A conectividade possibilitou o acesso ao ensino superior por meio da Educação a Distância, porém a formação profissional online com uma carga mínima presencial nem sempre é a melhor solução. O Ministério da Educação homologou novas diretrizes para a formação de professores, fruto de um debate de muitos anos, exigindo que, pelo menos, 50% da carga horária total em cursos EaD seja ofertada na modalidade presencial.
A conectividade possibilitou o acesso ao ensino superior. Por meio da Educação a Distância (EaD), muitas pessoas, tanto de regiões brasileiras que não dispõem de faculdades quanto de áreas metropolitanas, mas que preferem não se deslocar, por exemplo, puderam concluir uma graduação. De acordo com o Censo da Educação Superior de 2021, o aumento da oferta desses cursos foi de quase 500% no período de dez anos. Uma boa notícia, considerando que o país precisa de qualificação e que, mesmo com esse aumento, o ensino superior só alcança cerca de 20% da população. Entretanto, uma formação profissional online com uma carga mínima presencial nem sempre é a melhor solução, pois a experiência presencial e a prática de qualidade são insubstituíveis.
Na área da saúde, por exemplo, o contato presencial com pacientes ao longo da formação é imprescindível. Além da parte teórica, alunos de graduações dessa área aprendem com a prática, nas clínicas e hospitais, a realizar procedimentos que a carreira exige. É inimaginável que médicos, enfermeiros ou dentistas concluam um curso que seja quase que integralmente online. A pesquisadora brasileira Paula Louzano, hoje diretora da Faculdade de Educação da Universidade Diego Portales no Chile, costuma perguntar em suas palestras: “Você se submeteria a uma cirurgia conduzida por uma equipe médica formada por EaD?”. A resposta da plateia é sempre que não. Isso porque o processo formativo se dá na constante articulação entre teoria e prática e de forma gradual, principalmente quando se trata de desenvolver um profissional apto a exercer um ofício complexo. Transpondo para a educação, a mesma premissa deveria valer para os cursos de pedagogia e licenciatura, que formam os professores da educação básica.
O professor é o fator escolar mais importante no resultado de aprendizagem dos alunos, atrás apenas das famílias. Pesquisas internacionais já comprovavam esse dado e, mais recentemente, um estudo da Fundação Getulio Vargas e do Instituto Península, em parceria com o Movimento Profissão Docente, mostrou que a qualidade do professor explica 60% dos resultados dos alunos do ensino fundamental no contexto brasileiro. A formação desse profissional, portanto, deveria estar à altura do desafio – e em primeiro plano, se quisermos melhorar a educação no país. Mas ainda não é o que acontece.
De acordo com o Ministério da Educação, em 2022, de cada dez alunos formados em licenciatura, seis fizeram EaD. Paralelo a isso, ao mesmo tempo que a quantidade de cursos a distância aumenta, a qualidade diminui. As notas médias das licenciaturas por EaD no Enade, que avalia o desempenho dos egressos de graduação em todo o país, têm ficado cada vez mais baixas em relação às médias dos cursos presenciais. Ou seja, além de não formar devidamente esses profissionais, no que se refere ao conteúdo, a modalidade a distância precariza a prática da sala de aula, criando uma geração de docentes pouco ou nada preparada para lidar com os estudantes. Mais ainda, transmite a mensagem – errada – de que não é tão difícil se tornar professor e que basta a vocação.
Na última semana, o Ministério da Educação homologou novas diretrizes para a formação de professores, fruto de um debate de muitos anos e seguindo recomendação do Conselho Nacional de Educação. Entre os principais pontos, destaca-se que ao menos 50% da carga horária total em cursos EaD seja ofertada na modalidade presencial. Se bem implementadas, o impacto pode ser muito positivo.
Nas minhas muitas visitas a escolas e Secretarias de Educação, professores e técnicos de carreira relatam a dificuldade de integração dessa geração de profissionais formados a distância e a necessidade de formação complementar docente. Algumas redes de ensino já estão lidando de forma estruturante com esse desafio, inserindo provas práticas nos seus concursos e desenvolvendo estágios supervisionados, por exemplo. Mas é preciso mais.
Os dados deixam claro que políticas públicas de desenvolvimento e valorização do docente devem ser priorizadas para mudarmos o cenário da educação brasileira. Além disso, a avaliação e a regulação dos cursos de licenciatura devem considerar a complexidade do ofício do professor em um mundo cada vez mais digital, desafiador e que demanda um profissional capaz de aprender a aprender. Adicionalmente, outras iniciativas podem contribuir para essa evolução, como financiamento estudantil específico ou apoio financeiro para cursos com atividades presenciais ou aulas em tempo integral. A explosão do ensino a distância ajudou a formar muitos docentes, que já estão formando nossas crianças e adolescentes. Precisamos agora aprimorar a formação desse grupo e garantir que as próximas gerações de professores saiam da faculdade verdadeiramente mais preparadas para a sala de aula.