A lei 10.639 estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas na educação brasileira. A legislação foi tema de uma das perguntas feitas a candidatos à Prefeitura de São Paulo durante debate eleitoral promovido pelo Terra, Estadão e FAAP nesta quarta-feira, 14.
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Sancionada durante a primeira gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro de 2003, a lei ainda é vista pelos especialistas como um avanço para a pauta antirracista, porém, sem grandes reflexos reais.
De acordo com Ana Paula Brandão, gestora do Projeto SETA (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista) e diretora programática da ActionAid, essa norma e a 11.645/08 alteram a lei máxima da educação, a LDB 9394/1996, incluindo ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e indígena, bem como educação para as relações étnico-raciais em todo o currículo.
Segundo o que foi sancionado, o conteúdo programático, a ser ministrado no âmbito de todo o currículo escolar, inclui “o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros do Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do Brasil”. Além da inclusão do dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra.
“Dessa forma, não é uma opção a escola trabalhar com a temática, é uma obrigação, é um marco legal”, destaca Ana Paula ao Terra.
Ana Paula explica que a lei é vista como a única possibilidade de desconstruir o impacto das desigualdades raciais ainda durante a escolarização. “É trazer para dentro do currículo e das práticas pedagógicas a oportunidade de trabalharmos a verdadeira história civilizatória brasileira nas escolas”, explica.
Não é uma realidade dentro das escolas
Apesar dos pontos positivos que a lei traz, ainda há um longo caminho a ser percorrido para chegarmos no que foi idealizado. De acordo com a professora e doutora em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Auxiliadora Maria Martins da Silva, as mudanças ainda precisam ser mais efetivas.
“Eu trabalho com ensino superior, e sempre que os estudantes fazem pesquisa nas escolas e trazem o resultado, essas pesquisas vêm dizendo da dificuldade das gestões dos professores e professoras e da própria política pública de implementar efetivamente no currículo disciplinas que tratem dessa questão de forma aprofundada. Porque o que orienta as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais são conteúdos que não foram ensinados quando professores e professoras estavam fazendo o seu processo formativo, e ainda hoje continuam não sendo ensinados”, destaca ao Terra.
“Se faz muito investimento na Semana da Consciência Negra, com festas, desfiles, palestras, mas introduzir um saber que não tínhamos antes, faz-se necessário todos os dias em todas as disciplinas e não apenas numa semana específica”, defende a especialista.
Para Ana Paula, mesmo com mais de 20 anos de lei, a ideia não é uma realidade no cotidiano escolar e nas estruturas das secretarias de educação. “Precisamos, inclusive, de um trabalho efetivo com o envolvimento de toda a sociedade para que, de fato, a legislação seja cumprida, avaliada e monitorada nas instituições de ensino”, detalha a gestora.