Ela sempre pensou em estudar Medicina. Mas, no ensino médio, por não gostar de sangue, acabou seguindo pelo caminho da nutrição. Se formou, se especializou e, trabalhando com nutrição hospitalar, viu que o hospital era o lugar onde queria estar. E quando teve a oportunidade de assistir a um parto de perto, teve certeza que queria ser médica. A família deu apoio, se organizou para fazer empréstimos e ajudar a bancar os custos. Mas, em um mês, veio a pandemia, e tudo mudou. Agora, após anos de muitas contas e acordos, ela precisa enfrentar uma última dívida de R$ 81 mil para poder seguir para o último ano do curso de Medicina.
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Essa é a história de Thaís Ferreira, de 33 anos, que viralizou nas redes sociais. Em entrevista ao Terra, ela contou que compartilhou sua história e pedido de apoio nas redes sociais com o intuito de conseguir ajuda de amigos, familiares e pessoas da sua região para vender mais brigadeiro, que começou a fazer para arrecadar o valor pendente na faculdade. Ela é de Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo. Mas seu caso furou a bolha.
Com a viralização de sua história, ela recebeu muitas mensagens de apoio. Mas sua história gerou controvérsias, e ela acabou, também, levando muito hate. “Tudo o que a gente tá fazendo aqui é de comum acordo da família inteira. A gente continua se falando, continua todo mundo junto. [Nas redes sociais] me acusaram até de estelionatária, de ladra… Nossa, de tudo as pessoas estão me acusando. [Falam] que eu acabei com a vida da minha mãe, sendo que minha mãe tá super feliz”, contou Thaís.
“A gente não esperava que fosse passar tanto perrengue. Se a gente soubesse de tudo isso, a gente não iria arriscar. Se a gente soubesse que ia ter uma pandemia, que ia prejudicar o nosso financeiro, a gente não iria arriscar. Só que como a gente já tinha começado, a gente foi”, complementou a estudante.
Entenda a história
Thaís já tinha sua vida organizada. Formada em Nutrição, fez duas especializações, tinha seu apartamento, chegou a montar uma clínica, depois passou em uma espécie de residência no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e seguiu atuando em hospitais. Quando resolveu tentar Medicina, prestou um vestibular de faculdade privada e, para sua própria surpresa, passou.
Quando veio o resultado, teve uma reunião familiar e, lá, foi decidido que iriam enfrentar a faculdade, como conta. Ela então se mudou para a casa do pai, em São José dos Campos, no interior do Estado, onde fica a faculdade. A mensalidade, que na época custava R$ 8.400, seria paga com ajuda da mãe e de sua tia – que, juntas, tinham dois restaurantes.
Só que sua faculdade começou em fevereiro de 2020 e, em março, teve início a pandemia de covid-19. Os restaurantes fecharam, e as coisas começaram a fugir do que havia sido planejado. “A gente sabia que ia precisar de uns empréstimos para pagar uma parte [da graduação], mas ela ia conseguir pagando um tanto. A gente não imaginou que fosse ter uma pandemia e que fosse ser esse perrengue todo”.
O primeiro ano do curso já havia sido pago integralmente, com desconto pela bolada. Como o início já tinha sido garantido, sua família, então, foi dando seu jeito. Como a renda principal era o restaurante, fizeram muitos empréstimos.
No segundo ano, sua mãe pagou as primeiras mensalidades e, no segundo semestre, fez outro pagamento integral. No terceiro ano, conseguiu pagar integralmente de novo, com os empréstimos em paralelo. Esse também foi o último ano que ela conseguiu trabalhar como nutricionista, com atendimentos. "A faculdade cada vez aumenta mais a carga horária. E eu não consegui mais conciliar", contou.
Já no quarto ano, seguiram no primeiro semestre e, depois, não tinha dinheiro. “A gente só fez a matrícula, e ficaram cinco mensalidades sem pagar”.
Foi aí que os problemas começaram de verdade, disse a estudante. “No meu quinto ano, que foi o ano passado, foi a primeira vez que a gente precisou fazer acordo com a faculdade. Só que não tinha de onde tirar [dinheiro], e foi nessa que a minha tia emprestou a previdência privada dela. Esse dinheiro não ia comprometer a renda dela, era um dinheiro que estava lá para ela usar no futuro, e que ela sabe que uma hora eu vou devolver”, disse Thaís, que já estava prestes a ter que trancar o curso.
O segundo acordo veio na sequência, no segundo semestre do ano passado. E agora, no início de 2025, estão prestes a firmar o terceiro acordo. Mas o que ficou pendente para ser pago precisará ser quitado e, no total, a dívida ficou em R$ 81 mil.
O valor é alto, também, devido ao aumento do valor da matrícula, que começou em R$ 8.400 e agora está em torno de R$ 11.200.
Estava certo que seus avós iriam ajudar com os custos para o novo acordo com a dívida da faculdade, já que estavam prestes a vender um apartamento em Ubatuba, no litoral de São Paulo. Mas, no momento da papelada, a compradora acabou não fechando a compra. Isso foi na primeira semana de dezembro e, então, Thaís se desesperou.
“Eu chorava, e minha mãe me acalmava, falava que a gente ia dar um jeito. E sábado eu tive a ideia de começar a vender brigadeiros”, contou. Então, para engajar as vendas, ela também compartilhou sua história nas redes sociais. “Minha intenção nunca foi viralizar”, explicou.
De lá pra cá, vendendo pelas cidades de sua região e, até mesmo, no litoral, ela conta já ter faturado mais de R$ 25 mil com os brigadeiros – em caixinhas com quatro unidades a R$ 20. A vaquinha que criou, em paralelo, está em torno de R$ 20 mil. E, somando com doações de familiares e amigos, que deram o dinheiro diretamente a ela, ela já arrecadou R$ 54 mil.
Suas aulas começaram no último dia 20, e ela precisa da grana para conseguir fazer a matrícula. O que ficou combinado é que ela pague R$ 59 mil à faculdade e o restante da dívida seja dividido em cinco parcelas. Sendo assim, falta cerca de R$ 4 mil para ela alcançar o valor acordado com a instituição de ensino.
Para pagar as mensalidades, Thaís pretende continuar com a venda dos brigadeiros e, também, avalia vender seu carro. Em paralelo, ela também tem uma loja de sex shop online com sua mãe com vendas nas redes sociais. E, aos poucos, seguirão com empréstimos.
“Eu sei que eu sou muito, muito privilegiada. Eu já tenho uma graduação. Já tenho duas especializações. E até o fato da minha mãe conseguir ter crédito em banco para fazer empréstimo é um grande privilégio, porque muita gente não tem isso”, pontuou.