Beijar a boca do filho ou da filha pode ser entendido para alguns como mais uma demonstração de carinho e amor. Mas o assunto é cercado por muitas nuances. Não à toa é comum famosos serem criticados ao serem flagrados beijando seus herdeiros na boca --como é o caso de Thais Fersoza, Gabi Brandt, David Beckham, Jennifer López, Beyoncé e Will Smith.
O Terra conversou com especialistas para saber se a prática é ou não recomendada, bem como para entender de que forma o hábito impacta a formação das crianças. E, como aponta a psicóloga e psicanalista Juliana Hampshire, o costume pode os menores mais vulneráveis e suscetíveis à confusões sobre questões relacionadas ao consentimento.
"Desde cedo precisamos ensinar sobre autonomia e consentimento, isso é um fator de proteção à infância. Apesar de entendermos o beijo na boca do filho como um gesto inocente, transmitimos com ele que algumas pessoas adultas podem beijar na boca da criança", explica Hampshire, psicóloga e psicanalista.
Geralmente, o vínculo entre um adulto e uma criança é uma relação de poder, ou seja, existe uma hierarquia. Como explica a psicóloga, o adulto é entendido como aquele que sabe mais e, por isso, é alguém da confiança da criança. Porém, a maior parte dos abusos cometidos contra crianças e adolescentes são feitos por adultos de confiança, que frequentam a casa, que a família conhece e confia.
E como discernir quem são as pessoas confiáveis ou não? Como fazer com que os pequenos entendam ou identifiquem um possível pedido disfarçado de abuso? "Para que a criança possa começar a se reconhecer como sujeito autônomo, é fundamental que mães e pais possam transmitir que existe uma diferença entre eles e, apesar de parecer óbvio, isso nem sempre é vivido dessa maneira: meu filho não é uma extensão de mim. É outra pessoa e, mais que isso, outra pessoa no mundo", acrescenta.
A psicanalista ressalta que é preciso que os pais conversem rotineiramente com seus filhos para qualificar os tipos de violência e toques que o adulto (ou outra criança ou adolescente) não devem fazer. "Criar ferramentas para que elas possam identificar aquilo que gostam ou não, que pode ou não, e entender que seu corpo não pode ser manipulado ou invadido é fundamental", realça.
Outro risco do gesto praticado pelos pais é que as crianças podem acabar adotando a forma de carinho na hora de cumprimentar outras pessoas.
"A criança pode querer repetir o gesto com outras pessoas, o que pode levar o aumento da vulnerabilidade a potenciais situações de riscos", pontua a psicóloga clínica Ana Carolina Boesch. Segundo ela, a prática pode induzir os menores a acreditarem que todas as relações são iguais, ou seja, com as mesmas intimidades e expressões de afeto.
"Já em crianças maiores (de 5 a 10 anos), pode ser considerado um comportamento invasivo praticado pelos pais, e, ainda, estimular a sexualidade precoce", completa Boesch, que sugere que os pais não mantenham esse hábito.
Caso a prática já faça parte da rotina familiar, a sugestão é romper com ela. "Nesse caso, é necessário o encaminhamento para psicoterapia, para que haja a reorganização da dinâmica familiar", recomenda a psicóloga.