Falta de profissionais de saúde atinge países de todos os continentes, e melhores salários e condições de trabalho são fatores que influenciam a imigração. Em uma década, o Reino Unido conseguiu aumentar consideravelmente o número de médicos que atuam no país. O índice de dois profissionais por mil habitantes saltou para os atuais 2,8. No Brasil, a proporção é de 1,95. Mas o feito inglês inclui uma receita que atualmente levanta polêmica entre brasileiros: a importação de médicos.
Atualmente, quase 40% dos quase 235 mil médicos registrados no Reino Unido são estrangeiros. Grande parte deles vem das 20 nações mais pobres do mundo, incluindo a Libéria – que possuiu 0,014 médico por mil moradores – e o Haiti. A Índia é o principal fornecedor para os ingleses, com 25 mil profissionais.
A “importação” de médicos é um fenômeno mundial que se acentuou nos últimos anos, estimulado por programas nacionais para suprir a falta desses profissionais. "O êxodo de médicos dos países pobres para os mais ricos é uma catástrofe para os países mais pobres e também um problema global", afirma à DW-Brasil Otmar Kloiber, diretor da Associação Médica Mundial (WMA, sigla em inglês). Kloiber aponta melhores condições de trabalho e de vida, além de melhores salários, como fatores que levam médicos a imigrar.
Esse déficit atinge diversos países – inclusive os desenvolvidos –, mas são os mais pobres que sofrem com a carência. Além de formarem pouca mão de obra, as regiões mais carentes ainda perdem médicos para as nações mais ricas. A África é o continente mais atingido: nessa região estão concentradas mais de 24% da carga global de doenças. Em contrapartida, o continente possuiu apenas 3% dos profissionais de saúde do mundo e menos de 1% dos recursos financeiros mundiais destinados ao setor.
Mercados atraentes
Os Estados Unidos também são um grande importador. Em 2006, a cota de profissionais estrangeiros era de 25,9%. Uma grande parte deles vem de países como a Índia, que oferece apenas 0,6 médico por mil habitantes, do Canadá e do México.
Ainda assim, a previsão é que em 2015 os EUA terão um déficit de mais de 62 mil médicos. A importação desses profissionais deve continuar sendo uma das soluções para o problema. Um estudo da Fundação Nacional para Políticas Americanas apontou as leis imigratórias como a principal barreira para a vinda de médicos estrangeiros para o país.
O governo americano possui um programa especial para médicos, o Conrad 30, pelo qual esses profissionais recebem um visto de estudante se concordarem trabalhar três anos em uma região mais carente desse tipo de serviço. Por ano, cada estado pode receber apenas 30 profissionais por meio do programa, quantidade que especialistas consideram pequena.
A Noruega é outro exemplo de país que atrai mão de obra do mundo menos desenvolvido. Seu programa de importação de médicos é considerado um exemplo."Países escandinavos, especialmente a Noruega, têm excelentes programas para atrair médicos estrangeiros. Eles investiram muito no ensino da língua e na integração da família", cita Kloiber.
A parcela de médicos estrangeiros no país é de 16,3%. Com 4,2 médicos por mil habitantes, a Noruega também importa de países com um déficit maior que o seu. A maioria dos profissionais são da Alemanha (3,7), da Suécia (3,8), mas também da Polônia e do Iraque – com índices de 2,2 e 0,6 respectivamente.
Modelo exportação
Para evitar a saída de médicos de países onde o déficit é muito grande, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que seja evitada a contratação de profissionais de regiões com um índice de médicos por habitantes menor que o do país de destino. Segundo o plano do governo Dilma Rousseff, o Brasil seguirá a recomendação.
E se a ideia da OMS fosse seguida globalmente, um país com grande potencial para exportar médicos seria Cuba. A ilha caribenha possui um dos maiores índice do mundo – são 6,7 médicos por mil habitantes. Somente neste ano, afirma o Ministério de Relações Exteriores, 10 mil estudantes de medicina estão concluindo o curso no país.
"A exportação de médicos era parte da política de internacionalização de Fidel Castro para incrementar o prestígio internacional do país. A experiência foi bem sucedida e acabou se tornando uma importante fonte de divisas para o país", afirma Bert Hoffmann, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo.
O governo cubano já enviou médicos para 108 países. Atualmente possuiu convênios com Uruguai, Bolívia, Paraguai, África do Sul e Arábia Saudita, entre outros. Com a Venezuela, o acordo inclui médicos em troca de barris de petróleo.
Além disso, o pagamento de médicos cubanos enviados ao exterior é realizado por intermédio do governo cubano, afirma Hoffmann. "Eles recebem, a princípio, um salário equivalente ao cubano com um adicional. Dessa maneira, o valor pago é maior do que eles ganhariam em Cuba, mas bem menor do que os governos locais pagam". Otmar Kloiber, da WMA, cita ainda casos semelhantes em acordo feito entre os governos de Cuba e da África do Sul.
Mecanismo global de controle
Um ponto bastante contraditório na questão da “importação” de médicos é a qualidade da formação desses profissionais em determinados países. Segundo Kloiber, não existe um mecanismo global de controle dos conhecimentos profissionais de saúde.
"Existem acordos internacionais para controlar a qualidade dos médicos, acordos bilaterais, como é o caso da União Europeia, que facilitam internamente o reconhecimento de diploma", diz o diretor. Ele acrescenta que o mais comum é que médicos estrangeiros passem por uma prova no país onde desejam trabalhar.
No Reino Unido, os médicos precisam tirar um registro próprio do país. Nesse ano, o governo resolveu reforçar essas regras. Após uma série de erros cometidos por profissionais, médicos provenientes da Europa também precisam fazer um teste de proficiência de inglês – uma nova exigência.
Infográfico: Revalidação do diploma médico | |
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Em 2008, um paciente morreu após receber uma dose letal de um medicamento receitada por um médico alemão que não compreendia perfeitamente o idioma. Ele admitiu ter se confundido com as diferenças de medicamentos entre os países. No Reino Unido, 63% dos médicos que perdem o registro estudaram em outros países.
Segundo Kloiber, o modelo de importação de médicos pode funcionar bem, mas somente se houver certeza da qualificação desse profissionais. Mas ele se mostra cético quanto ao modelo cubano. "Se considerarmos só os números, a quantidade de médico exportada por Cuba, vê-se que não é possível para um país tão pequeno formar profissionais com qualidade, com contato suficiente com paciente."
Com anos de experiência em observação internacional, Kloiber acredita que, em muitos casos, a importação de médicos não é apenas uma ferramenta para cobrir a demanda.
"É uma questão política, para pressionar a classe médica". Questionado, ele não soube avaliar se esse é o caso do Brasil. "Na verdade, é claro que existe um déficit de profissionais. Mas a importação de médicos de Cuba como solução é duvidosa."