Em um mundo em constante transformação, é usual que o foco das discussões para dar conta das oportunidades e desafios do século XXI se concentrem nos jovens e adultos. Embora isso seja essencial, muito do sucesso futuro do nosso país está pautado nas decisões tomadas nas políticas que se referem ainda à primeira infância. É justamente nessa fase que as crianças passam por uma explosão de desenvolvimentos – cognitivo, social, emocional e físico. Nesse contexto, a educação infantil é fundamental para expandir aprendizados essenciais de memória, linguagem, coordenação motora entre tantas outras funções que terão impactos para toda a vida.
Um trabalho do professor James Heckman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia e especialista em economia do desenvolvimento humano, com um grupo multidisciplinar de economistas, psicólogos, estatísticos e neurocientistas, mostra que investir em educação na primeira infância é uma estratégia de baixo custo para promover o crescimento econômico no futuro. Uma análise do programa Perry Preschool, feita pelo professor Heckman, mostra um retorno sobre o investimento de 7 a 10% ao ano, com base no aumento da escolaridade e do desempenho profissional futuro, além da redução dos custos com reforço escolar, saúde e gastos do sistema de justiça penal.
Passado mais de um ano de retomada presencial das escolas, o momento pede atenção dos formuladores de políticas públicas. Especialistas e institutos de pesquisa já consolidam dados relacionados às consequências negativas da pandemia da Covid-19, que promoveu uma ruptura do acesso pleno e integral à educação infantil, e que impactaram também a alfabetização. No curto prazo, foi possível detectar, por exemplo, uma redução de cerca de 275 mil matrículas na pré-escola em 2021, de acordo com o estudo “Desigualdades e impactos da Covid-19 na atenção à primeira infância”, lançado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. Outro estudo da Fundação, intitulado “Desigualdades na garantia do direito à pré-escola” destaca que a perda estimada em termos de aprendizado de crianças que vivenciaram a educação infantil presencial em 2019, ou seja, antes da pandemia, na comparação com crianças que terminaram a pré-escola em 2020 fazendo atividades remotas, é de até seis meses em matemática e sete meses em linguagem. Outro dado que escancara a fragilidade da educação nessa fase inicial da escolarização entre 2019 e 2022 é o que mostra que a proporção de crianças de 7 anos de idade que não sabem ler e escrever dobrou, passando de 20% para 40%, segundo novo relatório "Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil", lançado pelo UNICEF no mês de outubro.
Nessa jornada de valorização dessa fase da vida e do início da trajetória escolar, os professores de Educação Infantil e alfabetização dos Anos Iniciais da Educação Fundamental ganham ainda mais relevância como profissionais fundamentais para garantir o desenvolvimento integral do aluno. Por isso, é preciso avançar mais na formação qualificada desde a universidade.
Os professores encontram, nas salas de aula, crianças que são um espelho da vulnerabilidade que vivenciam em casa, ao mesmo tempo em que estão cada vez mais expostas ao mundo digital – e isso é muito diferente do que acontecia há algumas décadas. Maryanne Wolf, em seu livro “O cérebro no mundo digital”, destaca que um dos grandes desafios, por exemplo, é que nossos processos de leitura e escrita mudaram e isso certamente impacta no modo como as crianças aprendem. Não cabe, portanto, a ideia de que o professor da educação infantil tem função secundária, pois seria um paradoxo à relevância desses profissionais que estão à frente dessa fase tão complexa. Neste contexto, a expansão da educação à distância de pedagogia no Brasil, que coloca em risco a tão necessária articulação entre teoria e prática da formação docente, vai na contramão da qualidade necessária para esse ofício. De acordo com o Censo da Educação Superior do INEP, em 2022, de cada 10 alunos que concluíram os cursos de formação inicial docente no Brasil, cerca de 6 (65%) estavam na modalidade EAD – em 2010, eram cerca de 3 (35%). Entre outros aspectos, é essencial, a adoção de práticas pedagógicas enriquecidas, espaço físico e materiais apropriados, seguindo as melhores práticas de formação docente.
Precisamos construir uma política de formação inicial e continuada sistêmica coerente de desenvolvimento profissional para educadores da educação infantil. Uma tarefa que deve ser coletiva entre governos, iniciativa privada e sociedade, e que, apesar de tantos obstáculos, deve garantir a valorização, desempenho e motivação do professor, que juntamente com seus gestores escolares fazem a diferença na mudança por um país menos desigual e com mais oportunidades para os brasileiros desde o começo da vida.