Integrantes das classes política e jurídica saíram em defesa da ministra do Superior Tribunal Federa (STF) Cármen Lúcia e da ex-senadora Marina Silva (Rede) após ambas terem sido alvos de ataques misóginos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta sexta-feira, 21. A ministra foi comparada a uma "prostituta" pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) enquanto Marina, eleita deputada federal, foi xingada na saída de um jantar com dirigentes da Rede depois de cumprir agenda de campanha com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Minas Gerais.
Em vídeo divulgado por Jefferson, o ex-presidente nacional do PTB compara a ministra a uma "prostituta" por ela ter votado a favor da punição da Jovem Pan. A emissora de rádio foi condenada por repetir declarações consideradas distorcidas e ofensivas contra ex-presidente Lula a partir de falas de seus comentaristas.
O ex-deputado federal, que hoje se encontra em prisão domiciliar e é investigado por atuação em milícia digital contra democracia, usou também os termos "Bruxa de Blair" e "Carmen Lúcifer" para se referir à ministra. "Fui rever o voto da bruxa de Blair, da Cármen Lúcifer, na censura prévia à Jovem Pan. Olhei de novo, não dá para acreditar. Lembra mesmo aquelas prostitutas, aquelas vagabundas arrombadas", disse ele.
Na noite da última sexta-feira, 21, decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) impuseram à rádio Jovem Pan a concessão de direitos de resposta ao ex-presidente Lula e a "abstenção" de se manifestar sobre temas cuja abordagem foi classificada como "ofensiva" pela defesa do petista. As conclusões do órgão eleitoral, entretanto, impõem censura prévia à emissora e ferem direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão.
Na votação do caso, a ministra Cármen Lúcia acompanhou os votos do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, e dos ministros Ricardo Lewandowski e Benedito Gonçalves. Assim, a decisão teve placar apertado: 4 votos a favor do pleito de Lula e 3 a favor da emissora.
'Agressão sórdida e vil', diz presidente do STF
A presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, manifestou "veemente repúdio" ao ataque de Jefferson contra Cármen Lúcia, classificando as condutas do ex-parlamentar como "covardes" e "inadmissíveis em uma democracia, que tem como um de seus pilares a independência da magistratura". Para a ministra, "não há como compactuar com discurso de ódio, abjeto e impregnado de discriminação, a atingir todas as mulheres e ultrapassar os limites civilizatórios".
"O Supremo Tribunal Federal manifesta seu veemente repúdio à agressão sórdida e vil, expressão da mais repulsiva misoginia, de que foi vítima a ministra Cármen Lúcia em função de sua atuação jurisdicional, no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral", afirmou a presidente do TSE.
Rosa Weber elogiou o "notável saber jurídico e reputação ilibada" da colega de Corte e afirmou que a ministra "ilumina o Supremo Tribunal Federal com sua inteligência, talento, isenção e competência". A presidente do STF declarou que Cármen Lúcia "continuará, independente e serena, na defesa intransigente da Constituição, sempre com o respaldo e admiração de seus pares e da comunidade jurídica".
"O Supremo Tribunal Federal manifesta, ainda, a esperança de que os princípios que regem a Constituição Cidadã façam aflorar na sociedade brasileira o espírito democrático e a tolerância que o momento eleitoral exige", declarou.
Desacato
Em nota, a Bancada Feminina no Senado Federal classificou as falas de Jefferson como "asquerosa, imoral, injuriante e difamatória". "Importante pontuar que o direito à livre manifestação é pleno, desde que não afete a honra de terceiros."
O documento afirma ainda que o comportamento do ex-deputado federal pode ser tipificado como crime de difamação e injúria, previstos nos artigos 139 e 140 do Código Penal, e como crime de desacato (art. 331 do Código Penal), uma vez que as falas de Jefferson se deram em razão do exercício da função de ministra. "As palavras criminosas proferidas pelo Sr. Roberto Jefferson afetam mulheres e o mundo jurídico e não podem ficar impunes", complementam.
Presidente do TSE, Alexandre de Moraes repudia agressões contra Cármen Lúcia
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, emitiu nota oficial na tarde de domingo, 22, em que repudia as agressões contra a ministra Cármen Lúcia feitas pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson nesta sexta-feira, 21.
"O Tribunal Superior Eleitoral repudia a covarde e abjeta agressão desferida contra a Ministra Carmen Lúcia e tomará todas as providencias institucionais necessárias para o combate a intolerância, a violência, o ódio, a discriminação e a misoginia que são atentatórios à dignidade de todas as mulheres e inimigos da Democracia, que tem, historicamente, em nossa Ministra uma de suas maiores e intransigentes defensoras", diz Moraes no documento.
O ministro enfatiza que agressões machistas e misóginas são usadas por aqueles que se escondem no falso manto da "liberdade de agressão", que jamais se confundirá com o direito constitucional de liberdade de expressão.
O presidente do TSE diz ainda que Carmen Lúcia é um exemplo e serve para guiar o Tribunal na missão constitucional de defesa da Democracia e do sistema eleitoral.
Veja a íntegra da nota:
TSE repudia agressões contra Ministra Cármen Lúcia
O Tribunal Superior Eleitoral repudia a covarde e abjeta agressão desferida contra a Ministra Carmen Lúcia e tomará todas as providencias institucionais necessárias para o combate a intolerância, a violência, o ódio, a discriminação e a misoginia que são atentatórios à dignidade de todas as mulheres e inimigos da Democracia, que tem, historicamente, em nossa Ministra uma de suas maiores e intransigentes defensoras.
A utilização de agressões machistas e misóginas demonstra a insignificante estatura moral e intelectual daqueles que, covardemente, se escondem no falso manto de uma inexistente e criminosa "liberdade de agressão", que jamais se confundirá com o direito constitucional de liberdade de expressão que, no Brasil e nos países civilizados, não permite sua utilização como escudo protetivo para a prática de todo tipo de infrações penais.
O exemplo de coragem, competência e honradez da Ministra Carmen Lúcia permanecerá servindo de guia para o Tribunal Superior Eleitoral exercer, com respeito e serenidade, sua missão constitucional de defesa da Democracia e do sistema eleitoral.
Associação de juristas pede fim da prisão domiciliar de Jefferson
Devido a seus xingamentos contra a ministra Cármen Lúcia, a Associação Brasileira de Juristas pela Democraci (ABJD) pediu ao STF a revogação da prisão domiciliar de Roberto Jefferson. O pedido foi feito já na noite de sexta-feira, 21, ao ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito que investiga milícias digitais.
O ex-deputado está em prisão domiciliar desde janeiro, por decisão de Moraes. Ele deve utilizar tornozeleira eletrônica e estaria proibido de realizar postagens nas redes sociais.
Em nota, os juristas afirmam que Jefferson agrediu a ministra "de forma absolutamente violenta e misógina" e, portanto, sua prisão domiciliar deveria ser revogada. A associação apontou, ainda, que ele teria cometido "sucessivos descumprimentos das medidas cautelares determinadas por Moraes". Caso a revogação seja acatada, o ex-deputado pode voltar ao presídio de Bangu, onde chegou a ser preso.
Veja a íntegra da nota:
A Associação Brasileira De Juristas Pela Democracia - ABJD apresentou na noite dessa sexta-feira (22) ao ministro Alexandre de Moraes uma notícia de crime cumulada com pedido de revogação de prisão domiciliar do ex-deputado Roberto Jefferson, em virtude do vídeo distribuído nas redes sociais, em que ele agride de forma absolutamente violenta e misógina a Ministra Carmen Lúcia por ocasião de voto proferido em ação no Tribunal Superior Eleitoral - TSE que obrigou a retirada de Fake News da emissora de Rádio, TV e plataformas de internet Jovem Pan.
Juridicamente a entidade aponta os sucessivos descumprimentos das medidas cautelares determinadas por Moraes ao ex-deputado, que já é investigado no Inquérito das milícias digitais (Inquérito 4.874). Ao conceder a prisão domiciliar, entre outras coisas, Moraes o proibiu de usar redes sociais.
No mérito a ABJD aponta, ainda a absoluta repugnância ao conteúdo misógino, o discurso de ódio contra uma mulher, ofendendo a sua dignidade com insultos e xingamentos, e aponta a ocorrência dos crimes contra a honra, que tem previsão na Constituição Federal e no Código Penal: injúria, calúnia e difamação. Crimes que Roberto Jefferson já cometeu contra outros membros do STF e já é investigado.
O descumprimento de ordem judicial é motivo de revogação de medidas cautelares e retorno a um regime de cumprimento de pena mais gravoso.
Marina Silva á atacada com xingamentos de baixo calão
No caso de Marina, a deputada eleita afirmou, em sua rede social, que os xingamentos vieram por simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro. "É a velha tentativa grotesca de coagir a ação política das mulheres", disse.
Neste sábado, 22, durante encontro de Lula com a imprensa mineira, a ex-senadora contou que estava saindo de um restaurante quando um grupo de pessoas, dentro do espaço, começaram a gritar "mito" e "Bolsonaro". "Até aí, tudo bem! É do jogo democrático. Nós também gritamos 'Lula presidente', nós também fazemos a nossa manifestação política. Só que uma pessoa gritou com palavra de baixo calão, me chamando de vagabunda. Eu ouvi por duas vezes", disse.
Ontem após jantar com dirigentes da Rede no restaurante do hotel Radisson Blu (BH), fui xingada por simpatizantes de Bolsonaro. É a velha tentativa grotesca de coagir a ação política das mulheres. É a violência política de gênero se espalhando pelo país em tempos bolsonaristas.
— Marina Silva (@MarinaSilva) October 22, 2022
Posteriormente, Marina informou, também pela internet, que registrou um boletim de ocorrência para denunciar a agressão verbal. "Registrei o BO em função dos xingamentos dirigidos a mim, pois ações desse tipo são graves e intoleráveis em uma democracia", disse.
A senadora Simone Tebet, que também estava presente no encontro de Lula com a imprensa mineira, declarou que as eleições serão definidas pelas mulheres, fazendo referências aos últimos casos de Marina e Cármen Lúcia. "Ontem, tivemos dois casos de violência política de gênero contra mulheres no Brasil estimulados por esse governo", disse.
Tebet ainda afirmou que "nunca tinha visto" um tipo de agressão como a de Jefferson à Cármen Lúcia, defendeu a prisão do ex-deputado. "É caso de determinar a prisão. Ele tem que voltar para a cadeia imediatamente. Ninguém tem o direito de agredir uma mulher, seja ela uma autoridade pública ou não, da forma que ele fez."
Anteriormente, a senadora já havia manifestado solidariedade à Cármen Lúcia e afirmado que o caso é "inaceitável". "É nisso que o atual presidente transformou o nosso País, tirando do armário esses monstros que acham que têm o direito de manchar a honra das mulheres brasileiras", disse Tebet, em vídeo divulgado em sua rede social.
Querida Ministra Carmen Lúcia, toda minha solidariedade. É inaceitável esse tipo de ataque às mulheres. Mexeu com uma, mexeu com todas nós. pic.twitter.com/mMSMN5bJaa
— Simone Tebet (@simonetebetbr) October 22, 2022
Durante o encontro, o ex-presidente Lula abriu o seu discurso se posicionando sobre o caso envolvendo a parlamentar da Rede. "O cara que te xingou, Marina, é 171. Não é uma pessoa séria. Nós fazemos política há 50 anos e isso não existia no Brasil. Hoje, o que vemos é violência, mais violência verbal e, às vezes, física. Isso é porque nós temos um governo fascista no Brasil", disse.