Existem muitas discussões em curso sobre como a exposição à tecnologia afeta o desenvolvimento de crianças e jovens e sobre como os governos estão regulamentando o uso de dispositivos eletrônicos nas escolas. Além disso, é crucial que os professores estejam preparados para usar tal tecnologia como um aliado pedagógico.
Como costumo tratar aqui na coluna, vivemos em um mundo em transformação digital e isso veio para ficar. Neste contexto de mudanças tão intensas, o debate sobre a utilização de tecnologia por crianças e jovens se torna cada vez mais importante. Normalmente, no entanto, a preocupação com as telas e redes sociais para entretenimento se mistura ao debate do uso e aprendizado da tecnologia.
A primeira discussão está muito associada ao uso de celulares em casa e nas escolas, refletindo a preocupação com o crescente tempo de tela e exposição às redes sociais por essa geração que invariavelmente é nativa digital. A segunda discussão se refere à necessária aprendizagem sobre tecnologia, muitas vezes reduzida apenas ao uso de aparelhos eletrônicos na escola.
Para o primeiro ponto, sobre uso de celulares, é fundamental reconhecer que a preocupação de familiares, professores e pediatras com o uso indiscriminado e excessivo de telas é genuína. A literatura mostra que esse excesso traz impactos ao desenvolvimento cognitivo das crianças. Outro ponto é que a baixa capacidade de discernimento das crianças sobre quais conteúdos são apropriados nas redes sociais e de entretenimento está associada a situações de violência e abuso nos meios digitais e ao bullying, por exemplo. Além disso, nós pais e mães vemos que se não houver limites, a criança passa a se desinteressar por outras atividades, como brincar e ler em meios físicos. O neurocientista Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França, descreve esse fenômeno global em seus livros mais recentes, como o “Faça-os ler”, publicado em 2023. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Pediatria traz recomendações de tempo de tela por faixa etária e explicita que o melhor é evitar essa exposição antes dos dois anos de idade.
Na escola, essa preocupação é acompanhada de outros fatores. O relatório GEM Report 2023, da Unesco, aponta que o uso indiscriminado do celular na escola pode ser um fator de distração e que a mediação pedagógica é importante. O Pisa 2022 mostra que 45% dos estudantes brasileiros se distraem com dispositivos eletrônicos nas aulas de matemática, dos 30% registrados pelos países-membro da OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, responsável pela avaliação. A escola é espaço de aprendizagem, socialização e construção de vínculos.
Para tentar contornar a questão, governos e instituições de ensino têm adotado medidas para regular o uso dos celulares nas escolas, proibindo o uso, salvo se os professores entendem que há possibilidade de uso pedagógico específico. O município do Rio de Janeiro, por exemplo, é um caso que adotou um decreto nesse sentido. Isso segue uma tendência global, já que esse tipo de legislação existe em diversos países.
Pode-se questionar se a proibição é realmente a forma mais adequada de lidar com o tema e se não valeria colocar limites e utilizar os celulares e outros dispositivos como aliados do processo pedagógico. Isso porque a adoção de recursos tecnológicos em processos educacionais também pode ter impactos positivos, como revela o mesmo Pisa 2022 mencionado acima. Na avaliação de matemática, estudantes que utilizavam dispositivos digitais diariamente por até uma hora, para atividades de aprendizagem, obtiveram 25 pontos acima daqueles que não usavam esses equipamentos. Considerando esse dado, faz sentido que a maior parte dos Projetos de Lei que se propõem a regular os celulares nas escolas brasileiras preserve sua adoção para atividades específicas relacionadas ao ensino desde que os professores permitam.
Para que isso funcione, no entanto, é imprescindível que os professores brasileiros dominem as competências digitais. Isso inclui temas como pensamento computacional, análise de dados para tomadas de decisões pedagógicas com apoio da inteligência artificial, utilização de recursos digitais que atendam as necessidades de cada estudante para processos de personalização, entre outras. Ou seja, a incorporação de dispositivos eletrônicos é apenas uma parte do processo e é onde muito da discussão permanece. De acordo com dados do Centro de Inovação da Educação Brasileira (CIEB) e do CETIC, respectivamente, os professores têm nível de fluência digital insuficiente em todas as dimensões medidas e isso se reflete tanto na necessidade de mais formação quanto no receio da utilização de tecnologias no dia a dia.
Partindo de um cenário de avanço no nível de fluência digital, os professores são capazes de desenvolver as habilidades digitais dos alunos e despertar o interesse pelas carreiras STEAM (sigla em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática), munindo-os das ferramentas fundamentais para a nova sociedade do século XXI.