Favela da Rocinha, Autoria: Krishna Naudin, Local: Rio de Janeiro/RJ, Data: 11 de maio de 2016, sob a licença Creative Commons.
Favela da Rocinha, Autoria: Krishna Naudin, Local: Rio de Janeiro/RJ, Data: 11 de maio de 2016, sob a licença Creative Commons.
Foto: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Favela_de_Rocinha,_Rio,_Brasil_%2826395671043%29.jpg

Favela, mais do que uma categorização de paisagem urbana das grandes capitais brasileiras, é um termo imbuído de sentidos, composto por diferentes origens e, simbolicamente, iguais na capacidade de resistência.

Reunindo, essencialmente, pessoas remanecentes da escravidão, migrantes nortistas e nordestinos - revelados na voz de Maria Bethânia em "Carcará" (1965) - a origem das favelas evidencia um fenômeno: a luta de classes no Brasil. Além de carregar, em si, a memória dos soldados sobreviventes e suas famílias — no século XX — reunidos em comunidade, por conta da promessa governamental de moradia nunca cumprida.

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As favelas são territórios que se ressignificam expressivamente. Embora seu sentido tenha se modificado, se comparado à época em que surgiu, suas problemáticas seguem perpetuadas como desencadeamento de uma ontologia opressora.

Nenhuma tentativa politicamente correta de eufemismo alterou o fato de que esses locais, ora denominados favelas, ora comunidades carentes, seguem sendo conjuntos de habitações populares precariamente construídas e desprovidas de infraestrutura. Isso porque elas materializam um sistema de desigualdade espacial nos centros urbanos que determina regiões de supervalorização e de marginalização.

No entanto, há muito mais a se considerar. 

Favela Paraisópolis, Autoria: Roberto Rocco, Local: São Paulo/SP, Data: 25 de junho de 2014, sob a licença Creative Commons.
Foto: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Favela_Paraisopolis_Sao_Paulo_2014_A.jpg

Quem olha do alto (partindo de uma perspectiva como a da fotografia ilustrada acima), não pode imaginar o que se passa no interior desses territórios, tampouco dimensionar a importância dos seus habitantes para toda a sociedade.

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Aí residem trabalhadores que movimentam e estruturam várias camadas de serviços e atividades "do outro lado das pontes”. Desde muito cedo (na idade e no relógio), os moradores das favelas atravessam a cidade para o sustento próprio e de suas famílias. Em sua maioria, segundo os dados do IBGE, essas pessoas são mulheres negras.

Com duplas e triplas jornadas de trabalho, tempo desumano de deslocamento entre as margens e os centros, mulheres negras, periféricas, muitas vezes, mães solo e chefes de família, trabalham majoritariamente com serviços negligenciados ou invisibilizados, como é o caso dos serviços de limpeza residencial, “serviços gerais” em empresas e a limpeza urbana e reciclagem. 

Dia após dia, são essas pessoas as mais violadas em seus direitos humanos, além de serem as mais afetadas pelas injustiças socioambientais e pelo racismo ambiental. Enquanto, paradoxalmente, lidam diretamente com as consequências da degradação ambiental, cujo maior responsável é o topo da pirâmide social.  

Ontologia da esperança como resistência

Só na última década, o número de favelas mapeadas, no Brasil, dobrou. 

"O setor privado vê as favelas como um lugar de carência; o setor público, como gasto, nunca como oportunidade. As favelas representam um contingente de 20 milhões de pessoas. Hoje, elas somam R$ 280 bilhões de poder de consumo, que é o PIB do Paraguai e da Bolívia juntos, ou do Uruguai sozinho”, ressalta, Preto Zezé, à Esfera Brasil.

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Os consumidores, servidores, colaboradores e empreendedores que emergem dessas comunidades são uma força vital para o país. Fato que se evidencia no efeito de organizações como a Central Única das Favelas (Cufa), fomentadora de diferentes segmentos de negócios pelo país. 

"Ao reivindicar o direito à memória, esses movimentos colocaram em questão o próprio conceito de patrimônio cultural. Já que o tema é geralmente tratado a partir de um olhar hegemônico, privilegiando as histórias das classes dominantes" (Beatriz de Oliveira, na reportagem especial à Nonada Jornalismo). 

Longe de serem apenas áreas de desfavorecimento, as favelas são, também, locais de potencial ainda subestimado. Se fossem organizadas em um estado, como compara a redação da Rede Brasil Atual, elas "seriam o terceiro estado mais rico do país, atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro." Isso porque, anualmente, as favelas movimentam R$ 202 milhões, segundo dados mais recentes do DataFavela. 

Fruto de Movimentos (organizados entre as décadas de 90 e 2000) pela valorização das histórias e dos conhecimentos que compõem as favelas, o Brasil, agora, conta com a maior feira do 4º setor do mundo: a ExpoFavela Innovation, evento que reuniu, em sua última edição, mais de 43 mil pessoas.

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Conectando investidores e prospectando empreendimentos diversos, a ExpoFavela Innovation promove encontros pela aceleração de iniciativas originadas nas favelas do país, prometendo oferecer uma perspectiva que, muitas vezes, é negligenciada no mercado convencional.

Enxergar as favelas como parte indispensável das economias do Brasil (em seu passado, presente e futuro) é um caminho para:

  • conceder todos os direitos legais como território urbano às pessoas das periferias;
  • reconhecer a significância dos seus moradores em seu potencial econômico (como produtores, mantenedores e consumidores);
  • potencializar ideias, iniciativas e modos de vida enquanto parte viva e ativa do patrimônio cultural brasileiro em constante construção. 

Em um país marcado por desigualdades profundas, todo o tecido social deve se mobilizar pelas reparações e reconhecimentos pendentes. As favelas, emergindo como microcosmo complexo, ao mesmo tempo em que apresentam desafios diários ao coletivo, sofrem com estigmas, inspiram com suas próprias soluções e, cada vez mais, provocam interações de impacto em todos os setores. 

Quem diria que, enfim, a favela catalisaria mudanças significativas nos âmbitos sociocultural e econômico do Brasil? 

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