Filha de lavrador e de dona de casa, a faxineira Maria Helena Rosa precisou abandonar a escola para trabalhar e ajudar os pais. Mas o sonho de terminar os estudos nunca morreu, e ganhou ainda mais força quando ela começou a trabalhar Universidade Estadual Paulista, em Bauru (SP). Atualmente, aos 56 anos, ela não só conseguiu concluir os ensinos Fundamental e Médio, como também é estudante do terceiro semestre do curso de Biologia da Unesp.
Com uma jornada de trabalho de 8h diárias --como terceirizada na área de limpeza na mesma universidade em que estuda--, Maria Helena Rosa não esconde o quão extensa é sua rotina. "Se eu falasse que é leve, estaria mentindo, até porque não sou mais 'jovem' [brinca]. Mas também não posso falar que é algo estressante. Gosto muito do meu trabalho e estou amando o curso que escolhi", conta ela.
Trajetória de vida
Em um país com dimensões continentais e marcado por desigualdades sociais, garantir o acesso e a permanência de jovens e adultos no ambiente escolar não é uma tarefa fácil. Em 2022, segundo um estudo realizado pelo Ipec, 2 milhões de meninas e meninos de 11 a 19 anos não estavam frequentando a escola no Brasil.
Por muito tempo, Maria fez parte da lista de pessoas que não tiveram a oportunidade de permanecer nos ambientes acadêmicos. A estudante conta que na sua infância e adolescência precisou abandonar os estudos para ajudar sua família com as despesas em casa.
"Perdi muitas vezes o ano letivo. Meu pai era lavrador e a gente precisava mudar muitas vezes de cidade e devido a isso, precisei interromper muitas vezes os estudos", conta.
Maria também lembra que, em um período de sua adolescência, precisou abandonar de vez a escola devido a um problema de saúde que seu pai enfrentou. Com doença de chagas e impossibilitado de trabalhar, seu pai que não tinha nenhum tipo de garantia trabalhista ficou muito tempo sem receber salário e para ajudar sua mãe que não conseguia arcar com as despesas de casa sozinha, a estudante resolveu procurar emprego no comércio local da cidade em que morava.
Com o salário que recebia, ajudou a criar seus 7 irmãos mais novos. E após criá-los, iniciou sua vida adulta. Formou família e teve dois filhos. Wesley Rosa, hoje com 37 anos, formado em Engenharia Mecatrônica, e de Edilaine, 35 anos, formada em pedagogia.
De volta aos estudos
Em 2011, com os filhos encaminhados nos estudos e em suas profissões, Maria que havia iniciado como prestadora de serviços no campus da Unesp, se sentiu motivada a voltar aos estudos.
Através de um incentivo de funcionários do próprio campus, Maria decidiu voltar à sala de aula e finalizou sua educação básica através do programa Educação de Jovens e Adultos (EJA). Após concluir o supletivo, decidiu dar outro passo em sua trajetória de estudos e começou a frequentar as aulas do cursinho pré-vestibular Primeiro de Maio, oferecido na Unesp.
"Foi um período muito bom. Aprendi muita coisa no cursinho e fiz muitos amigos. Na época, eu trabalhava das 6h30 às 15h30 e, após o final do expediente, seguia para as aulas", explica.
Tentativas no vestibular
Após duas tentativas no vestibular, Maria Helena conseguiu a aprovação no curso de Biologia. Hoje, a primeira de seus irmãos a finalizar os estudos básicos e a ingressar na universidade, a estudante é motivo de orgulho para seus filhos e familiares.
Exemplo de persistência, foco e força de vontade, Maria explica que sonha em se tornar uma profissional qualificada, seguir a área da pesquisa e, quem sabe até, se dedicar a sala de aula.
"Eu gosto muito da pesquisa, das aulas no laboratório e das atividades em grupo. Quero inspirar outras mulheres e pessoas que tiveram que abandonar os estudos quando jovens", afirma Maria.
Assim como Maria, muitas outras mães solos e mulheres brasileiras tiveram que optar pelo estudo e criação dos filhos, deixando sua educação e sonhos de lado [por um período]. Voltar a sala de aula após tanto tempo não é uma tarefa fácil e requer muita dedicação e disciplina. Mas assim como foi possível para ela, a universitária de 56 anos quer servir de inspiração para outras pessoas --independente da classe social ou da idade.
"Eu quero ver outras pessoas igual a mim na universidade. Mães, mulheres, pretas e que não tiveram a oportunidade de estudar na infância e adolescência", relata Maria Rosa.