Quem passa pela Avenida Imperador, na Zona Leste de São Paulo, avista de longe uma faixa amarela pendurada na entrada de uma oficina mecânica, estabelecimento que está há três décadas no bairro. É a homenagem que a jovem Nathalia Fernandes Correia Silva, 24 anos, recebeu do seu pai após se formar em Medicina no fim deste ano. "Fiquei sem palavras quando eu vi, fiquei muito feliz, emocionada", relembra a mais nova médica e a primeira da família, em entrevista ao Terra.
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O pai de Nathalia, o mecânico Janilton Correia da Silva, 54 anos, colocou a faixa em sua oficina em novembro. A homenagem para parabenizar a filha pelo diploma do ensino superior traz versos da música Faixa Amarela, do cantor Zeca Pagodinho.
"Eu quero presentear a minha linda donzela. Não é prata, não é ouro, é uma coisa bem singela. E vou mandar pendurar uma faixa amarela na entrada da favela", diz o texto. Na sequência, ele escreve "Parabéns filha pela conquista. Dra. Nathalia. A favela venceu" e acrescenta uma foto da jovem.
Emocionada, Nathalia publicou várias fotos e vídeos da homenagem nas redes sociais, comemorou a formação e agradeceu ao pai. Dias depois, ela foi surpreendida: as publicações no TikTok e Instagram viralizaram e, até este mês, já contam com mais de 1,8 milhão de visualizações.
Durante a entrevista ao Terra, mais uma surpresa: o Zeca Pagodinho curtiu e compartilhou o post dela nos Stories do Instagram. "Estou tremendo", diz a jovem ao receber a notificação no celular.
Segundo a médica, que mora em Itaquera com a família, ela nem imaginava que o pai faria isso. "A ideia foi toda dele. Quando eu terminei a faculdade, meu pai disse que não ia ter condições de comprar o anel de formatura para mim. E eu falei: 'Pai, fica tranquilo, não precisa se apegar a isso'. Mas aí ele disse que ia fazer uma homenagem de qualquer forma para mim."
"Um dia, quando eu estava voltando de um evento, cheguei na oficina e estava lá a faixa. Ele superfeliz e orgulhoso. Eu achei supercriativa. Eu e meu pai temos uma conexão muito forte, somos muito amigos. A música do Zeca Pagodinho foi porque nós gostamos muito de samba, eu cresci escutando samba e pagode em casa. Foi uma escolha dele, mas essa agora virou uma das minhas preferidas", revela.
E a faixa não repercutiu somente nas redes sociais. A médica afirma que a homenagem chamou bastante a atenção da vizinhança. "As pessoas param na oficina do meu pai pra tirar foto da faixa. Vão lá, falam parabéns. Todo mundo adorou."
A trajetória até a formação
Nathalia afirma que sempre sonhou em atuar na área da saúde por causa da sua mãe, a enfermeira Alecsandra Fernandes Correia da Silva, 49 anos. "Ela é uma grande referência para mim. Eu cresci vendo ela em hospitais, trabalhando na área, então eu quis fazer algo voltado à saúde. Mas Medicina era um curso meio que inalcançável por conta dos valores das mensalidades."
Apesar das dificuldades, a jovem diz que decidiu que queria ser médica e recebeu o apoio e incentivo de toda a família. "Quando eu passei no vestibular, em uma faculdade particular, minha mãe falou: 'Olha, vamos tentar dar um jeito'", recorda.
Para pagar as mensalidades do primeiro ano do ensino superior, em 2018, e realizar esse sonho, Nathalia conta que os pais começaram a vender bens materiais de casa, como o carro deles, relógio, celular e notebook. Conforme a jovem, o início foi "bem puxado", mas a partir do segundo ano do curso, ela conseguiu o financiamento estudantil, o que foi um grande alívio para toda a família.
Agora, depois de seis anos e formada em Medicina, Nathalia afirma que pretende se especializar em anestesiologia. "Se tornar médica é um sonho realizado, não só meu, como da minha família, dos meus pais também. Porque só eu sei a luta que foi para eles me sustentarem nesses seis longos anos. A gente deixou de lado muita coisa. Me sinto muito grata. Eu devo tudo o que eu tenho hoje a minha família e espero poder retribuir pelo menos metade do que eles são pra mim."