Para a especialista em Educação e ex-diretora global de Educação do Banco Mundial Claudia Costin, os principais desafios que o Brasil enfrenta para tornar atrativa a profissão de professor vão muito além do baixo salário e chegam à própria imagem que o professor tem perante a sociedade, que, segundo ela, não o valoriza como profissional, mas como alguém que enfrenta dificuldades, de quem as pessoas têm pena.
Quanto à qualidade da formação, Claudia vê como problema a falta de "diálogo entre teoria e prática" nos cursos de licenciaturas, em geral. E isso se torna um desafio ainda maior em um cenário em que a maioria das matrículas em licenciaturas é em cursos de ensino a distância (EAD). Claudia considera certa a decisão do Ministério da Educação (MEC), que homologou resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) para que cursos de licenciatura EAD tenham o mínimo de 50% de aulas presenciais. "Ter formação de professores 100% EAD não funciona."
Quais são os principais desafios que o País enfrenta hoje para formar bons professores?
Acho que o primeiro deles é a baixa atratividade da carreira de professor. Ela é pouco atraente por três motivos. Um primeiro motivo é o salário. E tem um segundo que dialoga com esse primeiro que é a fragmentação dos contratos. Ou seja, como o Brasil, diferentemente de outros países, tem uma jornada escolar de quatro horas, o professor, especialmente o de fundamental 2 e o de ensino médio, para poder completar uma jornada de 40 horas semanais, acaba tendo de dar aula muitas vezes em três ou quatro escolas. Não dá aula, como em muitos países, numa única escola, tendo tempo para preparar a aula, corrigir trabalhos. Embora a legislação estabeleça que deva ter um terço do tempo de atividade extraclasse, esse tempo ele muitas vezes gasta se deslocando de uma escola para outra. Mas o terceiro motivo, que é particularmente cruel, é que a sociedade, muitas vezes a própria imprensa, olha para o professor com pena, não com respeito ou com admiração profissional. É como se o professor não fosse valorizado profissionalmente, ele é valorizado como um ser humano que passa por desafios.
No Pisa (Programme for International Student Assessment, que avalia estudantes internacionalmente), quando perguntaram aos alunos de 15 anos brasileiros qual a profissão dos seus sonhos, um dos porcentuais mais baixos foi o da escolha da profissão de professor. Porque esse aluno tem a percepção de que a profissão do professor não é percebida como admirável. Outro desafio é que a formação que o professor recebe para uma das mais complexas profissões não tem diálogo entre teoria e prática, como existe, por exemplo, na Medicina. Na Medicina, você aprende teoria, mas boa parte da formação do médico está no hospital universitário, observando procedimentos, participando. A formação do professor não é profissionalizante, como é no caso do engenheiro, do médico. Ou seja, ele não é preparado para a profissão. Um futuro professor de Matemática, por exemplo, mesmo nas universidades federais, tem muitas vezes três anos e meio de Matemática e depois um semestre acadêmico, quatro meses, de História da Educação, Filosofia da Educação, Sociologia da Educação. Juntando alunos de diferentes faculdades, que serão professores de Física, Matemática, História, em um semestre acadêmico e de estágio que muitas vezes é ritualístico. Isso torna a formação muito precária para um desafio que é formar crianças e adolescentes.
Segundo o Censo da Educação Superior 2023, 67% dos matriculados em licenciaturas estão em cursos a distância. Por que esse dado é considerado preocupante por entidades ligadas à educação?
Na verdade, o dado nas faculdades públicas é de 80% de presencial e nas particulares, nas novas matrículas, é de 90% EAD. E para os alunos ingressantes, aqueles que estão entrando no primeiro ano, na rede privada, é 93,5%. Ou seja, se a prática é tão importante para a formação do professor, imagina o que é a prática por EAD. Eu critico muitas vezes o MEC por decisões que acho que não endereçam as coisas certas, mas dessa vez teve duas decisões que eles tomaram que acho que vão na direção correta. A primeira é dizer que vai ter 50% de ensino presencial mesmo naqueles que se autodenominam EAD. Eu não acho errado ter EAD no ensino superior. Depende para que curso. Ninguém pensaria em formar médico por EAD. E o professor desempenha uma função tão importante quanto o médico. A outra decisão do MEC, que a imprensa quase não comentou, é sobre o Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), que avalia o desempenho do aluno no fim do curso. Foi decidido em julho que o Enade vai ter dois olhares importantes. Primeiro, as matrizes de referência, que estabelecem o que é pedido na prova, vão colocar muito mais foco na avaliação das competências docentes, na capacidade de dar aula, do que nos conteúdos disciplinares de cada curso.
Voltando ao exemplo do professor de Matemática: vai ter uma parte que naturalmente vai ser de Matemática, mas vai ser muito mais importante na Licenciatura de Matemática a competência docente, se ele conhece o que é importante para o ensino de Matemática. Tem ainda uma outra decisão (do MEC) de que vai ter um novo modelo no exame que vai olhar para o estágio. Ou seja, não basta eu dizer que fiz o estágio e ter uma assinatura da diretora da escola. Vai ter de ser apresentado um portfólio sobre como você atuou na sala de aula, o que você observou de aulas e coisas assim. Acho que isso vai na direção correta e vai ser um grande avanço, se for bem implementado.
Como você vê a resistência das associações ligadas ao EAD à resolução que determina 50% de aula presencial para formação de professor? Elas dizem, por exemplo, que o ensino a distância é o único jeito de um estudante mais pobre cursar a faculdade?
Eles têm um ponto nisso. É verdade que no mundo existe uma oferta tanto de uma universidades como nos Estados Unidos, que é onde você tem um câmpus, vida universitária para o jovem e que há pesquisa sendo feita ali, quanto uma universidade para o jovem ou o adulto que trabalha. É importante, mas eles não fazem isso para Medicina. E, na maioria dos países, não fazem para a formação de professores. Porque são profissões que demandam prática. É importante ter EAD? Não tenho dúvida. É importante ter um semipresencial, como está desenhado? Sim, vai poder manter na faculdade jovens que estão trabalhando uma parte do tempo. Dá para organizar o tempo deles. Vários países fazem curso uma semana por mês intensivamente. Têm modelos híbridos. Ter formação de professores 100% EAD não funciona, não prepara o professor para sua prática.
Recentemente um estudo da FGV citou que o Brasil tem dificuldade para contratar professores qualificados, "pois os melhores alunos do ensino médio não são incentivados" a seguir a profissão. Como incentivá-los?
O Chile tem um sistema inspirado em uma coisa que a Finlândia fez, que é o seguinte: você valoriza a profissão tornando difícil chegar a ela. Então, para você cursar licenciatura na Finlândia, tem de ter, no equivalente ao Enem deles, uma nota muito alta. E isso funcionou. O que o Chile fez com base nessa experiência? Eles pagam uma bolsa para os melhores alunos fazerem Licenciatura. Então você pega os melhores alunos do ensino médio e eles estudam com uma bolsa quase equivalente ao salário inicial que ganhariam como professores. Com isso, consegue atraí-los. E como o ensino é em tempo integral, com 40 horas de contrato, as condições de trabalho são bem mais atrativas. Acho que essa é a grande agenda do momento. Temos de colocar a escola em tempo integral, com o professor preferencialmente alocado em uma única escola, com uma formação que permita atrair os melhores para a profissão.