Na noite do dia 27 de setembro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) jantou com mais de 90 empresários na sala do apartamento do presidente do Grupo Esfera, João Camargo, em São Paulo. Tamanho quórum demandou a contratação de um guindaste para içar móveis pela cobertura do edifício a fim de abrir espaço e acomodar o petista, seu staff e os donos do PIB. Na primeira fileira de cadeiras, vestindo um terno preto abotoado e camisa branca, estava o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT). Reabilitado após cumprir pena no mensalão, o petista voltou a frequentar o círculo mais restrito de confiança de Lula.
Aos 64 anos, o ex-deputado se esquiva de holofotes. Nunca se fez presente em eventos e reuniões abertas da campanha com a presença da imprensa e convidados. Em dezembro de 2021, chegou a dar sinais de que voltaria ao cenário eleitoral em um evento com aliados em Osasco, sua base, mas acabou desistindo da ideia. Cunha sabe que, mesmo quite com a Justiça, a imagem associada ao primeiro escândalo de corrupção da era petista ainda pesa nas urnas. Internamente, também havia desconforto entre candidatos do diretório paulista do PT.
Nestes jantares, segundo relataram empresários ao Estadão, o ex-deputado se coloca como um entusiasta da campanha de Lula e, em um discurso alinhado com o do ex-presidente, tem evocado seus dois mandatos entre 2003 e 2010 para pregar que a volta do petista será benéfica, inclusive, para a saúde financeira do País. Tem dito, por exemplo, que as empresas saíram mais fortes da era lulista.
O passado recente de João Paulo Cunha com Lula foi marcado pela reconstrução de uma relação abalada pelo mensalão. Assim como outros antigos quadros do PT que cumpriram pena no Complexo da Papuda, próximo de Brasília, o ex-deputado chegou a se queixar a pessoas próximas de um certo abandono de Lula e outros antigos amigos durante o processo. Hoje, ele é o único entre políticos que cumpriram pena no mensalão a ter retornado ao círculo de amizade mais íntimo de Lula. O ex-presidente não cortou laços com José Dirceu e José Genoíno, mas perdura uma distância protocolar.
Em meio ao calvário do ex-presidente na Lava Jato, o ex-deputado se solidarizou. Um mês após a prisão de Lula, em maio de 2018, divulgou uma carta pública em que dizia: "Você não esperará sua morte num prédio cafona, azul desbotado, num cubículo de 15 metros! Fique firme, companheiro. Os braços do povo brasileiro te aguardam!"
Na prisão, João Paulo Cunha escreveu poesia e saiu com ajuda de 'vaquinha'
O texto da carta a Lula carrega um lirismo que João Paulo Cunha aprimorou durante sua prisão no mensalão. Na Papuda, escreveu poesias publicadas em 2014, no livro Quatro e Outras Lembranças, em referência ao dia 4 de fevereiro de 2014, quando iniciou o cumprimento de sua pena de 6 anos e 4 meses por corrupção e peculato.
No livro, falou sobre o dia em que foi preso: "Pude ver o ciclo da vida da paz que passou um dia na porta de minha casa da ilusão que deixei quando os corpos esquentaram e do dia quatro em que me tiraram tudo". Carregado de melancolia, o livro é repleto de poemas sobre traição, desilusões e menciona até mesmo um "crápula de toga". Durante todo o processo, foi frequente a cena do ex-deputado desmanchando-se em choro em conversas com amigos e até mesmo jornalistas que cobriram o caso.
"Nada de você apaga, Regina", diz o ex-deputado, em um de seus versos. Entre suas maiores angústias, segundo disseram amigos, estava o fato de ter visto a mulher, Márcia Regina, ser chamada a prestar depoimento sobre um saque de R$ 50 mil em uma agência bancária. A cifra era vista pela Procuradoria-Geral da República como parte de propinas de uma agência de publicidade de Marcos Valério, acusado de ser o operador do esquema. Cunha sempre negou a acusação.
Em fevereiro de 2020, receberam procuração para atuar na defesa de Eike Batista. Um mês depois, o empresário fechou delação premiada com a PGR e aceitou pagar multa de R$ 800 milhões. Sob alegação de sigilo, a Procuradoria se recusa a dizer se a dupla atuou na negociação do acordo. Advogado de Eike à época da delação, Rodrigo Mudrovitsch não quis comentar.
O Estadão também identificou a atuação do ex-deputado na defesa de uma desembargadora que foi presa na Operação Faroeste, que investiga corrupção no Tribunal de Justiça da Bahia, e de um empresário sob suspeita de ser o mandante da morte de um advogado.
No Direito, o ex-deputado fez especializações no Instituto Brasiliense de Direito Público, o IDP, fundado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, um dos votos favoráveis à sua condenação. Na política, hoje divide as hostes de Lula até mesmo com o ex-ministro Joaquim Barbosa - um dos mais duros votos de sua condenação e autor de seu decreto de prisão.