"Percebi que a minha escola era o mundo". A frase reflete o que a professora Fernanda Pessoa, de 42 anos, uma das maiores referências do ensino de Português e Redação no Brasil, pensa sobre educação. Com mais de 100 mil alunos aprovados em universidades, cinco deles nota mil no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) - dos últimos 4 anos de curso online-, ela fala sobre ensinar com brilho nos olhos.
O senso crítico, a persistência e a vontade de ser médica na África, fizeram com ela chegasse até aqui. Acredite, ela tinha tudo para dar errado.
De família humilde e sem dinheiro, Fernanda conduzia um caminhão de dificuldades. Sem romantizar a própria história, mas reconhecendo suas dores, Fernanda decidiu dar ouvido à intuição e seguir pelo caminho que mais fazia sentido em sua vida: levar conhecimento às pessoas, mesmo com todos questionando sua decisão.
Filha de uma dona de casa e um professor de matemática de escola pública, Fernanda nasceu em Arcoverde, sertão de Pernambuco. Mesmo sem acesso a livros didáticos, desde pequena ela é autodidata. Aprendeu como dava, até que aos 15 anos viveu uma virada de chave. A maternidade precoce e solo fez com que ela buscasse meios de sustentar a própria filha.
"Filho de pobre tem que trabalhar"?
Seu pai avisou que lhe daria apoio emocional, mas não teria como dar qualquer auxílio financeiro.
"Na minha cabeça, eu queria ser médica na África, só que meu pai sempre disse que filho de pobre tem que trabalhar, não estudar", relembra.
Fernanda, então, começou vendendo biscoitos para pagar o enxoval da pequena. Quando ela nasceu, trabalhou ainda mais para poder pagar a fisioterapia da filha, que teve uma paralisia cerebral.
Ao se formar no Ensino Médio, foi para a faculdade e decidiu estudar Letras, pois viu ali a oportunidade de dar mais aulas e, consequentemente, conseguir mais dinheiro para se sustentar. "Sempre foi sobrevivência”, resume.
Após sua formatura, a professora se mudou para o Recife para trabalhar em uma escola, onde ganhava R$ 300. Além disso, começou a dar aulas particulares no período da noite para complementar a renda. Às vezes, só lhe sobrava R$ 50 para comer durante todo o mês.
"Eu me criei. O universo disse assim: 'Sua vida vai ser um aserehe ra de re'", brinca ela, em referência à música da girlband Rouge.
O desenvolvimento do método próprio
Ao trabalhar nas escolas, Fernanda Pessoa se viu obrigada a dar um conteúdo que não era cobrado nos vestibulares. Então, fez um combinado com os alunos de redação: dava dez para todos, o ano todo, mas eles teriam que escutá-la. Foi aí que ela começou a ter problemas com a direção.
"Eu via que durante rolava uma mudança linda, mas que limitava muito, porque eu tinha 50 minutos para dar uma aula, e eu era obrigada a fazer uma caderneta, a cumprir um conteúdo programático que é uma mentira. Por quê? Se o aluno é cobrado para fazer uma dissertação argumentativa, por que é que eu vou perder tempo ensinando um aluno a fazer uma fábula? Eu nunca consegui fazer isso", desabafa.
Fernanda passou por várias escolas, e em todas foi demitida. Nos anos 2000, começou a dar aulas em uma sala nos fundos de um açougue para 13 alunos. Aos poucos, o número foi aumentando. Sete anos depois, ela já lecionava para 700 estudantes em turma diferentes.
A professora se viu provocada a reinventar sua forma de ensinar após uma aluna reclamar da aula sobre Quinhentismo, a primeira manifestação literária no Brasil. Com a queixa, ela vendeu seu único carro e viajou para a Itália, a fim de fotografar e estudar.
"Estudei o mundo no mundo. Achei que era muito mais interessante e eu quis trazer para a sala", explica.
Ela ainda salienta que, naturalmente, nós somos visuais, então, é mais fácil aprender em um ambiente assim. Fatos, arte e cores levaram Fernanda a desenvolver seu próprio método de ensino, que usa áreas diversas, como sociologia, filosofia e história da arte, para que os alunos tenham capacidade de argumentação em qualquer tema proposto no vestibular.
Naquele ano, segundo ela, mais de 90% dos alunos aprovados em todas as universidades de Medicina e Direito de Pernambuco, eram dela. "Foi muito revolucionário porque nunca tinha acontecido isso", relembra.
Incentivo para os alunos
A rede de alunos foi crescendo no "boca-a-boca", como descreve, até que em 2010 Fernanda conseguiu abrir seu próprio espaço. Com apenas R$ 5 mil, ela fez nascer o Curso Fernanda Pessoa.
"Eu tinha duas mãos e o sentimento de mundo, como disse meu amigo Drummond", brinca a professora, que acumula mais de 100 mil alunos aprovados em centenas de universidades.
Fernanda afirma que seu trabalho é colocar o jovem onde ele quer estar, independentemente de sua classe social, e de onde ele veio. Ela reconhece a injustiça social sob a qual vive a nossa sociedade, mas tenta mostrar aos alunos que isso não pode pará-lo.
"Eu tento mostrar para eles que escrever é uma consequência de pensar, e, quando a gente se empodera com conhecimento, a gente chega onde a gente quiser", destaca.