O debate promovido pelo Estadão em parceria com a Rádio Eldorado e a TV Record com os candidatos à Prefeitura de São Paulo, na noite deste sábado, 19, voltou a trazer à tona o tema do apagão que afetou mais de um milhão de residências, mas o encontro foi marcado mesmo por trocas de acusações pessoais e ataques sobre temas polêmicos entre Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL).
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O tema da falta de energia no município após o temporal já havia sido abordado no encontro anterior entre os candidatos, em 15 de outubro, onde Nunes e Boulos se confrontaram com acusações sobre quem seria o responsável pela situação. O apagão se tornou, assim, o principal tópico das campanhas eleitorais na cidade.
Com poucas propostas concretas, os temas abordados pelos candidatos no confronto deste sábado já haviam sido repetidos em encontros anteriores e seguem sendo pontos centrais que ambos utilizam em suas estratégias para conquistar o eleitorado.
No decorrer do evento, embora os jornalistas tentassem focar nos problemas da cidade, os dois responderam de forma breve e usaram a maior parte do tempo para atacar um ao outro. O debate não teve baixarias, mas foi marcado por críticas duras, direitos de respostas e foco principal em desqualificar o adversário.
De acordo com a Record, foram apresentados um total de oito pedidos de direito de resposta durante o debate, sendo cinco feitos por Ricardo Nunes, dos quais três foram concedidos. Enquanto Guilherme Boulos fez três solicitações, e duas delas foram atendidas.
Este foi o segundo debate entre os candidatos no segundo turno, já que Nunes não compareceu a três dos confrontos programados. Até o momento, dos quatro debates previstos, Nunes participou de apenas um. Nos dois debates em que ele esteve ausente, Boulos foi entrevistado, e um evento chegou a ser cancelado.
O primeiro bloco teve início com um confronto duro e direto entre os candidatos. Nunes tentou redirecionar a conversa para a segurança pública, defendendo seu vice, o coronel aposentado da Polícia Militar Ricardo de Mello Araújo — que enfrentou oito investigações por homicídio durante sua atuação na Rota — e acusando Boulos de "defender criminosos" e de não "gostar de polícia".
Em resposta, Boulos criticou essa postura, ressaltando que não "aceita que a polícia trate de forma diferente quem mora em bairros de luxo e quem vive em comunidades", além de tentar constantemente trazer à tona a questão do apagão, acusando o prefeito de não fazer “o básico” pela cidade.
Os candidatos também trocaram farpas quando Nunes questionou Boulos sobre seu posicionamento em relação à liberação de drogas, à extinção da PM e à legalização do aborto. O deputado respondeu que já abordou a questão das polícias e que o prefeito parece ter dificuldade em distinguir entre traficantes e dependentes. Quanto à interrupção da gravidez, Boulos defendeu que a lei deve ser respeitada em relação aos casos de aborto legal previstos na Constituição, mencionando o projeto de lei sobre o aborto que passou pela Câmara e recebeu o apoio de políticos que atualmente apoiam a candidatura de Nunes.
Em seguida, Boulos indagou o prefeito sobre supostas ligações de servidores com a facção criminosa PCC e questionou se ele estaria disposto a abrir seu sigilo bancário. Nunes, por sua vez, trouxe à tona o caso do deputado federal André Janones (Avante-MG), sobre suposta rachadinha, e afirmou que o psolista "passou pano" para Janones e "não tem moral" para solicitar a abertura do sigilo bancário.
Boulos respondeu que, se o prefeito é "íntegro e correto", deveria abrir seu sigilo bancário, insinuando que a recusa indica que Nunes tem "algo a esconder". O atual prefeito pediu um direito de resposta, mas a solicitação foi negada pela equipe encarregada de avaliar os pedidos.
Durante essa troca de ofensas, Boulos ainda disparou para Nunes: "Seu marqueteiro te treinou para mentir descaradamente", em resposta à crítica do atual prefeito sobre a gestão de Fernando Haddad. Em outro momento, o candidato do PSOL afirmou que não dá para confiar no adversário como gestor, porque "quem tem focinho de rato não é ursinho carinhoso, é rato."
No segundo bloco, tanto Nunes quanto Boulos mencionaram Marta Suplicy, ex-prefeita de São Paulo. Marta, que foi secretária de Relações Internacionais na gestão de Nunes, deixou o cargo e voltou ao PT para ser vice na chapa de Boulos. Nunes fez uma referência indireta a ela, afirmando: "O pessoal dele gosta de criar taxa, e eu acabo com taxas", em alusão ao apelido "Martaxa", dado a ela durante sua gestão como prefeita. Boulos, por outro lado, criticou Nunes por ser o primeiro prefeito a não inaugurar nenhum Centro Educacional Unificado (CEU), um dos principais legados de sua vice.
Troca de farpas em temas propostos
Durante os outros blocos, Boulos repetiu a estratégia de cobrar diversas vezes a abertura do sigilo bancário de Nunes, acusando a Prefeitura de estar envolvida em “esquemas”. Nunes, por sua vez, respondeu dizendo que tem “tolerância zero com a corrupção” e que sua “vida é uma vida limpa”. O prefeito também voltou associar Boulos às invasões de terrenos.
Boulos criticou Nunes por evitar responder às perguntas, enquanto Nunes acusou o PSOL de boicotar seus projetos no legislativo. Questionado pelo jornalista Reinaldo Gottino sobre sua falta de experiência, Boulos aproveitou para refutar o argumento, lembrando que tanto Lula quanto Marta Suplicy chegaram a cargos executivos sem experiência prévia. Ele afirmou que Nunes usa essa crítica para alimentar o “medo” dos eleitores. Nunes rebateu, dizendo que Boulos “não tem experiência de nada”.
Ao discutir o apagão, Boulos culpou a Prefeitura e defendeu o rompimento do contrato com a Enel, enquanto Nunes argumentou que o contrato é federal. Boulos chamou Nunes de “pai do apagão”, e Nunes ironizou ao questionar se um “marmanjo” de 35 anos, que batia o carro e deixava o pai pagar a conta, poderia ser líder. Boulos respondeu provocando: “Bati o carro algumas vezes e, graças a Deus, nunca bati em mulher”.
Quando questionado sobre seu apoio ao veto de Lula relacionado às saidinhas de presos, Boulos respondeu que a lei já proíbe a saída de condenados por crimes violentos, defendendo essa posição. Ele comentou sobre a administração das prefeituras e acusou Nunes de evitar responder às perguntas. “Você pode rir, mas não desacredita não”, disse Boulos, mencionando o grupo Racionais MCs.
Nunes voltou a criticar a visão de Boulos sobre a desmilitarização das polícias e a legalização de drogas e aborto, afirmando que criminosos não devem “ficar impunes”. “Bandido tem que ficar preso, para dar sossego ao trabalhador”, declarou Nunes.
Boulos contra-argumentou: “Bandido tem que estar preso, e não em debate”, referindo-se à máfia das creches. Nunes, ao ganhar o direito de resposta, chamou Boulos de “agressivo e extremista”. Boulos provocou: “Por que para você quem luta junta com sem teto é extremista e quem dá tiro para cima em porta de boate é moderado?”. Nunes negou ter disparado, mas afirmou ter ido separar uma briga.
Ironia entre adversários
O jornalista Marcelo Godoy, do Estadão, questionou Nunes sobre as melhorias em segurança e se as ações eram suficientes para aumentar a sensação de segurança. "No centro, reduziu 60% os casos de roubo e furto", afirmou o prefeito. "Eu estive outro dia na Praça da Sé, era por volta de 22 horas, as crianças brincando... A gente sabe que tem muito trabalho pela frente, mas estamos avançando e vamos continuar avançando", acrescentou ele, que foi ironizado por Boulos. "A fantasia, a ficção que ele monta", alfinetou o psolista.
Durante o debate, Boulos ainda comparou o prefeito de São Paulo ao casal Nardoni, condenado no famoso caso da morte de Isabella Nardoni, em 2008. "O Ricardo Nunes falando em corrupção parece o casal Nardoni falando em cuidar dos filhos. É o mesmo nível", disse o psolista. O adversário, porém, não gostou da comparação, e pediu mais respeito.
Boulos também questionou Nunes sobre a atualização de cadastros do Bolsa Família nos CRAS, alertando que as pessoas correm o risco de perder o benefício. “Como você está desinformado”, rebateu Nunes, afirmando que ampliou as unidades para atualização cadastral e realizou mutirões para beneficiários.
O candidato do PSOL, na réplica, disse que Nunes estava “nervoso” e questionou novamente sobre as dificuldades de atualização. Nunes acusou Boulos de criar “cortinas de fumaça” para disfarçar a falta de propostas.