Ocupação e cotas: veja trajetória dos 80 anos da USP e UFRGS

15 mai 2014 - 16h44
Estudante ocupam desde a última quarta-feira o prédio da reitoria da Ufrgs
Estudante ocupam desde a última quarta-feira o prédio da reitoria da Ufrgs
Foto: Facebook / Reprodução

Em meio às comemorações dos 80 anos da sua fundação, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) tenta administrar os transtornos trazidos por duas ocupações. Nesta semana dezenas de estudantes invadiram a sede da sua reitoria, na região central de Porto Alegre. Desde a semana passada, outro grupo de alunos ocupa o prédio da Faculdade de Direito, localizado a poucos metros de distância.

O protesto mais recente, que é por tempo indeterminado, reúne alunos de diversos cursos de graduação com objetivo de mostrar as dificuldades enfrentadas pela comunidade universitária, como os direitos estudantis. Em manifesto divulgado nas redes sociais, integrantes do movimento afirmam que a UFRGS comemora o seu aniversário com a falsa propaganda de "80 anos de excelência". "Excelência cujos estudantes, em sua grande maioria, não veem pelos corredores, campi ou salas de aula que frequentam!", diz o texto.   

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2014: Ufrgs e Usp completam 80 anos

Educação, pesquisa, impacto científico e social são algumas das semelhanças entre a Universidade de São Paulo (USP) e a UFRGS, que neste ano completam 80 anos. A USP fez aniversário em 25 de janeiro, quando tomou posse o novo reitor, Marco Antonio Zago. A universidade está entre as posições 226 e 250 no ranking mundial da Times Higher Education (THE). A USP tem mais de 58 mil alunos nos 249 cursos de graduação que oferece, além de ser responsável por 22% da produção científica do País.

O novo reitor tomou posse em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes
Foto: Janaína Garcia / Terra

A UFRGS, que conta com 28.456 alunos em 97 cursos de graduação, iniciou suas comemorações em 28 de novembro de 2013, com lançamento de livro que homenageia 37 professores eméritos e show do músico gaúcho Vitor Ramil. As atividades seguiram neste ano com palestra do fotógrafo Sebastião Salgado e do ex-ministro da cultura e cantor Gilberto Gil. 

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Reunir para criar

USP e UFRGS foram criadas a partir do agrupamento de institutos educacionais já existentes, com exceção da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. A USP foi formada pelas faculdades de Direito, de Medicina, de Farmácia e Odontologia, pela Escola Politécnica de São Paulo e pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz. A Universidade de Porto Alegre (que viria a se chamar UFRGS em 1950), por sua vez, contou com as faculdades de Engenharia, de Medicina, de Direito e o Instituto Belas Artes. 

Para formar elite

São Paulo ficou em segundo plano na política a partir da ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930. A Comunhão Paulista, grupo de intelectuais da qual fizeram parte Júlio de Mesquita Filho e Fernando de Azevedo, procurava retomar a liderança e o protagonismo de São Paulo com uma formação de elite intelectual, após o fracasso em tentativa armada, a Revolução Constitucionalista de 1932. A USP surge em meio a esse processo, com a missão de fornecer o conhecimento científico necessário para isso.

A professora do departamento de História da USP, Raquel Glezer, recorda que a criação da universidade decorria da “necessidade de formar quadros científicos e técnicos para o processo de industrialização e modernização da administração pública”.

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A marca da USP

O agrupamento de institutos autônomos paulistas para formar a USP exigiu a criação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, de acordo com o ex-professor da USP e autor do livro USP 70 anos: imagens de uma história vivida, Shozo Motoyama. “Os fundadores pensaram que quem passasse pela USP deveria ter uma marca, algo comum entre todos os cursos. A solução foi criar uma nova faculdade, que seria responsável por ministrar matérias básicas”. Ele ainda afirma que a ideia não obteve o resultado ideal, pois muitos estudantes de cursos tradicionais não aceitaram a integração.

A professora do departamento de História da UFRGS, Mara Rodrigues, afirma que a universidade gaúcha, ao contrário da paulista, não tinha uma característica universitária evidente nos primeiros anos. A explicação é a ausência da Faculdade de Filosofia, que apenas em 1942 tem sua implantação prática.

Invasão estrangeira

Para Motoyama, a atual marca da USP é a pesquisa. A origem é atribuída pelo professor à vinda de professores estrangeiros nos primeiros anos de universidade. “Foram trazidos cientistas jovens da Europa para lecionarem aqui. É de lá que veio esse espírito de pesquisa, amplamente difundido no meio acadêmico”, diz. Claude Lévi-Strauss, Fernand Braudel e Pierre Monbeig estão entre os que foram professores da USP. A “missão estrangeira”, nas palavras de Mara, também ocorreu na UFRGS, ainda que em menor grau. Ela conta que europeus e americanos visitaram a instituição para ministrar disciplinas ou palestras.

Objetivos em comum, diferentes prioridades

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Mara Rodrigues acredita que, apesarem de terem objetivos em comum, USP e UFRGS tiveram prioridades diferentes nos primeiros anos. “Na USP, era muito incentivada a atividade de pesquisa. Já na Faculdade de Filosofia da UFRGS, a grande meta era formar professores capacitados para lecionarem no ensino secundário (fundamental e médio)”. A professora ressalta, porém, que as duas características eram estimuladas e constavam no plano educacional de ambas as universidades.

Em nome do Pai

O início do século XX é marcado pela contribuição para a educação brasileira de dois grupos oposicionistas: os defensores da Escola Nova, movimento cuja diretriz principal era o ensino público, livre e aberto, e os setores católicos da sociedade. Mara Rodrigues aponta que a fundação das duas universidades se diferencia em relação à influência das linhas pedagógicas. “Na USP, houve muito menos interferência católica em sua fundação do que na UFRGS”.

 No Rio Grande do Sul, o governo foi pressionado a contratar apenas professores católicos para ensinarem na universidade, por exemplo. A reivindicação foi negada pelo Estado, para que se apresentasse diversidade de ideologias no ambiente acadêmico.

Dezesseis anos para a UFRGS se erguer

O Estado Novo, período ditatorial da Era Vargas, causou situação curiosa em relação às duas universidades. De acordo com a professora, a USP recebeu menos apoio do governo federal, mas mesmo assim conseguiu se desenvolver com os maiores recursos financeiros que o estado de São Paulo dispunha. Na UFRGS, a situação era inversa: contava com maior apoio da União, mas tinha menos recursos estaduais para se manter.

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“Na verdade, a UFRGS só saiu do chão em 1950”, conclui Mara. Foi nesse ano que a universidade gaúcha passou a ser federal, não mais sendo mantida pelo estado do Rio Grande do Sul. “Antes de 50, a UFRGS sofreu com a falta de infraestrutura. Era constituída por poucas secretarias e institutos, o que gerava sobrecarga de atividades. A federalização possibilitou maior investimento em pesquisa e estrutura administrativa”. Para ilustrar o contexto, Mara cita a construção da sede da Faculdade de Filosofia em 1953, depois de ela funcionar, durante 11 anos, com salas emprestadas em locais como o Instituto de Educação de Porto Alegre e os porões da Faculdade de Direito.

O processo, no entanto, não foi pacífico. Em 1952, estudantes decidem entrar em greve, como forma de contestar a efetivação de professores que haviam ingressado na universidade sem concurso público. Por fim, os docentes permaneceram na instituição. O reitor Alexandre Martins da Rosa, porém, saiu do comando da universidade.

Com “F” mudo

Em 1947, a Universidade de Porto Alegre passa a se chamar Universidade do Rio Grande do Sul (URGS), a fim de poder incorporar instituições de outras partes do Estado. Três anos depois, com a federalização, é acrescentado um ‘F’ à sigla. A pronúncia, no entanto, permaneceu a mesma. A Universidade de São Paulo, além de manter o nome durante seus 80 anos, sempre foi uma instituição estadual.

Um golpe aos 30

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O regime militar, instalado em 1964 no Brasil, trouxe consigo mudanças nas universidades, que pode ser representada pela Reforma Universitária imposta em 1968. Exílio de professores e estudantes e cerceamento a liberdades são incidentes em comum. Na UFRGS, a repressão ficou evidente com o fim da unidade Faculdade de Filosofia. Os 11 cursos foram separados e transformados em departamentos. “Certamente uma das intenções da reforma era desarticular grupos de contestação nas universidades, através dessa fragmentação”, diz Mara. 

Na instituição paulista, o período foi marcado pela Batalha da Maria Antônia, em que estudantes da USP e da Mackenzie entraram em confronto nas ruas de São Paulo, em 1968. Os estudantes se diferenciavam pelo posicionamento político: contrários e favoráveis ao regime, de maneira geral, respectivamente.

Motoyama aponta como uma contradição o fato de pesquisas terem se aprimorado durante a ditadura. “As pesquisas científicas e tecnológicas tiveram bom financiamento, desde que elas não contrariassem o regime, principalmente as da área de Ciências Políticas, Sociais e Econômicas”. 

Marque a alternativa correta

A criação da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), responsável pela aplicação de vestibulares em IES de São Paulo, se originou do aumento considerável da procura por vagas a partir dos anos 50, segundo Motoyama. “No começo, a seleção era feita mais para que entrassem pessoas qualificadas na universidade do que por falta de vagas”, conta. 

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Na USP, os vestibulares eram responsabilidade de cada faculdade. O mesmo acontecia na UFRGS, no período anterior à criação da Comissão Permanente de Seleção (Coperse), unidade responsável pelos exames na universidade até hoje. A coincidência de datas de criação das instituições é atribuída à Reforma Universitária de 1968.

O professor Motoyama acredita que a maior demanda sobrecarregou as faculdades e obrigou que o processo seletivo fosse administrado em maior esfera. Como alternativa anterior à Fuvest, surgiram associações como a MAPOFEI, um vestibular de exatas que servia para ingresso na Escola Politécnica da USP, no Instituto Mauá de Tecnologia ou na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI).

Questão de autonomia

Somente em 1989, a USP se transformou em uma instituição autônoma financeiramente, “justamente uma época em que a economia brasileira não ia bem e a inflação era galopante”, observa Motoyama. “O governador foi convencido de que os problemas políticos das universidades desapareceriam com a mudança. O que se viu foi que estes se tornaram internos à universidade”. O professor se refere aos movimentos promovidos por professores e funcionários para angariar recursos. Em vez de ensinar e pesquisar, os docentes tinham de se envolver em greves, diz.

Segundo Mara, tanto a autonomia financeira como a liberdade de gerência foram conquistadas pela UFRGS e partir da federalização, em 1952. Antes disso, o destino dos recursos era influenciado pelo governo gaúcho e, no plano político, o papel era desempenhado por grupos de professores católicos. 

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Bisturi, computador e clone

Avanços científicos marcaram a produção intelectual da USP nos 80 anos. Em 1972, o professor Euryclides Zerbini se tornou o primeiro cirurgião da América Latina a realizar um transplante de coração. Mesmo ano em que foi construído o primeiro computador brasileiro, na Escola Politécnica. Em 2002, o primeiro animal clonado a partir de células adultas foi gerado na universidade. O bezerro foi chamado de Marcolino.

Problemas recentes

Os últimos meses apresentaram problemas distintos na USP e na UFRGS. Em 1° de outubro de 2113 manifestantes ocuparam o prédio da reitoria da USP em defesa das eleições diretas para reitor. Foram retirados 42 dias depois, após a polícia militar cumprir ordem judicial de reintegração de posse.

O novo reitor, Marco Antonio Zago, assumiu a universidade com dificuldades financeiras, o que resultou em corte de 30% dos recursos programados para custeio e investimento neste ano. O campus Ermelino Matarrazzo, na Zona Leste, foi interditado ao se constatar vestígios de gás metano e de substâncias cancerígenas em janeiro.

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No final de março, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) considerou irregulares as contas da USP em 2008. O conselheiro relator Antonio Roque Citadini aponta que o pagamento feito no período aos dirigentes da universidade superaram o teto da remuneração constitucional. De acordo com a decisão, proferida na terça-fera, reitor, vice-reitor, pró-reitores e chefe de gabinete da universidade deveriam receber, no máximo, o correspondente aos subsídios fixados ao governador em vigor à época, no valor de R$ 14.850.

Na UFRGS, um vazamento de água entre 31 de dezembro e 1° de janeiro afetou cerca de 18 mil exemplares da Biblioteca Setorial de Ciências Sociais e Humanidades do campus do Vale. O número representa 10% do total de livros do acervo.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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