A divulgação, por parte da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), de notícia sobre a ausência de pessoas pretas nos cursos mais concorridos da Universidade de São Paulo (USP) alimentou uma polêmica sobre a forma mais correta de se classificar a população pela cor ou raça. Com a bandeira do "politicamente correto" levantada, alguns defenderam que seria melhor utilizar os termos negros ou afrodescendentes. Mas é errado chamar alguém de preto?
O debate começou porque a Fuvest, responsável pela seleção dos alunos da USP, adotou o padrão de classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que divide a população do País em cinco grupos: pretos, pardos, brancos, amarelos e indígenas.
A alegação é histórica: o primeiro censo demográfico do Brasil foi feito em 1872 e perguntava aos brasileiros em qual dos quatro grupos eles se enquadravam: preto, pardo, caboclo ou branco. Ao longo de mais de 140 anos, foram feitas algumas mudanças na nomenclatura, mas ainda não há consenso sobre a forma de classificar a população.
José Luiz Petruccelli, que faz pesquisas sobre diversidade racial há mais de 20 anos no IBGE, reconhece que a classificação pode ser aprimorada, embora defenda que o modelo segue uma série histórica e mudanças poderiam prejudicar a comparação dos dados. "Esse é um tema muito polêmico. Alguns defendem que deveríamos usar a classificação negro, mas o negro é uma identidade social. Leva em conta uma visão política, a identidade de um povo muito mais do que a cor da pele", defende.
O especialista diz não ser correto, para efeito de pesquisas, reunir pardos e pretos em um só grupo, de negros. Segundo ele, a discriminação contra os pretos é muito maior do que a verificada entre as pessoas que se autodeclaram pardas, e essa diferença precisa estar presente nos levantamentos demográficos. "Existe diferença no comportamento social entre pretos e pardos: quanto mais escuro, mais discriminado", afirma.
Já a União de Negros pela Igualdade (Unegro), organização de movimentos sociais criada na Bahia e presente em 24 Estados, defende que o mais adequado é usar o termo negro, embora aceite as regras do IBGE. "Como não existe um critério científico para essa classificação, acordou-se em usar a nomenclatura do IBGE para pesquisas, que seria o mais próximo do viável", disse Alexandre Braga, diretor de comunicação da entidade.
Apesar de concordar que quanto mais escura a cor da pele, maior a discriminação, a Unegro acredita que o IBGE possa vir a usar apenas a classificação negro no futuro. "As pessoas se identificam mais como negras do que pretas ou pardas", afirma Alexandre.
Preto e pardo
Nas pesquisas do Censo feitas pelo IBGE, é apresentada uma relação com as cinco nomenclaturas utilizadas e as pessoas precisam indicar a qual cor pertencem. Segundo Petruccelli, cada pessoa tem liberdade para dizer a sua classificação. Ele explica que pretos normalmente são as pessoas que se enxergam com a cor mais escura. Mas em relação aos pardos não há consenso. "Normalmente são as pessoas que se classificam como ‘morenas’ ou ‘mulatas’, mas isso depende na região", afirma.
O pesquisador diz ainda que nas regiões Sul e Sudeste, a população que se declara parda normalmente é de origem africana. Porém, no Norte, muitos pardos são, na verdade, descendentes de indígenas. Ele ainda conta uma história curiosa sobre a situação no Distrito Federal. "A população local, por mais branca que seja a sua pele, se classifica como parda porque vê os brancos como os funcionários públicos que vieram de fora".
De acordo com o pesquisador do IBGE, a presença de pretos é menor no Brasil, por isso existe a tendência em reunir pardos e pretos em um grupo de negros. Ele diz que apenas para as pesquisas o termo não se aplica, mas que na convivência social é válido agrupar as duas nomenclaturas. Para o representante da Unegro, ocorre também a resistência em assumir a cor preta e muitos preferem ser incluídos na lista dos pardos - que seria uma forma intermediária. "A identidade do negro é muito maior, por isso defendemos a utilização desse termo", afirma.
E o afrodescendente?
De acordo com o diretor da Unegro, o termo afrodescendente - ou afrobrasileiro - está em desuso. "Acredito que hoje seja muito mais adequado chamar alguém de negro do que de afrodescendente. Essa é muito mais uma nomenclatura política, de ação dos movimentos sociais na luta contra discriminação do que para designar a cor", explica.