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'Ninguém sabe ainda como formar professores inovadores', diz educadora que trabalhou na Apple e com Obama

11 jan 2017 - 17h15
(atualizado em 12/1/2017 às 11h15)

Vinda de alguém que já trabalhou nas salas de aula, em uma grande empresa de tecnologia e no governo americano, a resposta de Karen Cator sobre como formar professores mais eficientes para o século é surpreendente: "Acho que ninguém descobriu ainda como fazer".

A educação é crucial para o desenvolvimento econômico, para a segurança nacional e para a justiça social,  afirma Cator
A educação é crucial para o desenvolvimento econômico, para a segurança nacional e para a justiça social, afirma Cator
Foto: Digital Promise

Segundo ela, os cursos superiores de Educação nos EUA e no Brasil enfrentam problemas semelhantes - mais teoria de ensino do que prática, além de pouca ênfase no uso da tecnologia para melhorar o aprendizado dos alunos. Mesmo que os novos professores já sejam nativos da era da internet.

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"Além de conhecer a tecnologia, é preciso saber administrar uma sala de aula, arrebatar os corações e mentes dos alunos e engajá-los na resolução de problemas complexos usando a tecnologia. São habilidades diferentes", afirma.

Cator, que começou sua carreira como professora de escola pública no Alasca, tornou-se executiva da área de educação da Apple e, entre 2009 e 2013, foi diretora do Departamento de Tecnologia Educacional dos Estados Unidos, durante o primeiro governo Obama.

Atualmente, ela é CEO da organização sem fins lucrativos Digital Promise, que reúne educadores, empresários e pesquisadores para acelerar inovações no ensino usando a tecnologia. Ela veio ao Brasil em um evento do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB), uma associação com objetivos semelhantes - aproximar as escolas da cultura digital dos alunos.

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Foto: Thinkstock

Confira os principais trechos da entrevista:

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BBC Brasil - Quais são os maiores desafios para o Brasil e outros países em desenvolvimento em usar tecnologia na educação? Por onde se deve começar?

Karen Cator - A educação pública no Brasil tem muito o que melhorar em termos de garantir que todos os estudantes tenham acesso a um ensino de qualidade. O que eu diria é que, como na maior parte do mundo, há boas iniciativas ocorrendo, mas não há muita equidade. Elas não são distribuídas igualmente.

O desafio real é dar acesso equitativo à tecnologia para todos os alunos, e em seguida melhorar a habilidade das pessoas de fazer bom uso deste acesso para uma educação de qualidade.

Uma das coisas que achamos que a tecnologia pode fazer é ajudar os professores a melhorarem e também o aluno, especialmente se o aluno está em um local sem um professor bem treinado.

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Se eu e você precisássemos aprender algo novo hoje, provavelmente entraríamos na internet para procurar respostas, especialistas e recursos. A tecnologia primeiro dá a internet, com seus materiais, livros de domínio público, uma miríade de recursos que ajudam os alunos.

A segunda coisa é que ela oferece uma plataforma para publicar e conseguir feedback. Alunos podem fazer um filme, compor uma música, fazer um trabalho. O site Kahn Academy, por exemplo, traz milhares de problemas de matemática que os estudantes podem praticar.

BBC Brasil - Que bons exemplos de uso da tecnologia da sala de aula os Estados Unidos podem fornecer?

Cator - Os EUA, assim como o Brasil e outros países, têm algumas escolas maravilhosas, alguns bolsões de excelência onde coisas inspiradoras e interessantes estão acontecendo em sala de aula.

Nesses lugares, vemos estudantes engajados na resolução de problemas complexos, em aprender o que chamamos de habilidades do século 21 e resolução de problemas. Eles estão usando tecnologia para ajudá-los a pensar em soluções.

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Também vemos pessoas criando e pesquisando para filmes, música, apresentações. Essas são as coisas mais interessantes que vemos. Quando pensamos em inovação, pensamos em ambientes que captam a inventividade e a curiosidade desses estudantes.

Mas há muitos outros lugares onde isso não está acontecendo.

BBC Brasil - O interesse dos alunos em tecnologia ainda é visto como dor de cabeça por muitos professores, que reclamam da distração que a internet e celulares, por exemplo, podem representar em sala de aula...

Cator - Já vi salas de aula muito bem-sucedidas nas quais os professores permitiram que os alunos usassem seus telefones celulares e o próprio professor usa isso de maneira produtiva, por exemplo, para saber se o aluno está compreendendo o que está acontecendo na aula.

E também, é claro, se pode usar o celular para buscar a informação necessária para resolver problemas.

Então as melhores salas de aula que eu vejo - onde a tecnologia não é uma distração - são salas onde os professores cuidadosamente elaboraram um desafio ou algum tipo de experiência de aprendizado profundo para os alunos para que eles fiquem engajados e focados no que está acontecendo ali.

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BBC Brasil - Quais são essas "habilidades do século 21" que os alunos devem ter?

Cator - Há tanta informação e conteúdo hoje que não há uma maneira de as pessoas aprenderem nem perto de tudo o que existe.

Então as habilidades de resolução de problemas, pensamento crítico, comunicação, criatividade e design thinking (método de abordar problemas que valoriza contexto, conhecimento, empatia e criatividade) ajudam os alunos a terem a mentalidade de aprender durante toda a vida.

E aprender durante toda a vida é uma das coisas mais importantes que estudantes podem desenvolver quando estão na escola.

BBC Brasil - E o que um professor do século 21 deve saber fazer em sala de aula?

Cator - Nós ficamos dizendo que os professores ainda são de outra geração, mas na verdade os que hoje estão em seus primeiros dez anos de carreira já cresceram com a tecnologia e com a internet.

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Tenho uma filha que está estudando para ser professora e ela não se lembra de quando a internet não existia.

Dito isso, é preciso, além de conhecer a tecnologia, saber administrar uma sala de aula, arrebatar os corações e mentes dos alunos e engajá-los na resolução de problemas complexos usando a tecnologia.

São habilidades diferentes, e essas são as coisas mais importantes que precisamos ajudar os professores a fazer.

Uma das coisas interessantes que o CIEB está fazendo no Brasil é a criação desse centro de inovação e outros métodos para conectar pessoas, jogar luz sobre os lugares em que o aprendizado está acontecendo para que outras pessoas possam tentar isso em suas salas de aula também.

BBC Brasil - No Brasil, muitos especialistas têm criticado a pouca ênfase na formação prática dos professores dentro da universidade. Como é possível formar estes professores inovadores?

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Cator - Essa é uma discussão enorme nos Estados Unidos também e acho que ninguém ainda descobriu exatamente como fazer.

Há algumas ótimas universidades nos EUA que estão colocando os alunos para ensinar nas salas de aula laboratório mais cedo e com mais frequência durante a graduação.

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Foto: Thinkstock

Os problemas na formação dos professores no Brasil são semelhantes aos dos EUA. E as pessoas que estão ensinando os futuros professores muitas vezes não ensinaram em escolas que tenham tecnologia e inovação em seu DNA.

BBC Brasil - Mas para ter escolas com "tecnologia em seu DNA" não é preciso investir mais dinheiro? No Brasil, a aprovação recente de uma lei que congela investimentos na educação por 20 anos causou polêmica, com alguns dizendo que levaria a um retrocesso.

Cator - Realmente é preciso mais recursos. Ouvi falar sobre a lei que acabou de passar no Brasil, mas não estou familiarizada, então não posso falar bem sobre ela.

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Mas devo dizer que o investimento na educação pública é uma das coisas mais importantes que qualquer governo pode fazer para colocar o país no caminho do sucesso futuro, para o desenvolvimento econômico, para ser o centro da inovação. É a coisa mais importante que um país pode fazer pelos cidadãos.

A educação é crucial para o desenvolvimento econômico, para a segurança nacional e para a justiça social. É muito importante garantir que os governos invistam na nova geração.

BBC Brasil - Em uma crise econômica, qual deve ser a prioridade? Formar professores inovadores ou colocar mais tecnologia nas escolas?

Cator - Se eu tivesse que escolher, provavelmente seria a primeira opção.

Se você ajuda os professores a usarem a tecnologia à qual têm acesso, você traz mais apoio popular e mais visão inovadora para a educação. E isso também gera apoio para que mais recursos sejam bem utilizados pelo setor.

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BBC Brasil - Pesquisas recentes mostram que professor é a profissão menos escolhida por jovens que deixam o ensino público no Brasil. Como fazer com que eles se interessem pelo ensino?

Cator - Nos EUA, o recrutamento de pessoas para serem professores também está em um de seus piores momentos. Acho que muito disso tem a ver com a queda nas expectativas e no respeito que os professores têm. É um desafio de opinião pública também.

Além disso, 40, 50 anos atrás, mulheres em particular não tinham tantas opções de carreira. Elas se tornavam enfermeiras e professoras. Hoje, elas podem seguir qualquer carreira. A paisagem profissional mudou.

O que precisamos fazer hoje é garantir que as pessoas fiquem inspiradas, que entendam o trabalho de ensinar e que demos a elas tanto respeito público quanto for possível. E, é claro, dar aos professores os recursos para serem bem-sucedidos.

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Foto: Thinkstock

BBC Brasil - Você começou no ensino público e, em seguida, foi trabalhar na Apple. Depois, fez parte do governo Obama. Quais as principais lições sobre educação que aprendeu em uma grande empresa e na administração pública?

Cator - Quando fui para a Apple, o foco era inovação. A empresa era conhecida por isso - pelo design limpo, resolução de problemas e por encontrar novas maneiras de as pessoas fazerem coisas. Por isso, meu foco passou a ser alavancar tecnologia e pesquisa para criar o melhor ambiente de aprendizado possível para os alunos.

A educação pública é avessa aos riscos e à inovação porque é preciso garantir que estamos fazendo o que é certo com crianças. Além disso, as pessoas têm uma visão particular do que é a educação pública, porque todas elas foram para a escola e tiveram experiências diferentes.

Uma das coisas mais importantes que fizemos no período em que participei do governo foi termos publicado o Plano Nacional de Educação e Tecnologia (em 2010), um documento feito com muita participação popular e de grupos focais de professores e de empresas, que criou um arcabouço para pensarmos sobre como a tecnologia pode apoiar o aprendizado hoje.

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Minha maior lição nesse período foi que as pessoas importam. Sejam pesquisadores, líderes educacionais, empreendedores, executivos de corporações, todos têm algo a acrescentar.

Se você puder construir coalizões e ajudar as pessoas a terem uma linguagem comum, elas farão um trabalho melhor em direção a um objetivo comum.

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