Com o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e o País dividido politicamente - como ficou claro nas urnas em 2014 - o movimento Escola sem Partido ganha força, sob o discurso de que professores não podem transmitir aos estudantes nenhum tipo de posicionamento, seja político, ideológico ou religioso. As ideias do movimento transformaram-se em projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, Estados e municípios. No dia do professor, a Agência Brasil conversou com professores para saber o que pensam da proposta.
Contra
"O projeto Escola sem Partido aprofunda a insegurança de como trabalhar em sala", diz a professora Gina Vieira Ponte de Albuquerque, que dá aula para o 9º ano do ensino fundamental e para os anos finais do ensino fundamental da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Centro de Ensino Fundamental (CEF) 20 de Ceilândia e CEF 02, no Distrito Federal.
"Remete a um professor que transmite um conhecimento enciclopédico. Ser professor é mais complexo, nossa prática começa quando colocamos o pé dentro da escola e nos deparamos com alunos com atitudes racistas. Um mero professor não vai fazer nada, mas um educador fará um intervenção".
Com o projeto Mulheres Inspiradoras, Gina, ganhou pelo menos quatro prêmios: Professores do Brasil, Educação em Direitos Humanos na Escola, Prêmio Ibero-Americano de Educação em Direitos Humanos "Oscar Arnulfo Romero" e Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero.
"Ao longo do projeto me deparei com alunos que presenciavam pais espancando mães e isso era naturalizado. Diante de um contexto de Escola sem Partido isso não poderia ser abordado. O projeto é para não pensar uma educação que pode promover a mudança social, promover o respeito à diversidade, a tolerância e a compreensão de contradições sociais", diz.
Segundo Gina, professores que emitem posicionamentos partidários ou outros abusivos devem ser punidos, mas isso já consta nas atuais regras que regem a profissão. O Escola sem Partido traria outros tipos de insegurança pois, segundo ela, relativiza o que é o abuso. "Se acontecem abusos, nós, professores, somos os primeiros a dizer que isso deve ser denunciado. É falta de ética profissional. O que esse dispositivo legal faz, no entanto, é atingir o professor que tem extrema consciência da profissão, que se percebe como educador".
A favor
A professora e psicopedagoga Luciana Hass, que leciona português na Escola Municipal de Belo Horizonte defende a medida. "É importante a gente ter uma escola sem partido porque, em uma sociedade livre, as escolas não devem funcionar como centro de doutrinação", afirma. Ela defende que, na medida do possível, os professores devem apresentar aos estudantes todas as informações que puderem.
Segundo Luciana, há uma falta de compreensão do projeto por parte daqueles que o criticam. A medida, de acordo com ela, vem para proteger a liberdade de cátedra. "A escola sem partido vem para fazer com que os professores mostrem todos os lados. Têm que passar o conhecimento de maneira neutra. Tão neutra quanto possível".
Ela diz que, no dia a dia, quando se depara com textos que são mais voltados para determinada ideologia, ela busca outros que mostrem outros pontos de vista. "Os opositores falam que não se pode trabalhar política. Muito pelo contrário, deve-se, sim, trabalhar assuntos políticos. Outro dia, vi um trabalho interessante no qual as crianças diziam o que esperavam do prefeito da cidade, o que esperavam que fizesse de bom. Imagina se eu trabalhasse isso de forma partidária, falando sobre algum partido. Não vamos falar de partido, mas podemos tratar de questões políticas".
Contra
O professor Uanderson de Jesus Menezes, da Escola Estadual XXII de Ipatinga (MG), acredita que uma maior participação dos pais ajudaria a definir melhor os conteúdos e as abordagens, e os tornaria parte da educação dos filhos também na escola, sem a necessidade de uma lei. "O que falta muitas vezes é o acompanhamento de perto dos pais, eles não estão presentes na escola, não acompanham o dia a dia. É muito comum que pais falem que, se não tem problema com o filho, não vão à escola. Nossas reuniões são vazias. Dizemos que são filhos órfãos de pais vivos. A melhor forma seria estarem presentes para conhecer a disciplina, entender o plano de aula".
Menezes recebeu o prêmio Professores do Brasil pelo projeto TV Filosofia, no qual os estudantes escolhem um tema e explicam por meio de produções audiovisuais. "Uma vez, um pai de aluno, que é pastor na região, foi à escola reclamar que a escola estava ensinando Barroco [estilo artístico dos séculos XVI a XVII, presente inclusive na construção de igrejas católicas]. Ele acreditava que tornava os alunos gays", conta. "Não se pode ter essa função de exigir que se ensine o que se quer porque esses conteúdos são cobrados em avaliações como o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]".
Para além da participação dos pais, o professor Leonardo Stefano Masquio, do Instituto Federal Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, ressalta que a participação dos alunos é essencial nas aulas e que eles não absorvem meramente o conteúdo, como supõe o Escola sem Partido, mas questionam o que é ensinado. Masquio recebeu o Prêmio Arte na Escola Cidadã pelo projeto Oficina de Criação de Canções, que propõe que estudantes componham músicas coletivamente. No processo, de acordo com o professor, os estudantes têm liberdade de propor temas que serão abordados nas letras. "Quando estamos produzindo uma música, qualquer um pode questionar. Eu posso colocar alguma visão e os estudantes questionarem, podem dizer que é ruim e que não querem seguir por ai, não tem essa hierarquia".
Segundo ele, a ideia de construir o conhecimento passa pela pluralidade de pensamento. O Escola sem Partido possibilitaria que professores comprometidos com a pluralidade de pensamento fossem confundidos como doutrinadores, "como se fizessem uma lavagem cerebral, como se os estudantes não tivessem pensamento crítico", diz. "Pluralidade é diferente de um professor que diz que vota em tal partido, isso é algo pedagogicamente equivocado, mas que não pode servir de justificativa para se cometer outro erro".
A favor
Cleverson Lino Batista, professor de filosofia, ética e sociologia do ensino médio no Colégio São Pedro do Vaticano e do ensino fundamental na Rede Coleguium, ambas escolas particulares em Belo Horizonte, defende que, na situação atual do país, o projeto é necessário. "A doutrinação ideológica nas escolas é muito forte. Não é generalizado, não são todos os professores, mas muitos sabem a posição que têm como formadores de jovens, como alguém que é visto como exemplo, e acabam influenciando de maneira indevida os estudantes", diz.
Ele defende que o professor pode ter opinião própria, mas que devem levar os alunos a conhecerem também opiniões antagônicas às suas. "O processo de educação é feito através de confronto de ideias, de perspectivas diferentes. Se apresenta apenas uma posição e demoniza as demais, isso não é papel do professor, ele está fugindo do papel dele", assegura.
Sobre questões religiosas, ele defende que escolas particulares que deixam claro a linha de atuação e que são, por isso, escolhidas pelos pais e responsáveis podem seguir diretrizes específicas. No entanto, escolas públicas devem garantir a pluralidade do ensino.
Para Batista, questões como religião e gênero devem ser discutidas nas famílias. "Isso é, antes de tudo, tarefa da família. A escola, nesse ponto, é acessória, ela vem para suprir, não é ator primário desse debate de religião ou gênero. Não deve fugir do debate, mas sempre manter o cuidado e a posição como escola, onde acontece o ensino".
Origens do Escola sem Partido
O movimento Escola sem Partido foi fundado em 2004 pelo procurador de Justiça de São Paulo, Miguel Nagib. Em 2014, ganhou força quando transformou-se no Projeto de Lei 2974/2014, apresentado na Assembleia Legislativa Estadual do Rio de Janeiro (Alerj). O movimento disponibilizou, então, dois modelos de projetos de lei, estadual e municipal.
Em âmbito nacional, projetos semelhantes tramitam tanto na Câmara dos Deputados - Projeto de Lei (PL) 867/2015, de autoria do deputado Izalci Lucas (PSDB-DF) - quanto no Senado Federal - Projeto de Lei do Senado (PLS) 193/2016, de autoria do senador Magno Malta (PR-ES).
Em consulta pública aberta no site do Senado Federal, uma maioria manifesta-se contra o projeto de lei, por uma pequena diferença. Ao todo, até sexta-feira (14), 183.604 (48,1%) eram favoráveis, enquanto 197.765 (51,9%) eram contrários.