Foram dez anos sem reajustes nas bolsas de pesquisa oferecidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Mas, neste ano, promessas começaram a sair do papel e um aporte bilionário do governo reajustou o valor dos benefícios - ainda que não para todas as modalidades.
Essa foi a primeira medida emergencial apoiada pelo órgão que também espera dobrar os recursos de investimentos em laboratórios e infraestrutura, e encabeçar iniciativas para reter os pesquisadores no Brasil. É o que revela o presidente do CNPq, Ricardo Galvão, em entrevista exclusiva ao Terra.
"Essencial são os laboratórios. Nós temos que ter laboratórios avançados, com equipamentos cada vez mais modernizados, aprimorados e, principalmente, ter a capacidade de desenvolver tudo o que for soberano, necessário, aqui no País", argumenta.
Mesmo sem se prolongar no que diz respeito à gestão anterior, Galvão não se furtou a criticar decisões do governo Jair Bolsonaro para a pesquisa no Brasil, como o bloqueio de 53% do valor total do Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia para esse ano, por meio de medida provisória. O pesquisador vê a ciência brasileira hoje como debilitada, mas forte.
"Apesar dos últimos anos de retrocesso, a musculatura do sistema científico tecnológico brasileiro continua forte. Debilitada, mas forte, de maneira que possamos nos recuperar nessa gestão", diz ele, em referência à gestão de Jair Bolsonaro, governo sob o qual foi exonerado do cargo de presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Leia a entrevista completa a seguir.
Agora, após dez anos, houve o reajuste das bolsas para cientistas e pesquisadores. Como esse assunto foi tratado por você, ao ocupar o cargo de presidente do CNPQ? Qual a importância desse marco?
As bolsas de mestrado, doutorado e mesmo de iniciação científica e pós-doutorado não tinham aumento desde 2013. Havia uma demanda enorme na sociedade para que houvesse esse aumento. Participei da equipe de transição no grupo de ciência, tecnologia e inovação, e nós recebemos muitas demandas, principalmente, da Academia Brasileira de Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Fiocruz e várias associações científicas, colocando como emergência o aumento das bolsas. Então, para nós, o aumento das bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado, era prioritário.
Parte dos recursos dessas bolsas vem do Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia, o FNDCT, que tinha uma medida provisória do presidente [Jair] Bolsonaro bloqueando o fundo nesse ano a 53% do seu valor. Então, entramos no governo e começamos logo uma discussão com o Congresso para não ter recurso só para investimento sociais, mas também para atender as demandas emergenciais na ciência e tecnologia. Com isso, conseguimos para o CNPq o aumento de R$ 406 milhões para bolsas, e mais R$ 150 milhões para investimentos.
Com esses recursos, nós atendemos a demanda de aumento emergencial das bolsas, de 40%, mas não foi em todas as bolsas. Agora, acabamos o estudo do aumento das bolsas que não foram aumentadas. Estamos fazendo contato com os nossos parceiros, porque tem muitas bolsas que não são só CNPq que financia -- por exemplo, o Ministério da Saúde, a Fiocruz, a Petrobras, a Embrapa.
Qual é a previsão para esse aumento?
Junho ou julho.
Quais são outras demandas reivindicadas pela comunidade científica durante esse período do governo de transição que vocês, no CNPq, ainda estão trabalhando para conseguir ofertar?
Tenho uma demanda muito grande de aumento da internacionalização da ciência brasileira. Nos últimos anos tem decrescido muito o apoio, não só a mandar bolsistas para o exterior, mas o projeto de colaboração científica com o exterior. Uma delas, por exemplo, que já foi implementada pelo atual governo, foi a colaboração com a China para o desenvolvimento do satélite CBERS para monitoramento da Terra, principalmente Amazônia e outros biomas brasileiros. O Brasil tinha um programa exitoso com a China de desenvolvimento desse satélite, que foi descontinuado pelo governo Bolsonaro.
Nós fizemos também uma ação prioritária para instalar um reator multipropósito brasileiro, essencial para a produção de radiofármacos no Brasil. Isso também não tinha sido apoiado devidamente no governo anterior. Nós estamos agora provendo recursos e colocando isso como prioridade para o governo.
Outro fator importantíssimo que nos pediram e agora nós estamos fazendo um estudo disso é reduzir fortemente a diáspora dos cientistas brasileiros, ou seja, atrair cientistas brasileiros que estão no exterior para o Brasil e também dar condições para que cientistas que se doutoram no Brasil possam encontrar emprego aqui. Nós estamos formando quase 24 mil doutores por ano e não estamos oferecendo mais do que mil bolsas por ano.
Estamos fazendo um programa grande, que também foi pedido, para ter mais investimentos em laboratórios, para novos equipamentos, manutenção de equipamentos e recuperação dos laboratórios que não estão com instalações como deveriam estar. E também estamos com outro pedido importantíssimo: a modernização, melhor dizendo, o aprimoramento das nossas plataformas de dados, das duas plataformas CNPq - a plataforma Lattes e a plataforma Carlos Chagas - que têm todos os dados da ciência brasileira e que estavam muito atrasadas no seu aprimoramento.
Com relação a esse projeto de retomada de cientistas brasileiros que estão no exterior, qual é o plano, exatamente?
É claro que o CNPq não pode oferecer trabalho. Nós estamos fazendo um estudo, que ainda não está definido, não tivemos resultado, mas ou devem ser bolsas especiais com valores mais altos para eles retornarem ao país e também o que nós chamamos de um 'enxoval', ou seja, recursos extras para ele montar o seu próprio laboratório ou se instalar num laboratório já existente, desenvolvendo sua própria linha de pesquisa. Ou então o que nós estamos vendo é usar a mudança que houve na reforma trabalhista passada que permite ao setor público fazer contratos temporários com regime CLT.
Estamos fazendo esse estudo para ver se conseguimos dar a esses pós-doutores uma situação mais permanente, porque muitos deles querem voltar para o país, mas não se satisfazem com uma bolsa; eles querem um contrato de serviço. Estamos fazendo um estudo detalhado: como que o governo brasileiro ou as fundações poderiam participar disso, e até empresas para dar contratos temporários de serviço para esses cientistas poderem voltar pro Brasil.
A ideia é que o estudo seja concluído ainda neste ano?
Assim esperamos. É uma parte legal que não é simples. Nós temos a ideia e vai para a assessoria jurídica ver todos os empecilhos e as normas. Isso está sendo trabalhado agora, para que possa ser implementado esse ano.
Galvão, levando em consideração a sua experiência passada como diretor no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a narrativa do governo Lula de colocar as questões da crise climática como foco no governo, que espaço a questão ambiental vai ocupar no CNPq em sua gestão? Terão novos projetos específicos?
Na equipe de transição nós discutimos bastante isso. Fizemos primeiro uma iniciativa no nível mais alto: propusemos que fosse criado uma subsecretaria para a Amazônia no Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação. A ideia foi aprovada, houve uma reestruturação no ministério e, agora, existe uma subsecretaria que vai cuidar de projetos específicos para a Amazônia. No CNPq nós também temos uma diretoria científica, um grupo especializado em questões de mudanças climáticas e projetos nessa direção.
Provavelmente faremos chamadas especiais nessa área. Não foi ainda articulado, porque eu tenho que acertar [os detalhes] com o subsecretário da Amazônia. Mas estamos olhando nessa direção.
Outro ponto é que nós tínhamos aqui no CNPq duas coordenações separadas: uma que lidava com agronegócio e outra com meio ambiente. Agora, houve uma reestruturação interna e nós unimos essas duas coordenações. Colocamos sob a mesma liderança, vamos dizer assim, o agronegócio e o meio ambiente, dando importância ao meio ambiente no agronegócio. Ou seja, a ideia é olharmos iniciativas para um agronegócio sustentável. Vamos seguir muito nessa direção.
Em meio a esse processo de retomada nos investimentos na ciência, qual sua mensagem para os atuais e futuros pesquisadores? Por que esse é o caminho?
Hoje em dia nós estamos enfrentando, talvez o cidadão comum não se aperceba disso, o que nós chamamos de "economia do conhecimento". O mundo está avançando numa direção em que o grande ouro, o grande poder, vai estar cada vez mais no conhecimento. Então, é necessário termos conhecimento avançado para isso. Grandes empresas que estão aí, nessa direção, estão cada vez mais isoladas. Está ficando cada vez mais difícil que o cidadão comum, o trabalhador, se beneficie disso.
O Brasil não vai ter um desenvolvimento sustentável e socialmente justo sem uma sociedade que tenha uma mínima alfabetização científica para discernir sobre as políticas públicas que lhe são apresentadas. Todo mundo está falando agora sobre o chat GPT, por exemplo. Essas evoluções vão cada vez mais isolar parte do setor produtivo de trabalhadores e as pessoas têm que estar preparadas para isso.
Nós temos que estimular fortemente os nossos jovens a entrarem na ciência e tecnologia. Temos um número de doutores por cidadão que é absolutamente ridículo comparado com outros países. Pode ter certeza que nesses próximos anos vamos investir fortemente para que quem se dedicar à pesquisa científica e à carreira científica seja devidamente apoiado.
O CNPq tem expectativa de aumentar a quantidade de bolsas ofertadas nos próximos anos? Qual é a meta?
No CNPq nós fizemos um aumento de 4.500 bolsas [sendo 3.000 novas bolsas de iniciação científica, 1.000 novas bolsas distribuídas entre o mestrado e o doutorado e um acréscimo de 500 bolsas de produtividade em pesquisa]. Mas nós não temos uma previsão de aumentar fortemente esses números. Nós temos a previsão de aumentar fortemente, pelo menos dobrar, os recursos e investimentos.
Essencial são os laboratórios. Nós temos que ter laboratórios avançados, com equipamentos cada vez mais modernizados, aprimorados e, principalmente, ter a capacidade de desenvolver tudo o que for soberano, necessário, aqui no país. Por isso a preocupação do CNPq dos próximos anos será aumentar fortemente os recursos para investimento em ciências de tecnologia.
A maior parte de toda ciência brasileira é produzida em universidades. Não há diferenças entre públicas e privadas, desde que sejam privadas que invistam em conhecimento. Tem também as unidades de pesquisa do próprio governo, os laboratórios da Fiocruz que foram importantíssimos para o desenvolvimento da vacina, os laboratórios do Butantan… Todos esses laboratórios usam recursos de projetos científicos.