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Universitários compram monografias por até R$ 5 mil

Comércio de TCC pode não ser considerado crime, mas universidades podem punir

12 nov 2014 - 07h20
<p>Diferentes sites oferecem serviços de elaboração de trabalho de conclusão de cursos universitários explicitamente</p>
Diferentes sites oferecem serviços de elaboração de trabalho de conclusão de cursos universitários explicitamente
Foto: Débora Melo / Terra

Há três décadas, um professor de escola pública do Rio Grande do Sul vende Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) para estudantes de diferentes universidades e cursos. Protegido pelo sigilo de quem compra e pela ausência de legislação específica, o gaúcho contabiliza mais de 100 trabalhos que tiveram participação sua, mediante pagamento - de alterações e elaboração de capítulos até monografias completas. O sucesso, diz, é garantido. “Olha, não rodei nenhum. Passei todos”, responde com uma risada contida.

A “prestação de serviço”, como ele chama, começou quando estava se formando, no final da década de 1980. A primeira monografia que ajudou a fazer foi para um “parceiro” do Direito. “Primeiro eu fazia correção ortográfica, colocava nas normas da ABNT, o que era o pavor do pessoal todo”, conta. “Foi depois que começou (a venda de monografias).”

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Há muitos anos, o preço por lauda é o mesmo: R$ 50. A procura, no entanto, diminuiu, conta. Um TCC por semestre é a média atual. Para conhecidos, tem desconto. Se o aluno está “com a corda no pescoço”, há taxa de emergência. “Não fiquei rico, mas já ganhei um bom dinheiro nos trabalhos grandes.” O motivo da compra de monografia varia, segundo ele. O mais frequente é o estudante dizer que não consegue por questão de tempo, por ter de trabalhar além de se dedicar aos estudos. Outra desculpa é a velha preguiça.

O professor alega não sentir medo da prática ser descoberta, mas pede à reportagem que seu nome seja mantido em sigilo. Ele vê um lado bom e outro ruim em seu "negócio". Do ponto de vista financeiro e da satisfação do cliente, é "ótimo". Mas ele considera negativo o fato de ajudar a formar maus profissionais.

Venda é explícita na internet

A mesma fragilidade na legislação que protege o professor gaúcho permite que diferentes sites ofereçam tais serviços explicitamente na internet. A reportagem do Terra contatou uma professora responsável por uma dessas páginas que se negou a dar entrevista e justificou seu trabalho por uma questão financeira: “Eu entendo este tipo de pauta (jornalística), mas é importante ressaltar que as pessoas que fazem isso são professores que não têm um salário adequado nem qualquer valorização profissional. Cada vez que é feita uma reportagem sobre isso, é retirada a chance desses professores sustentarem suas famílias.”

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Em outros casos, quem elabora as monografias prefere o anonimato absoluto na internet, como uma jovem publicitária que trabalha em São Paulo e foi contatada pela reportagem como se fosse para prestar o serviço. “O trabalho é supersigiloso e feito totalmente do zero, para não ter risco de plágio, de achar na internet, aquela coisa toda”, revelou por email. “Eu não comento com ninguém que fiz o seu trabalho, pois também é perigoso pra mim.”

A preocupação da publicitária está em garantir que o aluno comprador não seja descoberto e que ninguém seja punido criminalmente, já que o plágio é crime previsto no Código Penal. Além disso, a cópia de trechos de outros trabalhos é mais facilmente detectada pelas universidades, que contam com softwares capazes de buscar, na internet, as fontes originais do conteúdo. Por isso, a jovem promete um trabalho "do zero". Ela diz que já elaborou seis TCC para universitários, todos aprovados. A nota mais baixa foi 7,5 em um projeto feito em menos de um mês. Os outros cinco tiveram notas entre 8,5 e 10 - e ninguém nunca desconfiou, diz a autora dos trabalhos.

Ela conta que o preço médio das monografias encomendadas com antecedência são de R$ 5 mil, pagos em até cinco parcelas. Tema, anteprojeto - documento que serve de introdução ao trabalho e define o professor que vai orientá-lo - e até bibliografias ficam por sua conta. Quando o TCC é finalizado, a publicitária ainda se encarrega de adequá-lo às normas da ABNT, o que está dentro do valor combinado. Em vez de comprovar seus conhecimentos, o estudante só tem o trabalho de imprimir o material e se preparar para apresentá-lo à banca. 

Orientadores devem estar atentos

Só chega à banca o aluno que consegue enganar seu orientador, estratégia já pensada pelos dois autores contatados pelo Terra. “Tudo o que o orientador for passando para ti é tua obrigação passar para mim, assim o material fica redondo e a nota alta”. Assim, a publicitária promete avançar no trabalho de acordo com as observações do professor, para não gerar desconfiança. 

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Para Helena Couto Pereira, decana de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie, os casos seriam raros se a orientação por parte dos professores fosse adequada. Ela acredita que, muitas vezes, os professores ficam preocupados unicamente com o produto final, deixando de cobrar e investigar o andamento do trabalho. “O segredo é esse: orientação é processo, não é produto. Se todo mundo agisse assim, não teria mercado”, defende a professora. “Quem acompanha o aluno sabe o que ele pode e o que não pode fazer.”

De acordo com Helena, existem comportamentos que indicam ao orientador que algo está errado. Quando o aluno chega com várias bibliografias não indicadas pelo professor, é suspeito. Helena, que orienta alunos do curso de Letras, conta que desconfiou de um orientando quando ele apareceu, “de uma hora para outra”, com 30 novas páginas sem nenhuma vírgula errada. “Aí eu sentei, entrevistei, pedi para escrever outra página (na hora). Acho que tudo está muito na mão do professor. Só é preciso bom senso”. O tal estudante desistiu do trabalho dias depois.

Universidade é cúmplice

Além de criticar a compra de monografias pelo aspecto ético, Helena ressalta que fingir “assimilar o saber” pode gerar lucro imediato, como uma promoção no trabalho, mas não faz diferença a longo prazo. “Ele simplesmente ganha o título. O conteúdo, não ganha. É carreirismo”, afirma.

Quando um aluno é aprovado com um TCC feito por outro, a universidade vira, de certa forma, “cúmplice de um ato ilícito”, diz Helena. Segundo ela, a orientação na Mackenzie para casos desse tipo é eliminar todos os créditos cursados pelo estudante por ele ter agido de má-fé. No entanto, a professora espera que o aluno deixe a instituição antes que descubram o ato. “Sumir da instituição é a melhor coisa que pode acontecer. Plagiou? Está nas vias de ser descoberto? Suma.”

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Na USP, por sua vez, há uma Comissão de Ética que analisa casos desse tipo e sugere uma punição. De acordo com a universidade, o aluno que compra uma monografia ou comete plágio pode sofrer desde suspensão até o completo desligamento da USP.

Antiético, ato pode não ser considerado crime

Pela ausência de legislação específica, não se pode afirmar que a compra ou a venda de monografias seja um crime. De acordo com Laila dos Reis Araújo, advogada especialista em direito autoral, existem doutrinadores que entendem que a conduta apenas geraria problemas administrativos, por serem contrários às normas que qualquer universidade.

Por outro lado, há estudiosos que afirmam que a prática do aluno poderia ser enquadrada como crime de falsidade ideológica ou estelionato. No primeiro caso, ele estaria inserindo “declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita”, já que o TCC deveria incluir o seu conhecimento, e não o de terceiros. Em contrapartida, existem estudiosos que afirmam não ser possível provar tal falsidade.

Já o crime de estelionato - obter vantagem para si em prejuízo de outro, utilizando um esquema que induz ao erro - poderia ser caracterizado pelo fato de o estudante prejudicar a universidade ao fraudar seu trabalho; mas ainda assim há quem exclui essa possibilidade justificando não haver prejuízo concreto a ninguém.

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Apesar da falta de consenso, se a Justiça julgar um caso desses como crime, é possível que a pessoa que vendeu o serviço seja apontado como coautor, já que participa do evento e omite a informação. Laila afirma não ter conhecimento de um caso desse tipo classificado como crime.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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