que inclua não só o incentivo nas escolas e bibliotecas públicas, mas a realização de feiras e eventos literários em todo o País. 

Jeferson Tenório compõe mesa sobre censura e liberdade de expressão na Bienal do Livro Bahia
Foto: Divulgação/Filmart

"Acho que a censura está nesse sentido de você proibir, de você impedir que estudantes tenham acesso a um lugar que é importante, um lugar de educação, um lugar de formação de cidadãos. Eu avalio dessa forma. A censura acontece porque impede os estudantes de terem acesso a uma discussão como essa", considera. 

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Tenório também comentou o avanço das tecnologias e uso das redes sociais em relação à redução do hábito de leitura entre os jovens. No Brasil, mais de 66% dos estudantes de 15 a 16 anos afirmaram que o texto mais longo que leram no ano letivo não passou de dez páginas. Os dados são do estudo do centro de pesquisa Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) em parceria com a Árvore, plataforma gamificada de leitura, com base nos resultados de 2018 do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa).

"Esse tempo da rapidez, esse tempo que a gente não consegue prestar atenção por muito tempo. Por exemplo, o TikTok tem essa coisa do vídeo rápido, dessa coisa rápida. Mas, por outro lado, eu acho que os jovens leem bastante. Talvez eles não estejam lendo o que a gente quer que eles leiam. Mas eu acho que um adolescente que passa muitas horas no celular, ele não está só vendo imagem. Ele está lendo muita coisa. E eu acho que isso dá muito mais de dez páginas", argumenta.

Fonte: Redação Terra
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