O resultado melhor do que o esperado para Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores neste primeiro turno das eleições torna uma crise institucional no país menos provável, avalia Richard Lapper, pesquisador associado ao King's College de Londres e autor do livro Beef, Bible and Bullets - Brazil in the Age of Bolsonaro ("Carne, Bíblia e Balas - O Brasil nos Tempos de Bolsonaro", em tradução livre, sem edição em português).
"Bolsonaro vinha ameaçando não reconhecer o resultado das eleições, mas é improvável que ele não reconheça uma eleição em que seus apoiadores tiveram um desempenho tão positivo", diz o ex-correspondente no Brasil do jornal britânico Financial Times e especialista em América Latina.
Entre os apoiadores de Bolsonaro eleitos neste domingo (2/10) estão Damares Alves (DF), Hamilton Mourão (RS), Marcos Pontes (SP), Cleitinho (MG) e Tereza Cristina (MS) no Senado; o deputado mais votado do Brasil Nikolas Ferreira (PL-MG), além de Carla Zambelli, Eduardo Bolsonaro e Ricardo Salles em São Paulo, maior colégio eleitoral do Brasil; e candidatos a governadores como Cláudio Castro (RJ), eleito em primeiro turno, Capitão Contar (MS), Onyx Lorenzoni (RS) e Tarcísio (SP), que surpreenderam ao passar ao segundo turno liderando as votações em seus estados.
"Isso significa que Lula terá menos espaço para manobra e que um eventual governo Lula será muito mais conservador do que seria em outra circunstância", diz Lapper.
Segundo o analista, o bom resultado dos bolsonaristas nas urnas cria um bom momento para o presidente na disputa de segundo turno.
"Parece que muitas pessoas que iam votar em Simone Tebet ou Ciro Gomes votaram em Bolsonaro e muitos que estavam indecisos também."
Brasil repete Chile
Lapper vê no resultado desse domingo (2/10) no Brasil um paralelo com o plebiscito para aprovação da nova Constituição no Chile, realizado em setembro deste ano.
Por lá, o "rechaço" ganhou sobre a "aprovação" com uma vantagem de 24 pontos, quando as pesquisas indicavam intervalo bem menor, entre 4 e 12 pontos.
"Isso indica que o apoio à direita e às ideias socialmente conservadoras têm muito respaldo", diz o analista, destacando, no Brasil, a força de Bolsonaro no interior do país, como no Centro-Oeste.
Para Lapper, o desencontro entre as pesquisas e o resultado das urnas parece revelar um voto "envergonhado" em Bolsonaro, de eleitores que não querem admitir sua escolha pelo presidente, mas que não gostam do PT.
"São pessoas que dizem preferir Tebet ou Ciro Gomes, mas no final das contas, votam em Bolsonaro. Acredito que o antipetismo e o antiesquerdismo é muito forte no Brasil, um legado da Lava Jato", avalia.
Para Lapper, também contribui para essa resistência à esquerda a fragmentação desse campo político, que na sua visão não tem um projeto coerente.
Os problemas da esquerda
"O problema na esquerda é uma combinação entre esquerda identitária, que não tem ressonância, e uma esquerda digamos 'dura' e anacrônica, de Venezuela e Cuba, com a qual Lula está de alguma forma identificado e que é atualmente bastante impopular."
Para o pesquisador, a realidade da esquerda brasileira talvez seja a de uma democracia social mais conservadora do que, por exemplo, a social democracia americana, onde questões de identidade, como gênero, raça e teoria da justiça social são muito fortes.
Além disso, a esquerda deve focar-se no tema socioeconômico como prioridade, defende, avaliando que isso explica o êxito de Lula até aqui, apesar da identificação de parte do PT com uma esquerda latino-americana considerada por ele anacrônica.
Com um Congresso bastante conservador, Lapper avalia que um possível governo Lula enfrentará muita dificuldade e será muito dependente do Centrão.
"Não serão as mesmas condições de 2003, quando PT teve resultado forte no Congresso, sobretudo na Câmara. Isso implica que um eventual governo Lula será mais conservador, sem dúvida, com muito menos espaço para manobrar e para fazer os projetos que realmente importam para ele."
Na avaliação de Lapper, uma vitória de Bolsonaro também é possível, caso ele consiga atrair os votos de Simone Tebet e Ciro Gomes, que ainda não declararam seus apoios para o segundo turno.
Por fim, o pesquisador destaca as novas perdas sofridas pelo PSDB, que perdeu o comando do governo de São Paulo após 28 anos. No Rio Grande do Sul, Eduardo Leite conseguiu um segundo lugar sofrido, atrás do bolsonarista Onyx Lorenzoni, e com pouco mais de 2 mil votos de vantagem sobre o terceiro colocado, o petista Edegar Pretto.
"O partido tradicional da centro-direita sofreu grandes perdas este domingo. É uma tendência que vimos ter início com a Lava-Jato, a partir de 2013, com partidos como MDB e PSDB, que estiveram no centro da política brasileira desde a redemocratização, perdendo espaço", afirma.
"Há uma reconfiguração da política brasileira e, neste momento, parece não haver espaço para a centro-direita."
- Esse texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63113080