SÃO PAULO - Ainda sem a aprovação de lei que regulamente o ensino domiciliar no País, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alvares, orientou os conselhos tutelares de todo o Brasil a não considerar como evasão escolar os casos de crianças e adolescentes que não estejam matriculadas em escolas e são educadas em casa, o homeschooling.
O ofício com a orientação aos conselhos foi enviado no fim de maio, um mês depois de o governo Jair Bolsonaro ter encaminhado projeto de lei sobre o tema para o Congresso Nacional - ainda não há previsão para que a matéria seja apreciada. Segundo decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a regulamentação do homeschooling deve ser aprovada pelo legislativo, já que altera o Estatuto da Crianaça e do Adolescente (ECA), bem como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
A orientação da ministra é a de que, enquanto o projeto estiver em tramitação no congresso, que os casos não sejam considerados como abandono intelectual. Também pede aos conselheiros que procedimentos em apuração sejam interrompidos até a votação do projeto.
Nesta quinta-feira, 11, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou que o ofício seja imediatamente suspenso, por entender que a manutenção dessa ordem pode ensejar a propositura de reclamação constitucional - uma vez que atribui efeitos jurídicos a projeto de lei ainda não aprovado pelo Congresso Nacional, e cuja aprovação é evento futuro e incerto, que depende de amplo debate.
"Essa ofício do governo federal desrespeita a legislação e a decisão do STF. Além disso, coloca em risco crianças e adolescentes", diz Deborah Duprat, procuradora federal dos Direitos do Cidadão. De acordo com o MPF, o ofício confronta decisão do STF, que considerou que o ensino domiciliar não é inconstitucional, mas barrou a prática por não haver legislação a respeito.
A regulamentação do homeschooling foi uma das bandeiras de campanha de Bolsonaro e foi colocado como uma das ações prioritárias para os 100 primeiros dias de governo - a liberação dessa modalidade de ensino é uma demanda antiga de grupos conservadores religiosos. A ideia inicial do governo era encaminhar um medida provisória ao Congresso, que tem uma tramitação mais rápida. No entanto, o Ministério da Família recuou e enviou um projeto de lei.
O texto prevê cadastro de alunos e avaliações anuais realizadas pelo MEC (Ministério da Educação). Caso o aluno seja reprovado por dois anos consecutivos, perderá o direito de estudar nesse modelo. Segundo o projeto de lei, as famílias terão que apresentar documentos como antecedentes criminais, caderneta de vacinação atualizada e um plano pedagógico individual, proposto pelos pais ou pelos responsáveis legais.
Questionado pelo Estado, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos não respondeu sobre o assunto.