Na semana em que boa parte das universidades brasileiras começa a receber seus alunos, jovens com as caras e roupas sujas de tinta invadem as ruas das cidades. São os calouros passando pelo trote.
Na maioria das instituições do Brasil e do mundo, os novos estudantes passam por alguma versão desse ritual de iniciação. E não é de hoje: há relatos sobre esse ritual de passagem desde a época de Platão. Pesquisador do tema desde 2001, Antonio Almeida aponta que na Idade Média, por exemplo, os calouros tinham que raspar o cabelo e ter suas roupas queimadas, sob a justificativa de evitar a propagação de doenças. Mas também havia o propósito de humilhar os “bixos”.
No Brasil, é comum ver estudantes sujos de tinta e farinha pedindo dinheiro nos sinais. Também são realizadas festas para receber os calouros. Contudo, muitas vezes, a brincadeira passa dos limites, e o que seria um momento de integração entre calouros e veteranos pode acabar em tragédia.
Foi o caso dos estudantes feridos nas Faculdades Adamantinenses Integradas, em Adamantina, ao serem recebidos com ácido pelos veteranos - um deles corre o risco de perder a visão. Ainda que casos como esses aconteçam com certa frequência, ainda não existe nenhuma lei federal que regulamente a prática do trote universitário. Um projeto de lei (PLC Nº 9 de 2009) chegou a tramitar no senado no final de 2014, teve parecer aprovado pela Comissão de Educação, mas foi arquivado ao final da legislatura
Há, contudo, algumas leis nos âmbitos estaduais e municipais. Desde 1999, os trotes promovidos sob coação, agressão física, moral ou qualquer outra forma de constrangimento que possa acarretar risco à saúde ou à integridade física dos alunos de escolas superiores e universidades estaduais são proibidos em São Paulo.
Um caso emblemático é o do jovem Edison Tsung Chi Hsueh que, em 1999, foi obrigado a entrar na piscina, sem saber nadar. O calouro morreu afogado, e quatro estudantes foram acusados pela morte do rapaz. O caso foi arquivado pelo Superior Tribunal de Justiça por falta de provas, e os estudantes foram inocentados.
Em Minas Gerais, a lei nº 21165/2014 passou a vetar o trote estudantil violento nas instituições de ensino médio, públicos e privados, e nas universidades públicas estaduais. Municípios como Pelotas, no Rio Grande do Sul, e Barretos, em São Paulo, também possuem leis que proíbem o ato. Além disso, algumas universidades também regulam o tipo de trote e proíbem a violência, incentivando os trotes solidários em que os calouros doam sangue ou arrecadam alimentos, por exemplo.
Almeida, que também é professor de ciências humanas na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, acredita que esse “ritual de passagem” no início da faculdade não deveria de existir, pois sempre acaba prejudicando alguém. Segundo ele, mesmo os trotes que não são fisicamente violentos podem trazer problemas psicológicos, fazendo o estudante se sentir humilhado.
“O trote é muito diferente de uma comemoração. O princípio do trote é o domínio do outro. Em algumas universidades é uma ação esporádica, mas em outras já é algo institucionalizado, com grupos intolerantes formados especialmente para isso”, explica. Ele acredita que as instituições devem educar seus alunos para a cidadania, punir os alunos que realizam trotes violentos e não conceder espaços para este tipo de recepção dos calouros.
Embora o trote estudantil, especificamente, não seja crime, a advogada Alessandra Prata esclarece que os atos praticados nos trotes podem configurar diversas infrações previstas no Código Penal, como lesão corporal (artigo 129), injúria (artigo 140), ameaça (artigo 147l), constrangimento ilegal (artigo 146) e até homicídio (artigo 121).
Segundo ela, as instituições de ensino também podem ser responsabilizadas pelos trotes abusivos, por meio do Código de Defesa do Consumidor. “Também há a responsabilização civil, a famosa indenização por danos morais. O aluno que for vítima de trote e sentir-se lesado deve procurar um advogado para ajuizar esta ação”, explica.