O debate desta quinta-feira, 28, o último antes do segundo turno das eleições, entre Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e Jair Bolsonaro, candidato à reeleição pelo PL, foi a materialização ao vivo, para todo o País, da polarização que tomou conta do País. Era uma final de campeonato, e em final de campeonato, não se brinca com a bola. O jogo foi truncado, nervoso, cada centímetro do gramado disputado palmo a palmo.
Até aí, tudo bem.
Mas depois de promessas vazias e troca de acusações exaustivas, restou um empate constrangedor entre ambos. No domingo, um dos candidatos será declarado democraticamente vencedor, de fato e de direito. Que esse vencedor possa jogar sempre pela vitória de todos os brasileiros.
A seguir, a análise dos principais trechos do debate decisivo entre Lula e Bolsonaro.
Jogo truncado no começo
Em campo, Lula e Bolsonaro jogaram pesado. No primeiro bloco, em que os candidatos tinham 15 minutos livres cada um, para tratar de qualquer assunto, o relógio andava devagar, travado. Bolsonaro e Lula jogavam a bola um para o outro. O ritmo era frenético: Bolsonaro anunciou novo salário mínimo de R$ 1,4 mil sem indicar a fonte dos recursos, Lula disse que vai isentar do Imposto de Renda rendas de até R$ 5 mil.
O jogo seguiu. Bolsonaro chamou Lula de mentiroso e bandido. Perguntou ao ex-presidente onde estava José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil. Lula devolveu, ligando o presidente a Roberto Jefferson, ex-deputado federal preso no último fim de semana e que atirou em agentes da Polícia Federal.
Tal era a polarização, que foi só com pouco mais de quatro minutos que Bolsonaro chamou Lula de Lula, e não de Luiz Inácio; e Lula só chamou Bolsonaro de Bolsonaro e não de 'ele' com o mesmo tempo de relógio. O presidente afirmava que Lula era ladrão e mentiroso, o petista chamava Bolsonaro de desequilibrado. No ápice do primeiro bloco nervoso que foi, Lula deu as costas para Bolsonaro, quando o presidente o chamou para ficar ao seu lado.
Candidatos ignoram escolha de temas
A troca de acusações entre Lula e Bolsonaro poderia ter se reduzido no segundo e quarto blocos, quando os presidenciáveis tinham que obrigatoriamente escolher um tema.
Não foi o que houve.
Lula escolheu falar sobre combate à pobreza, mas o que houve foi a mesma troca de acusações entre ambos do primeiro e terceiro blocos: Bolsonaro chamou Lula de corrupto, agora com um tom de voz acima do normal; e Lula não se esqueceu de mencionar acusações que pesam sobre o presidente e seus familiares sobre a compra de imóveis com dinheiro em espécie.
Na sequência, Bolsonaro escolheu para debater sobre respeito à constituição. Em vez de garantir a aplicação da Constituinte de 1988, Bolsonaro acusou Lula de defender a invasão de terras e propriedades nas cidades, o que não é verdade. O que seria uma discussão sobre instituições democráticas, se tornou uma troca de acusações sobre quem é ou não a favor do aborto: Lula leu um trecho de uma entrevista em que Bolsonaro recomendaria a distribuição de 'pílula de aborto'. Quase gritando, Bolsonaro chamou o petista de abortista.
A regra do quarto bloco foi semelhante. Novamente, ambos não respeitaram a regra. O tema escolhido por Bolsonaro - criação de empregos - não foi amplamente debatido. Em vez disso, Lula e Bolsonaro ficaram debatendo (discutindo?) sobre qual político é capaz de atrair para seu espectro político mais prefeitos durante o segundo turno.
O que isso interessa ao País? Difícil saber.
O debate (discussão?) no quarto bloco terminou de forma constrangedora com Bolsonaro erguendo as duas mãos para o céu e gritando um de seus lemas de campanha.
Lula então escolheu falar sobre emergência climática.
E o que se seguiu foi um embate exaustivo sobre quem desmatou mais e quem desmatou menos a Amazônia. Propostas? De verdade sobre o tema, muito pouco. Talvez se os candidatos tivessem assistido a um evento realizado pelo Estadão na última semana, que tratou sobre Amazônia, teriam escutado o que disse a líder indígena do povo Witoto, Vanda Witoto, sobre o assunto: "O mundo ainda nos olha por satélites e não consegue enxergar nossas vidas". Pelo jeito, os presidenciáveis também não enxergam.
Saúde x armas: petista se sai melhor que Bolsonaro
"Explica?", perguntava Lula. "Já expliquei!", respondia Bolsonaro. Eles repetiram: "Explica?", "Já expliquei!" Lula perguntava a Bolsonaro sobre a compra do remédio Viagra pelo Exército. Característica primordial do debate desta noite, o atual e o ex-presidente seguiram a troca de acusações desenfreadas. No caso do terceiro bloco, Lula se saiu melhor.
O petista fez perguntas difíceis sobre a desastrada ação de Bolsonaro durante a pandemia. Aproveitou o tema escolhido por ele próprio, para garantir mais investimento para o Sistema Único de Saúde (SUS). Bolsonaro tentou depois de quatro minutos mudar de assunto, mas só conseguiu quando o debate já chegava a sete minutos. Ao citar um documento creditado ao PT, o atual presidente acusou Lula de tratar com traficantes durante visita ao Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. E disse que Lula iria realizar uma ampla campanha de desarmamento.
Lula ignorou a acusação vazia sobre ligação com criminosos e se saiu bem ao confirmar que pretende, mesmo, revogar medidas de facilitação ao porte de arma e disse que pretende comprar livros para a população. E lembrou, como havia feito antes, o episódio do último fim de semana, em que Roberto Jefferson atirou em policiais federais.
Na briga de narrativas, saúde versus armamento, o petista se saiu melhor.
No fim, como de costume, restaram uma profusão de pedidos de resposta tanto de Lula quanto de Bolsonaro. Foram quase 30, mostrando, mais uma vez que o debate foi o retrato ao vivo da polarização.