Plágio gera cassação de títulos e até renúncia de presidente

Copiar e colar se tornaram ações comuns no ambiente universitário, mas as consequências são catastróficas

20 jul 2015 - 08h09
Plágios podem ser enquadrados como violação da Lei de Direito Autoral e a tendência é que o falso autor responda a processos tanto na faculdade como perante à Justiça
Plágios podem ser enquadrados como violação da Lei de Direito Autoral e a tendência é que o falso autor responda a processos tanto na faculdade como perante à Justiça
Foto: iStock

Quando pesquisava as referências bibliográficas para sua monografia, uma estudante da Universidade de São Paulo (USP) encontrou dois artigos iguais, um assinado por Paulo Henrique Bittencourt Moreira e outro pela professora Fernanda Amendola. Como o da professora era mais antigo, a estudante enviou um e-mail para a docente, que leciona na Universidade Guarulhos e na Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein.

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O achado da universitária foi o início de um processo que culminou com a cassação do título de mestrado de Moreira, em maio, pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais. “Ele copiou o artigo inteiro, as tabelas, as discussões, os resultados”, comenta Fernanda. O ex-mestre foi acusado de violação de direito autoral e fraude acadêmica.

Por meio de seus advogados, Fernanda solicitou que a revista que havia publicado o artigo de Moreira fizesse uma retratação. Com a retirada do artigo da revista, motivada por plágio e fraude acadêmica, a editora responsável pela publicação entrou em contato com a orientadora do Paulo, a professora Simone Caldas Tavares Mafra.

Informada que o artigo era fruto de plágio, Simone deduziu que o trabalho de mestrado também deveria ser uma cópia. Quando teve acesso ao conteúdo do documento original, a docente ficou "impressionada". “Era exatamente igual, o único conteúdo diferente eram as mudanças indicadas pela banca avaliadora”, diz. Identificado o plágio, a orientadora entrou com processo na universidade, pedindo que o título fosse cassado.

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Na época, a defesa de Paulo Henrique Bittencourt Moreira relatou que o cliente era inocente, porém, não iria buscar a recuperação do título. “O título já não é importante para o Paulo, hoje ele é microempresário e não precisa de mestrado”, afirmou o advogado.

A professora Lívia Haygert Pithan, supervisora do Setor de Trabalho de Conclusão de Curso da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), diz que casos de plágio são comuns, mas muitas vezes são descobertos antes da titulação. Por isso, as cassações de títulos, diz ela, são raras. No curso de Direito da PUCRS, os alunos que têm o trabalho flagrado como plágio são reprovados e precisam apresentar um novo trabalho.

As universidades contatadas pela reportagem não souberam precisar os números de cassações de títulos de mestrado e doutorado.

O que é plágio, afinal?

O que dificulta o descobrimento de plágios é a ausência de uma definição legal sobre o termo na Constituição ou no Código Civil. De acordo com Lívia, o entendimento comum é a apresentação de produção intelectual alheia como se fosse sua. Entretanto, ela explica que esta é uma questão teórica em construção no Direito. “É semelhante ao conceito de família: existe um conhecimento, mas a Constituição não define o que é.”

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A docente explica, no entanto, que a cópia da pesquisa de outros pode ser enquadrada como violação de Lei de Direito Autoral e que a tendência é que o falso autor responda a processos administrativos nas instituições de ensino e também civis e criminais perante à Justiça.

Se a lei não tem uma definição clara do que é plágio, no meio acadêmico, a situação não muda muito. Lívia orientou uma pesquisa com 42 cursos superiores e constatou que cada curso apresentava um entendimento diferente sobre o tema, as discussões são diversas.

Em alguns dos cursos pesquisados, a discussão gira em torno da extensão de texto plagiada, outros acreditam ainda que a intenção seria determinante para definir se um trabalho seria plágio ou não. Alguns professores acreditam que falhas metodológicas podem produzir cópias involuntárias, não merecendo a mesma punição de uma ação deliberada. Existe ainda a discussão se ideias podem ser copiadas ou não.

Copiar e colar na escola

Já a professora Christiane Coelho Santos está desenvolvendo uma pesquisa semelhante, mas voltada para o ensino médio. Embora o trabalho ainda esteja em andamento, ela adianta que o quadro na educação básica não parece ser diferente. “Uma análise preliminar demonstra que os professores do ensino médio das escolas pesquisadas não possuem a mesma definição do que é plágio.”

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Ela lamenta que, no Brasil, a pesquisa sobre plágio na academia seja rara, quase inexistente quando o assunto é a educação básica. “É no começo da vida escolar que os estudantes precisam aprender a criar."

A pesquisadora argumenta ainda que o hábito de copiar e colar é muito mais comum na escola do que na faculdade e que, muitas vezes, isso é produto da política pedagógica empregada. “Os trabalhos que passamos para eles estimulam a criação? Será que a prática de decorar e repetir não estimula a cópia?."

Farejador de plágios

Buscando combater os trabalhos copiados, Maximiliano Zambonatto Pezzin, mestre em Ciência da Computação e professor da Universidade do Contestado (Santa Catarina), criou o Farejador de Plágios, um programa que busca similaridades entre os trabalhos.

Segundo ele, mais de oito mil pessoas já compraram o software e o programa já analisou em torno de quatro milhões de documentos. Tantas análises também provocaram reclamações. “Frequentemente me liga alguém perguntando como afirmar que o trabalho é uma cópia. Eu não afirmo, quem define isso é o professor que utiliza o programa.” De acordo com Pezzin, o software apenas aponta o volume de similaridades, a interpretação dos dados fica a cargo do usuário.

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Outros casos

Demissão e cassação

Em 2011, a Universidade de São Paulo (USP) demitiu um professor acusado de plágio. Andreimar Soares lecionou em regime de dedicação exclusiva durante 15 anos na Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, até descobrirem que uma de suas pesquisas utilizou imagens de trabalhos produzidos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro sem o devido crédito aos autores. O trabalho tinha o objetivo de descobrir se uma substância produzida pela jararaca era útil no combate ao vírus da dengue. O professor argumentou que não houve má fé, mas um erro na troca das imagens utilizadas no estudo. A aluna Carolina Dalaqua Sant’Ana, que colaborou na pesquisa e era a responsável pelas imagens, teve seu doutorado cassado.

Socos e delegacia

Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, uma acusação de plágio fez com que professores trocassem socos. Em 2000, o estudante Gilberto Kmohan defendeu sua dissertação com o título "O Conceito de Aura na Teoria Estética de Walter Benjamim", na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS.

A banca definiu o trabalho como de “alta qualidade”. Em maio do ano seguinte, o então coordenador substituto do programa de pós-graduação da faculdade, Luís Milman, protocolou uma denúncia de suspeita de plágio e fraude na dissertação. A investigação realizada por Milman, com a ajuda de Francisco Rüdiger, professor da mesma faculdade, identificou 16 passagens que seriam copiadas de autores estrangeiros.

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Durante o processo, Milman e o orientador de Kmohan, Sérgio Capparelli, chegaram a parar na delegacia, onde o professor que denunciou a fraude teve que assinar um termo circunstanciado, acusado de ameaças e agressão. Em 2006, a universidade decidiu cassar o título de Kmohan.

Presidente e ministra derrubados

A acusação de plágio acadêmico já derrubou até um presidente. Em 2012, o então presidente da Hungria, Pal Schmitt, renunciou após ter seu doutorado cassado. Ele havia defendido sua tese 20 anos antes, falando sobre os Jogos Olímpicos. Após uma revista denunciar que parte do trabalho do presidente era copiada de outros trabalhos, a Universidade de Medicina Semmelweis de Budapeste cancelou o título de doutor de Schmitt.

Em nota, a instituição declarou que muitas partes do trabalho eram traduções de outros textos, que não eram referenciados. Em seu discurso de renúncia, Schmitt declarou que deixava o cargo por entender que seu problema pessoal dividiria o país, mas negou as acusações e declarou que buscaria na justiça a retomada do título.

Em 2013, a ministra da Educação da Alemanha, Annete Schavan, foi acusada pela Universidade de Dusseldorf de ter trechos plagiados em sua tese de doutorado, defendida 30 anos antes. Quatro dias após a acusação, Annete anunciou que se afastaria do cargo e processaria a universidade.

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