Entenda como foi a reunificação alemã liderada por Bismarck

Em 1870, Otto von Bismarck derrotou Napoleão III e deu início ao processo de unificação do país germânico

28 dez 2015 - 10h42

“Existem filósofos alemães? Existem escritores alemães? Existem bons livros alemães? Fazem-me esta pergunta no estrangeiro. Ruborizo-me! Mas com toda a delicadeza que sou capaz nestas situações delicadas, eu respondo:  - Sim! Bismarck!” - F.Nietzsche - Götzendämmerung, 1888.

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Serviram-lhe um refresco, fazia calor. Bebeu-o de vez, estalando a língua. - Vorwärts! Avante! Exclamou. Duas horas depois, o octogenário Otto von Bismarck, o chanceler de ferro, expirou. Morreu em Schönhäusen, na propriedade que a sua família tinha na Prússia, no dia 2 de agosto de 1898. Oito anos antes, em 1890, recolhera-se para lá a contragosto. O kaiser Guilherme II, o jovem imperador alemão, o constrangera à renúncia do ministério.

“Não vou hibernar como um urso!” dissera ele, pensando ainda continuar governando a Alemanha. A sua Alemanha. E, de fato, se existisse algum país na Europa daquele tempo que pertencesse simbolicamente a alguém, que tivesse sido obra de alguém, este país certamente era a Alemanha, a Alemanha de Bismarck.

Nomeado chanceler em 1862, ele percebeu o equívoco dos conservadores alemães em geral em deixarem a questão da unificação nacional como bandeira exclusiva dos liberais e dos democratas-esquerdistas. O pendão da causa da unidade estava largado ao chão desde o fracasso da Assembleia Nacional de Frankfurt, na época da Revolução dos Poetas, fechada pela reação em 1849. Desde então, reerguido por ele, recorrendo à prática política do Peitsche und Zuckenbrot, do chicote e do pão doce, o chanceler de ferro, como o apelidaram, trabalhou incansavelmente para atingir o objetivo da Unionspolitik. Henry Kissinger considerou-o um revolucionário ao seu modo.

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Otto von Bismarck foi nomeado chanceler em 1862
Otto von Bismarck foi nomeado chanceler em 1862
Foto: Hulton Archive/Getty Images

O seu programa – dito Eisen und Blud - pode ser resumido numa citação dele feita bem no início do seu governo, “A Prússia”, disse ele, “deve reunir todas as suas forças, e manter esse poderio alerta para o momento oportuno, que já varias vezes se perdeu; as fronteiras da Prússia, tais como as traçadas pelo Tratado de Viena (de 1815), não favorecem uma tranquila vida política; os grandes problemas da época serão resolvidos, não por meio de discursos e votações majoritárias – esse foi o grande engano de 1848-9 – mas a ferro e sangue.” (Bismarck ao rei, 3 de outubro de 1862)

Guerras de unificação

Pensava Bismarck, com razão, que a Prússia de 1860 - o reino mais povoado, instruído e industrializado dos 39 estados da Alemanha -, era poderosa o bastante para caminhar sozinha, liderando a integração nacional  sem prender-se à Áustria ou esperar o consentimento do czar da Rússia. Tornou-se um aplicado seguidor da chamada Realpolitik. Nada de ater-se a pruridos morais ou preceitos ideológicos que o desviasse do objetivo final. Ele faria acordos até com o demônio se fosse preciso (contatou inclusive com Karl Marx, em 1867, sondando-o para que pusesse seus “extraordinários talentos a serviço do povo alemão”). Preparou-se para a guerra; Em seis anos, de 1864 a 1870, batendo sucessivamente os dinamarqueses, no Holstein, em 1864, os austríacos, em Sadowa, em 1866, e os franceses, em Sedan, em 1870, conseguiu a façanha de dar uma unidade política aos povos germanos.

Em 1870, depois de ter derrotado e capturado Napoleão III nos campos de Sedan, ele tornara-se o alemão mais famoso do mundo. Sua altura imensa - tinha quase 2 metros - seu uniforme engalanado, o bigodão de hussardo e o seu capacete pontiagudo viraram o símbolo mais conhecido da Alemanha do século 19. Em 18 de janeiro de 1871, no Salão dos Espelhos do Palácio de Versalhes, na França vencida, o chanceler conseguiu realizar o seu sonho e o de milhões de outros alemães: perante os príncipes germânicos, todos os presentes naquela ocasião extraordinária, viu seu rei, Guilherme I da Prússia, ser coroado imperador  do IIº Reich alemão, com o titulo de kaiser Guilherme I. A cerimônia do Palácio dos Espelhos, na qual as cabeças coroadas dos reinos alemães estendiam a coroa imperial a rei da Prússia, foi simbolicamente a resposta que os conservadores deram aos liberais e aos democratas que queriam dá-la ao rei prussiano ofertada pela assembleia do povo reunida em Frankfurt em 1848-9.  

O sistema de Bismarck

Nos vinte anos seguintes à unificação nacional, a Europa e os assuntos europeus terão praticamente um só regente. Até a sua demissão em 1890, determinada pelo kaiser Guilherme II, Bismarck é quem estabeleceu a pauta geral da política dos assuntos continentais. Num primeiro momento, temeroso de uma vingança partindo da França, tratou de isolá-la por meio do acordo entre os três imperadores do centro-leste europeu. Atraiu então para seu sistema de alianças não só o soberano austríaco como também o czar da Rússia.

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A assim chamada Liga dos Três Imperadores, formada por Guilherme I, Francisco José e por Alexandre III, em 1873, tinha em comum, como sua antecessora, a Santa Aliança de 1815, a acirrada oposição ao liberalismo democrático e à esquerda revolucionária. Enquanto a Grã-Bretanha consolidava o seu império marítimo, Bismarck assegurava a hegemonia germânica sobre boa parte do território europeu, tornando-se naqueles anos o árbitro indiscutível das relações internacionais. Foi no seu tempo o homem mais poderoso de toda a Europa, sendo também aquele que se lançou na formação de um império colonial alemão ultramarino (o que terminou por indispor o Segundo Reich com o império britânico).

A defecção do czar, em 1878, motivada pela rivalidade austro-russa em torno dos Balcãs e pela negativa do Segundo Reich em fazer investimentos para industrializar a Rússia (o que fez o czar Alexandre III inclinar-se a favor da França), obrigou Bismarck a refazer o seu sistema de alianças. Em 1882, o reino da Itália, desacertado com a França por questões coloniais, aceitou fazer parte da Tríplice Aliança, formada então pelo Império Alemão, pelo Império Austro-Húngaro e pela Itália. Situação que perdurou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial.                  

Marx e Nietzsche frente à unificação

À distância desse acontecimento histórico viu-se que tudo redundou numa grande tragédia. O repúdio do novo regime alemão (1871-1918) ao liberalismo e à democracia ocidental, fez com que ele fosse dominado pelos cartéis militaristas reacionários, sedentos por “espaço vital”, o que implicava em lançar a Alemanha em sucessivas guerras de expansão e agressão. O resultado foi o que se viu, primeiro em 1914-18 e novamente em 1939-45.

Na época, entretanto, até os exilados socialistas exultaram com a vitória alemã sobre a França e a subsequente refundação do Reich germânico. Bakunin, o anarquista russo que detestava estados ou impérios, incomodado, registrou como inclusive Marx, naquela ocasião de euforia nacional,   tornou-se um pangermanista intratável, verificando que por detrás do alemão mais esquerdista e ardoroso escondia-se um chauvinista e um patriota.

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Nietzsche quando jovem igualmente fascinou-se por Bismarck, saboreando seus discursos como se “fossem vinho forte”, contendo a língua “para não bebê-lo demasiadamente rápido e prolongar o prazer”. Mais tarde queixou-se do cheiro de pólvora, do rufar dos tambores e do ensarilhar de armas do Império, mas, ainda é de suspeitar-se que a inspiração para a concepção do seu Super Homem, o dominador dos destinos futuros, tenha-lhe sido emprestada pela poderosa imagem do velho Bismarck. Quanto a sua obra maior, a unificação, ela ainda está aí. Soçobrou por duas vezes no século XX, mas conseguiu sobreviver.

Bibliografia

Craig, Gordon – Germany (1866-1945), Oxford University Press, 1981.

Freund, Michael – Deutsche Geschichte: 1871-1918, Munique, Wilhelm Goldmann Verlag, 1978, vol. 4.

Kennan, George F. – O declínio da ordem Européia de Bismarck, Brasília, Editora da UnB, 1985.

Palmer, Alan – Bismarck – Brasília, Editora UnB, 1982.

Treue, Wilhelm – Deutsche Geschichte: von den Anfangen bis zum Ende des Zwiten Weltkrieges,  Stuttgart , Alfred Kröner Verlag, 1958.

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Fonte: Terra
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