Cidade que mais recebeu verba do orçamento secreto em 2020 vira canteiro de obra, mas ainda amarga a falta do básico

Segunda maior cidade cearense em área territorial é um local de contrastes e ganhou projeção por recursos milionários polêmicos

28 set 2022 - 05h00
(atualizado às 08h25)
Tauá (CE): cidade recebeu verba milionária do orçamento secreto, mas falta até saneamento
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Com pouco mais 59 mil habitantes, Tauá é um município brasileiro localizado na região do Sertão dos Inhamuns, no estado do Ceará. A cerca de 340 km da capital Fortaleza, a cidade ganhou projeção nacional em 2020 por ser a que mais recebeu dinheiro pelas emendas de relator, a chamada RP-9, verbas que estão na base do esquema do orçamento secreto.  

Em dezembro de 2020, o relator-geral do orçamento, Domingos Neto (PSD-CE), aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL), destinou ao município R$ 110,3 milhões do Ministério do Desenvolvimento Regional, logo após a eleição de sua mãe, Patrícia Aguiar (PSD), como prefeita da cidade. Conforme revelou reportagem do jornal O Estado de S. Paulo à época, os repasses da pasta foram feitos de maneira desproporcional entre as cidades, por critérios apenas políticos.

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Neste mês, o Terra esteve em Tauá para conhecer o município. A segunda maior cidade cearense em área territorial é um local de contrastes. O centro, rodeado por comércios, e o entorno da prefeitura são mais movimentados e urbanizados, enquanto os bairros afastados são pacatos. A maior parte das ruas é asfaltada, mas há as que o chão de terra batida ainda é uma realidade. Já o saneamento básico não atinge toda a cidade. 

Embora o local tenha recebido milhões de reais do orçamento secreto, moradores dizem que não sentiram mudanças na prática. "Não senti diferença na cidade até agora, não", afirma a comerciante Pedrina Gomes Moura, 44 anos, enquanto observa se algum cliente entra em seu açougue.

Apesar disso, muitos tauaenses acreditam que o dinheiro está sendo investido nas obras espalhadas pela cidade, mas que ainda não estão concluídas. Entre elas, a reforma da Rodoviária de Tauá, a reforma do Parque da Cidade, que conta com a famosa "Lagoa" --um dos cartões postais do município--, e a reforma do Estádio Municipal Gerardo Feitosa, o popular "Gerardão".

"Estão fazendo obra por cima de obra. E dá muito emprego para o povo também", diz Keiliane Gomes da Silva, 33 anos, atendente de uma lanchonete que fica próxima ao Parque da Cidade. 

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Em frente às obras da "Lagoa", sentado em um banquinho debaixo de uma árvore para aguardar a próxima corrida, o mototaxista José Araújo, 48 anos, diz que as obras são benéficas para a região. "Pelo menos estão construindo. Quando terminar, tudo vai ficar muito bonito. Se ficar como mostram nas fotos, a cidade vai ficar boa", torce.

Antonia Sulidade Rodrigues do Nascimento, 37 anos, dona de uma padaria, também conta que percebeu as obras na cidade, mas lamenta que muitas pessoas associam as construções somente à prefeita Patrícia Aguiar, e não ao Governo Federal. "Muitas pessoas pensam que ele [presidente Jair Bolsonaro] não está fazendo nada aqui, mas todas as obras são dos orçamentos federais."

Para Erica Vitória Belisario Noronha, 20 anos, atendente da mesma padaria, o uso dos recursos deveria ter outros destinos na cidade. "As mudanças que teriam que fazer não era o que já estava feito e estão desmanchando. Precisava ajudar mais nós, jovens, dar mais oportunidades. Melhorar a saúde também. Não é a cidade ficar mais bonita", avalia.

"Ainda tem muito o que melhorar"

Embora estejam satisfeitos com as obras em andamento, entrevistados ouvidos pelo Terra avaliam que o município também precisa de investimentos em outras áreas, como saneamento básico em alguns bairros.

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"No Planalto dos Colibris, no Bezerra de Sousa, você vê esgoto a céu aberto", diz Erica. Segundo dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, o esgotamento sanitário adequado na cidade é de 32,3%. 

"Precisa completar o saneamento básico em toda a cidade, porque não existe eleitor só no bairro Alto Brilhante ou só no centro da cidade. Existem eleitores em todos os bairros periféricos que, às vezes, não são atendidos e nem olhados pela gestão", opina Antonia. 

A reportagem esteve no bairro Bezerra de Sousa e moradores confirmaram que nem todas as casas têm saneamento básico. Carregando um carrinho de mão cheio de terra e coberto dos pés a cabeça para se proteger do sol, o servente José Borges Mota, 35 anos, que mora na região, pausou o trabalho e contou que foi ele quem fez a fossa séptica na casa dele. "Quando enche, a gente paga um homem para limpar. Não é a prefeitura que faz", conta. 

Foto: Marcela Coelho / Redação Terra

O bairro é um dos que também não possuem pavimentação em sua totalidade. Algumas ruas são feitas de terra batida. "Às vezes tem tanto pó, que você fica com os olhos até ardendo", diz a aposentada Francisca Camelo, 76 anos, moradora do Bezerra de Sousa, enquanto aprecia a sombra da árvore da vizinha, um alívio para o calor de 37ºC que fazia na região.    

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"Já era para ter ajeitado [as ruas]. Todos os anos dizem que vão ajeitar e nunca ajeitam", reclama, com timidez, a empregada doméstica Raimunda Josias, 48 anos, que estava junto a Francisca.

Outra reclamação dos tauaenses é em relação à saúde. Segundo habitantes locais, as unidades demoram para atender os pacientes e nem sempre há remédios nos postos. "Os medicamentos, a gente procura, não tem. Pessoal me paga pra ir buscar, aí falam: 'Esse remédio não tem, vai chegar tal dia'. Aí no tal dia, vamos buscar, também não tem", conta José Araújo. 

Antonia tem a mesma queixa: "Você ir em um postinho e não ter uma dipirona, uma amoxilina. É vergonhoso. Isso poderia melhorar", lamenta.

Eleições 2022: Lula X Bolsonaro

Por mais que Tauá tenha sido a cidade que recebeu mais recursos do orçamento secreto em 2020, esse não tem sido motivo suficiente para levar os moradores a apoiar Jair Bolsonaro (PL) nas eleições de 2022. Pelo contrário. A população está dividida entre o atual presidente e o seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O cenário difere das últimas eleições presidenciais, em 2018, quando o candidato mais apoiado na cidade foi Ciro Gomes (PDT), que recebeu 54,45% dos votos no primeiro turno. Sem a presença do candidato do PDT no segundo turno, Fernando Haddad (PT) conquistou a maioria dos votos (73,25%) no município.

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Mas, segundo a professora aposentada Lindomar Idelfonso de Almeida Mota, 52 anos, Ciro Gomes está "desacreditado" na cidade neste ano. "Ele tem propostas excelentes, mas as pessoas não acreditam nele. Acham que ele não vai governar", explica ela, sentada em uma poltrona da sala de sua casa.

Lindomar pretende votar em Lula, porque nas gestões anteriores, segundo ela, ele foi "bom para a classe mais carente". "O presidente [Bolsonaro] é uma vergonha, o brasileiro não tinha que passar por isso. [No período do governo dele] não tive nenhuma melhoria na minha família", pontua.

Ela acredita ainda que a maioria das pessoas da cidade que votou em Bolsonaro não vai repetir o voto agora. "[Em 2018] o povo queria algo novo. Mas tem muita gente passando fome. Quando mexe no bolso da gente, aí fica difícil", acrescenta.

Motivos dos dois lados

Como no restante do País, a polarização também está muito presente na cidade. Enquanto a reportagem entrevistava a atendente Erica, que declarou que poderia votar em Lula para ele "ajudar o Nordeste", a dona da padaria e chefe dela, Antonia, que observava a conversa do lado de dentro do balcão do estabelecimento, interveio e não deixou o Terra registrar uma foto da funcionária com o uniforme do comércio para ilustrar a matéria. "Não quero minha padaria associada ao Lula", diz.   

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Com muita insistência, Antonia aceitou dar uma entrevista e garantiu que nunca votaria em Lula. "Se na Eleição de 2018 eu era 90% Bolsonaro, em 2022, eu sou 200%", afirma. 

"Os nordestinos, infelizmente, são o berço eleitoral do Lula, sendo que ele não fez nada por nós. Ele ilude tanto as pessoas, ele mente tão bem, que, se a pessoa não tiver uma cabeça boa, ela cai. Todas as coisas que ele disse que tinha feito pelo Brasil, pelo Nordeste, quem está terminando tudo é Bolsonaro, como a transposição do Rio São Francisco, quem finalizou foi Bolsonaro", declara. 

Foto: Marcela Coelho / Redação Terra

Antonia conta ainda que faz aniversário no dia 2 de outubro, mesma data do primeiro turno das eleições de 2022 no Brasil. Segundo ela, a família toda é bolsonarista e o tema da festa será o presidente Jair Bolsonaro. 

O mototaxista José também pretende dar o seu voto ao atual chefe do Executivo. Um dos motivos que o fez gostar da gestão do atual presidente foi o Auxílio Brasil. "Recebi direitinho as parcelas de R$ 600 durante a pandemia. E tinha muita gente aí que, se não fosse essa ajuda, tinha passado fome mesmo", explica.

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Já a comerciante Pedrina revelou que em 2018 votou em Bolsonaro, mas agora vai em Lula, pois nos governos passados "ele visava mais o pobre do que o empresário grande". A aposta em Bolsonaro no último pleito foi porque "pensou que teria mais empregos na cidade" – o que, segundo ela, não aconteceu. "Ao meu ver foi pior, inclusive o preço das coisas. Está um absurdo."

"Por causa da inflação, o que a gente ganha só dá para se manter, mas se fosse uma cidade que tivesse emprego seria bom de viver", diz a comerciante. De acordo com ela, a renda mensal da família varia muito, mas, no máximo, chega a um 1,5 salário – o mesmo salário médio mensal dos trabalhadores formais da cidade, segundo dados do IBGE de 2020. A taxa da população ocupada é de 10,8%.

"Espero que em 2023 tenha mais trabalho e que a gente possa viver melhor. Que sobre mais um pouquinho para a gente ir lá pra Fortaleza tomar banho na praia", brinca.

A atendente Keiliane segue a mesma linha para explicar o seu voto em Lula. "Achei ele muito bom para os pobres. Apesar do povo acusar ele [de corrupção], ele era um bom presidente. As coisas eram mais em conta, mais fáceis. Agora, está difícil demais".

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Ela afirma que hoje vive "apertada". Atualmente, a jovem recebe o Auxílio Brasil e ajuda a irmã na lanchonete, onde as vendas estão "devagar".

Com a palavra, a Prefeitura de Tauá

O Terra entrou em contato com a Prefeitura de Tauá pedindo explicações a respeito do destino das verbas do orçamento secreto na cidade, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações.

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Essa é uma das reportagens da série especial de eleições do Terra do Votos pelo Brasil. Eleitores de nove cidades brasileiras, que se destacaram nas Eleições de 2018 e nos últimos quatro anos, contam suas percepções sobre o País e expectativas para 2 de outubro. Novas reportagens serão publicadas diariamente ao longo desta semana.

Fonte: Redação Terra
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