O Ministério Público Estadual entrou no caso e começou a investigar as responsabilidades pelo trote violento praticado contra um calouro do curso de medicina da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), escola estadual paulista considerada uma das melhores do País.
De acordo com o promotor José Heitor dos Santos, o MP vai investigar não só os estudantes que participaram do trote, mas também a faculdade, por supostamente não ter tomado medidas preventivas, e seus diretores, que na esfera civil podem ser denunciados por improbidade administrativa.
A Polícia Civil havia arquivado o inquérito após o calouro Luiz Fernando Alves, 22 anos, se negar a representar contra os alunos que o agrediram e o humilharam durante a ‘festa do bicho’, em 18 de março. Mas o Ministério Público determinou a reabertura do inquérito, ao receber ofício da Secretaria dos Direitos Humanos (SDH), de Brasília, pedindo informações sobre o caso.
O estudante diz que foi colocado nu sobre um palco e teve cerveja gelada derramada sobre o corpo, que também recebeu urina, socos e chutes de outros alunos. Ele foi encontrado inconsciente, seminu, com vômitos e urina sobre o corpo, na manhã seguinte, à beira de uma piscina, num clube a poucas quadras da Famerp, onde a festa foi realizada. Ao denunciar o caso à polícia e à direção da faculdade, Alves recebeu ameaças de morte e largou o curso, retornando para a casa da família, em Contagem (MG).
O rapaz, segundo familiares, tem comportamento retraído, passa por tratamento com psicólogos para se desinibir, e agora, por conta das agressões, não pretende voltar mais a estudar em Rio Preto. “Nossa família tem medo de que meu irmão possa ser agredido pelos estudantes veteranos”, disse o irmão dele, Rodrigo. Familiares disseram acreditar que o estudante foi vítima de bullying.
“Pelas informações, foram cometidos crimes que não precisam de representação da vítima, como o caso de lesões corporais”, disse. A Polícia Civil de Rio Preto, que tratava o caso como de lesões corporais decidiu arquivar o caso após o estudante se recusar a fazer representação oficial. “Pelas informações, houve crimes de constrangimento ilegal e injúria real com agravantes”, disse Santos. “Ninguém quer ser colocado sobre um palco nu e ter cerveja gelada derramada sobre o corpo e ainda deixar que pessoas urinem nela”, disse.
“E esses crimes foram praticados por mais de uma pessoa e houve lesão corporal, porque o estudante diz que levou chutes e socos, o que pode aumentar a pena para mais de três anos de prisão, sem que haja necessidade de representação por parte da vítima”, afirmou Santos.
De acordo com o promotor, a faculdade também será investigada para saber se cumpriu legislação estadual que obriga as escolas superiores a se prevenirem de trotes violentos. “A festa durou dois dias e houve denúncia dos acontecimentos e se permitiu que isso acontecesse. Precisamos saber se houve omissão relevante por parte da escola, que também pode responder por toda a violência praticada contra o estudante”, afirmou. Santos disse que vai acionar a esfera civil para apurar se os diretores da Famerp cometeram improbidade administrativa ao não impedir que as agressões ocorressem.
Outro lado
O diretor geral da Famerp, Dulcimar Donizeti de Souza, disse ter recebido com satisfação a entrada do Ministério Público no caso. “Estamos tranquilos e satisfeitos porque o MP nos ajuda e nos fortalece na tarefa de apurar os fatos”, afirmou. Segundo ele, a faculdade não cometeu qualquer omissão, abriu sindicância para investigar as denúncias e cumpriu a legislação de prevenção de trotes violentos.
De acordo com Souza, assim que tomou conhecimento das denúncias, a Famerp tomou as providências. “Abrimos sindicância, que ouviu todos os alunos do primeiro ano e está agora na fase de conclusão, restando apenas o relatório final, que deve sair em breve”, afirmou.
A escola, segundo o diretor, também tomou todas as medidas preventivas para evitar os trotes violentos. “Quando os estudantes chegaram, na recepção, nos reunimos com eles e todas as turmas de primeiro ano e com os dois diretórios acadêmicos para alertá-los sobre o assunto. Eles tinham conhecimento de que a escola não permite trote violento”, afirmou.
Souza diz que os trotes feitos dentro da faculdade foram acompanhados por seguranças da faculdade, que filmaram as atividades dos estudantes, mas que não pode falar sobre o que ocorreu fora das dependências da escola. “Nos trotes feitos na escola, não houve qualquer irregularidades, ma não podemos falar das festas fora do campus, sobre as quais não temos controle e não podemos prevenir este tipo de coisa”, disse. “Abrimos a sindicância para encontrar os responsáveis, que depois de ter acesso à ampla defesa, conforme prevê o regimento interno, podem ser punidos com penas que vão de advertência, suspensão e expulsão da escola”, afirmou.