Após a proposta de adiar o segundo turno das eleições ganhar a adesão da família do presidente Jair Bolsonaro (PL), o ministro das Comunicações, Fábio Faria, disse que abandonou a estratégia de questionar a veiculação de propaganda eleitoral nas rádios. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente, sugeriu que, para haver reparação ao pai, as eleições teriam de ser postergadas. A ideia conta, porém, com forte oposição do Centrão, que teme ser associados à defesa de um golpe e do incentivo a uma tática para ganhar no "tapetão".
"Tentei mediar um acordo para recebermos inserções e não foi possível. Aí saí do tema", disse Faria ao Estadão. "Tentei o que pedia a peça (dos advogados) para recuperar algumas inserções nessas rádios. Depois que escalou, eu saí", completou o ministro, que é filiado ao PP, partido do Centrão. O bloco dá sustentação a Bolsonaro no Congresso.
Faria foi um dos emissários do Palácio do Planalto que consultaram interlocutores da cúpula do Judiciário para que a campanha fosse atendida em relação às reclamações sobre a propaganda nas rádios. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, considerou a denúncia "inepta" e determinou que fosse arquivada. Moraes também pediu investigação para averiguar possível "cometimento de crime eleitoral com a finalidade de tumultuar o segundo turno do pleito em sua última semana".
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, também não é favorável ao adiamento das eleições, segundo apurou o Estadão. A tese vem sendo classificada como "loucura" e "sandice" por alguns dos mais importantes conselheiros do presidente. Outro ministro ouvido sob reserva disse que essa proposta "só atrapalha o presidente", além de passar a imagem de que ele "já está derrotado" e deseja o "terceiro turno".
O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, um dos coordenadores da campanha de Bolsonaro e líder do PP, afirmou na quarta-feira, 26, que não via motivo para adiar o segundo turno. "Não existe previsão legal para adiar uma eleição", disse Ciro ao site Poder 360. Procurado pelo Estadão, o ministro não se manifestou.
Derrotado no TSE naquele mesmo dia, Bolsonaro avisou que recorreria ao Supremo Tribunal Federal (STF) e iria "às últimas consequências", em pronunciamento sem a presença da maioria de seus ministros e dos comandantes das Forças Armadas. Somente os ministros Anderson Torres (Justiça) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) acompanharam a declaração, no Palácio da Alvorada.
Desde então, Bolsonaro tem reclamado de "enorme desequilíbrio" na disputa com Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sob o argumento de que uma suposta supressão de inserções comerciais de sua campanha em várias emissoras de rádio beneficiaram o adversário e podem interferir no resultado das eleições.
"Fato grave"
Há três dias, o ministro das Comunicações convocou a imprensa ao Palácio da Alvorada para denunciar um "fato grave". Na ocasião, ele e o coordenador de comunicação da campanha, Fabio Wajngarten, afirmaram que 154 mil propagandas de Bolsonaro haviam deixado de ser veiculadas por rádios de todo o País.
Ao analisar a denúncia formalizada por advogados de Bolsonaro, Faria disse que sempre deixou claro, desde o início, que só aderiu ao questionamento para pedir que a campanha fosse recompensada. A estratégia de apresentar a denúncia, de acordo com ele, foi definida quando o comitê de reeleição decidiu contratar uma empresa para investigar a suposta fraude. "O partido é que vai cuidar (do assunto)", disse Faria.
Nos bastidores do comitê, no entanto, a ideia de fazer uma auditoria foi atribuída a Wajngarten, com quem Faria já teve desentendimentos no passado. Segundo outros auxiliares da campanha, somente a ala mais ligada a Wajngarten, que tem experiência pregressa com controle de mídia, insiste na tese de fraude, que deu vazão a especulações sobre o adiamento das eleições.
Na quarta-feira, 26, Eduardo Bolsonaro já pregava isso, alegando necessidade de reposição do tempo de propaganda nas rádios. Um dia depois, na quinta, Eduardo defendeu a ideia em entrevista. O deputado sugeriu que postergar a data da votação permitiria ao pai uma "reparação", por causa das supostas irregularidades na veiculação de propaganda em rádios.
A campanha de Bolsonaro sustenta que emissoras do Norte, do Nordeste e de Minas Gerais teriam divulgado mais peças de publicidade de Lula do que do presidente.
"Tem um candidato que está sendo depreciado e um que está sendo favorecido. Isso está ferindo a democracia. Se fosse dado todo o direito de resposta a Jair Bolsonaro, é tanto tempo que seria necessário adiar essa eleição. Se a eleição for no domingo já temos uma certeza: Jair Bolsonaro foi prejudicado e não teve direito a reparação", afirmou Eduardo, em entrevista ao site baiano BNews.
Congresso
A intenção de forçar um adiamento da eleição não encontra eco na cúpula do Congresso, onde uma iniciativa nesse sentido precisaria ser analisada por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). As datas do primeiro e do segundo turno das eleições estão previstas no artigo 77 da Carta.
Aliado de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), negou que o assunto esteja sendo discutido. Ao Estadão, Lira se limitou a classificar a ideia como "fake".
Na prática, a tese só tem aval da família de Bolsonaro e de seus apoiadores mais radicais, que desejam um "terceiro turno antes do segundo", nas palavras de um integrante do Centrão.
O presidente interino do PP, deputado Claudio Cajado (BA), e a vice-governadora eleita do Distrito Federal, Celina Leão (PP), também disseram que a ideia não é viável. Cajado afirmou que não tomou conhecimento da declaração de Eduardo Bolsonaro sobre o adiamento das eleições, mas reforçou não haver como uma proposta assim ser aprovada.
"Não soube (da entrevista de Eduardo), mas, para adiar, tem de ter PEC", destacou o deputado. Para que mudanças na Constituição sejam aprovadas é necessário o apoio de três quintos da Câmara e do Senado, algo impossível de ser feito sem acordo político prévio e às vésperas das eleições.
Apesar de discordar da sugestão de Eduardo Bolsonaro, Celina Leão endossou parte das críticas do presidente em relação à Justiça Eleitoral. "Até para os mais neutros, os últimos acontecimentos são graves. Deveria no mínimo se abrir investigação, mas não tivemos nem isso", disse a vice-governadora eleita do Distrito Federal.
A responsabilidade de fiscalizar a veiculação da propaganda eleitoral cabe aos partidos. "Como todos sabemos, não é, nunca foi e continuará não sendo responsabilidade do Tribunal Superior Eleitoral distribuir mídias de televisão e rádio e fiscalizar rádio por rádio no País todo, (para verificar) se elas estão transmitindo as inserções dos candidatos. Isso todos os partidos e candidatos de boa-fé sabem", afirmou o ministro Alexandre de Moraes.
O relatório apresentado pela campanha de Bolsonaro ao TSE tem várias fragilidades. O próprio ministro das Comunicações havia anunciado que teriam sido veiculadas 154 mil inserções a mais de Lula durante o segundo turno. Ao TSE, porém, a campanha só detalhou informações sobre 730 peças em oito rádios. Seis delas negaram ser responsáveis por falhas e contestaram as informações do comitê de Bolsonaro. Algumas rádios alegaram que a prória campanha do presidente deixou de enviar comerciais.
Nesta quinta-feira, 27, em novo relatório - desta vez sobre emissoras de Minas -, advogados de Bolsonaro sustentaram que foram divulgadas 15,1 mil inserções a mais de Lula em 601 emissoras mineiras. Coordenadores da campanha, porém, encaminharam informações sobre apenas quatro rádios, que também rebateram os dados apresentados.