Com seus resultados utilizados para ingressar na maioria das universidades públicas brasileiras, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ainda não quebrou a resistência da Universidade de São Paulo. Seus candidatos precisam passar pela concorrida prova da Fuvest, pela qual são aprovados cerca de 11 mil alunos anualmente. Mas, nesta segunda-feira, o reitor da universidade, Marco Antonio Zago, afirmou ser um defensor do exame. Zago informou que a USP está repensando seu vestibular. “O Enem é um exame muito bom, e a USP está reestudando seu vestibular e o ingresso. Não que o vestibular atual seja ruim, mas temos de considerar outras opções. O Enem seria uma opção razoável, mas isso depende do Conselho Universitário.”
Apesar de defender novas formas de ingresso, Zago explicou que mudanças na maior universidade do País precisam passar por um longo processo. “Nada se impõe na USP, é preciso convencer as pessoas, debater”, afirma. A dificuldade de mudança de currículo na universidade é um exemplo de como as estruturas de curso são muito rígidas. “Se você tomava a decisão de mudar o currículo, demorava dois anos para ser executado, passava pela unidade, pela reitoria, caminhava em uma série de comissões e finalmente, conselhos. Não tinha fim. Estamos trabalhando para quebrar essas estruturas e para que as faculdades tenham o poder de decidir seu próprio currículo”, afirmou.
O encontro com jornalistas aconteceu durante o III Congresso Internacional de Reitores Universia, neste dia 28, no Rio de Janeiro, com a participação de 1.103 reitores de universidades de 33 países. No evento, Zago presidiu o painel de debates “Pesquisa, inovação e transferência”, em que defendeu o investimento em pesquisa e inovação. A USP é responsável por 23% de toda a produção científica no Brasil e uma das universidades que mais tem patentes no País – só em 2013, foram mais de 100.
Internacionalização
Nesta terça-feira, a USP fechou um acordo com as universidades de Buenos Aires (UBA) e Autônoma do México (UNAM), o qual prevê o reconhecimento de títulos, o intercâmbio de alunos e colaborações para buscar fontes de financiamento. A carta de intenções prevê a conformação "imediata" de um comitê executivo que atuará como agente de definição de estratégias e de atividades conjuntas entre as três universidades, as mais importantes dos países onde se encontram.
O reitor comentou sobre a importância da internacionalização, assunto bastante debatido no congresso. “As universidades não podem ser centros isolados de inovações, devemos pensar em uma grande rede de universidades do mundo todo, com cores e perfis apropriados ao local a que pertencem, substituindo a visão de competição.”
Recentemente, a USP fechou os três escritórios internacionais que havia aberto em 2013, em Cingapura, Boston e Londres. No encontro, Zago justificou o fechamento dizendo que o programa estava previsto para terminar em 25 de janeiro e que houve mudanças na política de internacionalização da universidade. “É muito mais interessante uma estratégia de compartilhamento, de troca de representantes entre a Universidade de São Paulo e outras universidades parceiras, onde já existe uma relação forte com o Brasil, como por exemplo, a Universidade de Salamanca (Espanha). Colocamos alguém lá e eles cedem o espaço, além de colocarmos alguém deles aqui.”
A instituição mantém programas de intercâmbio com universidades portuguesas, além de um acordo de pesquisa compartilhada com a Universidade do Porto, com projetos comuns.
Pagar pelo ensino público
Quanto à polêmica levantada por uma reportagem da Folha de São Paulo, sobre a possibilidade de alunos com melhores condições financeiras pagarem mensalidades devido à crise que a USP enfrenta, Zago foi categórico ao dizer que a instituição continuará gratuita. “Essa é uma questão com opiniões muito diferentes nos países, porque alguns entendem a necessidade de cobrar dos que podem pagar como uma medida de justiça social. Na USP, esta não é uma questão importante a ser resolvida no momento. Ela é uma universidade pública, é gratuita no seu regimento. No Brasil, a Constituição garante que as universidades públicas devam ser gratuitas.”
Ensino privado x ensino público
O reitor acredita que a atenção do País deve se voltar ao ensino secundário, pois o Brasil está mal em indicadores internacionais. Os alunos que entram na universidade não estão preparados e, para o reitor, é nessa fase do ensino que se aprofundam as diferenças sociais. “Neste momento, as pessoas de famílias mais abastadas têm oportunidade de um ensino de melhor qualidade. Enquanto aqueles que vêm das menos abastadas têm de se restringir ao ensino público. Não vamos dizer que o ensino público brasileiro é genericamente ruim, mas em sua maioria é menos competitivo. No ingresso à universidade, essa diferença fica muito evidente.”
Zago informou que, dos 460 mil alunos que terminam o ensino secundário, 80 mil são do ensino privado, contra 380 mil do público. Dos alunos que se inscrevem para o vestibular da USP, 63% são do ensino privado, contra 37% do público. Daqueles que passam nas provas, 32% são do ensino público. A USP não utiliza o sistema de reserva de vagas para cotistas, mas mantém uma política de bônus: alunos oriundos da rede pública ganham um acréscimo na nota do processo seletivo. “A USP de certa forma aplica uma política de cotas, embora isso não seja dito abertamente. Ela nunca disse que iria reservar 50% das suas vagas para o ensino público, mas o que dissemos foi que, até 2017, esperamos que 50% dos nossos alunos venham do ensino público”, projeta Zago.