Com quase 12 mil habitantes, Porto Walter foi emancipada em 1992, e está localizada no oeste do Acre. A cidade, que vivia isolada e ganhou há menos de um mês a única passagem terrestre para Cruzeiro do Sul - segunda maior do Acre -, foi campeã de abstenção de votos nas eleições presidenciais de 2018. Dos 6.089 eleitores portowaltenses, somente 3.211 compareceram às urnas, registrando 47,27% do eleitorado ausente nas 27 zonas eleitorais, que incluem também à área rural.
Antes de chegar até lá, a reportagem do Terra imaginava ouvir como resposta que essa abstenção se dava por causa da dificuldade de chegar até a zona eleitoral. Afinal, quem mora na área rural precisa atravessar o Rio Juruá de barco para chegar ao Centro, na zona urbana.
Mas o motivo dos moradores de Porto Walter é outro: a falta de interesse em participar do pleito. Promessas feitas durante a campanha e não cumpridas ao longo do mandato, e a negligência dos políticos explicam o sentimento de quem mora na cidade.
Alguns habitantes ouvidos pelo Terra afirmaram até que a ausência nas urnas é uma espécie de protesto. Isso porque, depois que ganham, os eleitos raramente visitam a cidade. Nem mesmo um candidato à Presidência da República já pisou por lá, relatam os moradores.
O advogado e mestre em Política Leandro Matsumota aponta que a falta de interesse em decidir o rumo do país é uma somatória do momento político que o Brasil passa há alguns anos. Para ele, a descrença nos candidatos e propostas não vem de hoje.
"Se você fizer uma análise para trás, nós temos uma média de 20% de abstenção nas eleições [no país todo], uma média alta até, um número bem significativo de pessoas que não querem votar, e não estão participando do processo", explica. "Sem sombra de dúvidas é reflexo daquilo que a gente acompanha, seja pela falta de nível dos candidatos, ou pela própria problemática que a política vem enfrentando. Essa sematória de valores é que leva a um problema como esse".
Cidade isolada
O ramal aberto, como é chamada a estrada pelos portowaltenses, tirou a cidade do isolamento depois de quase 30 anos de emancipação. A via fica em meio à Floresta Amazônica, e ao longo do caminho há diversas cercas de fazendas extensas, mas, aparentemente, sem nenhum habitante. Inclusive, no trajeto é possível ver o rebanho de gado pastando na região. O cheiro de verde e de terra vermelha dá o ar de natureza selvagem já no começo dos 90 quilômetros de estrada.
Atravessar o caminho recém-aberto é como estar em um filme do Tarzan, com árvores gigantescas, cipós, e muito, muito, mato. Sem sinal de celular e sob o som da natureza, todo o trajeto é feito na velocidade de, no máximo, 30 km/h, pois a pista é ainda é de terra batida, com trechos irregulares, grandes subidas e descidas, além de curvas fechadas.
Antes do ramal, o trajeto de Porto Walter para Cruzeiro do Sul era feito somente pelo rio, e levava até sete horas, dependendo do nível da água - durante o verão, fica mais baixo. Pelo ar também era possível, mas alguns moradores certificaram que só quem vai de avião são as pessoas com mais dinheiro, como os políticos da região.
À população mesmo, que é mais simples e sem muitas condições, resta pegar o famoso "rabetão", um barco menor frequentemente utilizado no período de seca do rio, ou lancha, quando o nível da água está alto. Há cerca de um mês, os moradores passaram a ter como opção também o novo ramal.
Com a passagem terrestre, é possível fazer o percurso em pouco mais de quatro horas de carro, ou até três horas de moto. Mas se houver chuva, é impossível trafegar pela via, já que ela é de terra.
"Estamos no final de setembro, já era para ter começado o período de chuva, mas se estendeu", comenta o guia Antônio Mesquita, que acompanhou a reportagem até Porto Walter.
Ele conta que no extremo norte do Brasil há apenas dois climas: o verão, de maio a setembro, e o inverno, no restante do ano. Neste dia que fomos à cidade, estava o típico verão amazonense, com o marcador apontando 36ºC, um sol para cada pessoa e um tempo bem seco.
O inverno é o mais rigoroso, e com muitas chuvas, que duram cerca de oito meses, conforme explica um servidor público de 28 anos, que não quis se identificar, enquanto espera uma das três balsas que existem pelo caminho a uma das cidades mais isoladas do Acre. Segundo ele, a estrada é ótima para o período, pois diminui o tempo gasto no trajeto de Porto Walter até Cruzeiro do Sul, ou vice-versa.
"De lancha, eu ia a cada três ou quatro meses [a trabalho], mas, com o acesso terrestre, possivelmente vou vir todo mês", avalia.
Apesar da perspectiva, ele pondera que no inverno será impossível usar a estrada.
"Você viu aqui que a mata é fechada, tem uns pontos que não vai ter trafegabilidade, trechos que alagam", diz.
E é verdade. Na última semana, a região teve uma forte chuva e, mesmo depois de quatro dias, ainda era possível ver alguns trechos da estrada com lama.
Viagem com hora para voltar
Enquanto a caminhonete, melhor veículo para circular pela área, trafega em paralelo ao Rio Juruá, a poeira sobe e impossibilita que o vidro fique aberto durante boa parte do tempo. A terra seca mostra como o verão amazonense está rigoroso neste ano.
Ao seguir viagem, o servidor passa novamente pelo carro, abaixa o vidro e alerta: "Voltem cedo, até umas 14h30, porque, senão, não vão conseguir passar pela estrada".
Outra verdade que o homem disse. Durante o percurso até Porto Walter, um carro de passeio estava atolado na lama, em um dos trechos úmidos.
O motorista, um homem que aparentava ter 30 anos, e uma mulher, de mais ou menos 50, precisaram de mais de 20 minutos e alguns pedaços de madeira no solo barroso para sair do lugar.
"Se tivesse uma corda, eu ajudava", disse Mesquisa, enquanto esperava o carro passar para seguir viagem.
Percurso perigoso
Além das intempéries do tempo, quem trafega pelo ramal também está sujeito a outros perigos de um trajeto improvisado, como mulas de tráfico trazendo drogas do Peru, país que faz fronteira com o Acre, ou até onças pintadas. Mesquita escolheu levar um amigo policial militar aposentado como companhia para a viagem de Cruzeiro do Sul até Porto Walter, por precaução e segurança.
Ali também é difícil conseguir alguma ajuda, visto que não há sinal de celular e quase nenhum comércio nas imediações. Faltou gasolina ou o carro deu uma pane? Vai precisar esperar até que outro veículo surja para ajudar.
A via é mão única, com pouca, ou quase nenhuma, sinalização. Em alguns trechos é necessário esperar outro carro passar para, então, seguir viagem. As subidas também precisam ser feitas com cautela, pois há risco de bater de frente com outro carro ou algum animal. Em diversos trechos, a buzina é a melhor sinalização para avisar sobre a aproximação do carro para pedestres que estão no meio da pista.
Povo desacreditado
A educadora Maria José Barbosa, de 44 anos, foi quem abriu os olhos da reportagem para a desmotivação da população em relação às eleições. Sentada na mureta da casa de uma vizinha para pegar o sinal de Wi-Fi, ela afirma que a falta de credibilidade nas promessas feitas durante a campanha desestimula os moradores.
Ela, que foi técnica judiciária do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2010, já ouviu da população que a justificativa para ausência nas urnas seria por "não estar a fim", e não a dificuldade em chegar à zona eleitoral.
"Você conversa com a população de Porto Walter, percebe que até 65% votam; os outros, não. Isso é muito triste. Muitas pessoas são multadas porque não vão votar. E você pergunta o motivo, e falam que não estavam 'a fim', porque 'fulano ganhou isso ou aquilo e eu não' [sobre serem pagos para votar]. A gente vê a desmotivação das pessoas", destaca.
A professora, no entanto, garante que faz parte do grupo que se propõe a votar, por entender que escolher um candidato e se mostrar presente no pleito é "mostrar o seu grito" para tentar ser ouvida. Ela, inclusive, já escolheu todos os candidatos em quem vai votar no dia 2 de outubro, e espera que eles olhem pela região.
"A gente precisa ser ouvido, mas, muitas vezes, nossos representantes não defendem a população, defendem o bolso deles. Então, isso desmotiva a população", acrescenta.
Diferentemente de Maria José, a vendedora Maria da SIlva, 33 anos, fica acanhada ao ser questionada sobre a abstenção dos conterrâneos. Mesmo assim, ela endossa a percepção de que muitos não votam como forma de protesto.
"Os políticos ficam de enganação, prometem e não cumprem, aí as pessoas ficam revoltadas. Aqui, o candidato a governador Gladson Cameli veio, e alguns deputados também. Mas, depois que ganham, raramente vêm aqui. É por isso que a população não vota. Presidente mesmo, nunca veio aqui, só até Cruzeiro", relata.
O aposentado e vendedor José Nunes Cabral, de 61 anos, não votará, justamente, por causa do sentimento de revolta com as promessas feitas. Enquanto vende produtos de utilidade para o lar em um minúsculo centro comercial, ele demonstra inquietação ao falar da campanha política e classifica como "mentira" as propostas feitas durante o período.
"Minha televisão fica ligada para ver o horário político, e quando eu vejo, penso: 'É mentira'. Eles estão mentindo direto, que mandam não sei quantos milhões para os municípios, e esse dinheiro ninguém vê. Para onde vai? E o povo sempre perecendo", diz, indignado, antes de defender a eleição de um presidente que tenha "compromisso para tomar conta da casa", gere empregos e dê condições melhores à população.
"Não dá para sobreviver com o que eu ganho de aposentadoria. O nosso objetivo é de procurar um político que seja mais envolvido com a nação, com a pobreza, com as comunidades que moram mais isolados nos ramais, até dentro da cidade mesmo", acrescenta.
Cidade simples e poucos recursos
Rodeada de comunidades que vivem em meio à Floresta Amazônica e onde até chega luz, mas não há saneamento básico, Porto Walter é bem simples. Poucos comércios e muitas casas de madeira, do tipo que os gamers reconheceriam como cenário do Red Dead Redemption. Lá, até a funerária é uma casinha de madeira.
Os imóveis mais arrumados pertencem à prefeitura, como o próprio paço municipal e as secretarias, ou ao governo do Estado, como a delegacia. Agências bancárias só existem duas, que funcionam de segunda a sexta-feira, em horário comercial. Caixa eletrônico não há. Aos finais de semana, caso precisem de dinheiro em espécie, os moradores fazem um PIX para algum comerciante, que os reembolsa.
Há também a opção de seguir até Cruzeiro do Sul para fazer o saque em alguma agência com caixa eletrônico. Para fazer uma compra grande, também é necessário ir até a cidade. A abertura da estrada favoreceu esse movimento, já que, antes, as famílias iam até o município vizinho e tinham que pernoitar.
"Agora, a gente pode dizer que o nosso município está privilegiado, por essa questão de ir e vir. Tem como vir a mercadoria para cá, que era uma coisa que a gente passava necessidade nesta questão. Sem falar que era muito caro as coisas. Com isso fica melhor", relata a servente Alcione da Silva Ribeiro, 30 anos, enquanto come à beira do Rio Juruá.
Mesmo com a estrada precária, é inevitável afirmar que a qualidade de tráfego melhorou para os moradores, que agora podem ter acesso mais fácil a cidade grande.
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Essa é uma das reportagens da série especial de eleições do Terra Votos pelo Brasil. Eleitores de nove cidades brasileiras, que se destacaram nas Eleições de 2018 e nos últimos quatro anos, contam suas percepções sobre o País e expectativas para 2 de outubro. Todas as reportagens foram publicadas entre 25 de setembro e 1º de outubro. Acesse aqui.