Dois lados de um mesmo Rio: o que separa esquerda e direita no reduto bolsonarista

Reportagem visitou Laranjeiras e Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, para entender como cariocas convivem no período eleitoral

26 set 2022 - 05h01
(atualizado em 27/9/2022 às 18h08)
Rio de Janeiro: o que cariocas esperam para o futuro do Brasil?
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Uma pequena volta pela feira da Rua General Glicério, em Laranjeiras, é suficiente para entender por que a 16ª zona eleitoral foi a única da cidade do Rio de Janeiro onde o presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), perdeu nas eleições de 2018. Seu adversário no pleito daquele ano, Fernando Haddad (PT), obteve 51,13% dos votos válidos.

Nas manhãs e tardes de sábado, a rua é tomada por barracas comuns a toda feira de rua: tem frutas, peixe, hortaliças e o tradicional pastel com caldo de cana. O que diferencia Laranjeiras das outras feiras está no detalhe, como uma barraca vendendo panos com o rosto do candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva; bonés e camisetas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e até bonequinhos de pano do ex-presidente, que também atrai a atenção das crianças.

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Alguns clientes da feira também manifestam sua orientação política com adesivos de partidos de esquerda grudados na roupa. Outros usam broche vermelho com a estrela, símbolo do PT, preso à camiseta. O estilo também entrega, como o rapaz que caminhava pela rua com uma boina à la Che Guevara. 

Toalha para ver de longe

Uma mulher, que carregava um desses adesivos, chegou à feira sabendo o que queria: uma toalha com o rosto de Lula e símbolos do PT. "Qual desses dá para ver da janela, mesmo estando de longe?", perguntou.

Animado com sua primeira venda, o dono da barraca sugeriu que a cliente comprasse um pano vermelho estampado, com o rosto de Lula em quase todo o tecido, por R$ 10. "Deixa só ver se eu tenho dinheiro trocado", disse ela, antes de pagar e guardar o pano na bolsa. 

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A barraca é de Osvaldo, que trabalha com serigrafia há trinta anos e aposta no público de Laranjeiras para vender produtos com imagens de Lula e do PT. "Eu gosto do Lula, acho ele um gato", ri Osvaldo, que chega a vender cerca de 40 panos na feira. 

"Aqui é um bairro amigável, as pessoas são amigáveis e apoiam nosso trabalho", avalia o comerciante, que mora em Jacarepaguá, bairro próximo à Barra da Tijuca, onde Jair Bolsonaro venceu com folga as eleições de 2018. "Onde eu moro já teve uma confusão assim com vizinhos, que me viram imprimindo os panos, né? Daí, ficaram falando 'Lula Ladrão', coisas assim", relata.

Foto: Thais Enseñat / Redação Terra

O outro lado do Rio

A paisagem vai se transformando aos poucos, conforme nos aproximamos da Praia da Barra, uma das principais da Barra da Tijuca, cuja zona eleitoral registrou 72,54% dos votos para Bolsonaro na última eleição presidencial. O bairro tem um clima agradável, com restaurantes e barzinhos convidativos, daqueles que deixam algumas mesas na calçada para aproveitar o calor.

Fica nítido que deixamos Laranjeiras. Na orla da praia, um homem vende camisetas sob sol forte. Além de camisetas do Rock in Rio, festival de música que estava em seu último final de semana, chama atenção a quantidade de camisas da Seleção Brasileira, peça mais do que comum no ato do 7 de Setembro, que tomou as ruas de Copacabana. O presidente Jair Bolsonaro esteve presente na manifestação e até discursou em um trio elétrico.

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Quem vende as camisas é o camelô Cláudio, que trabalha há 35 anos como vendedor na zona sul do Rio de Janeiro e é de São João de Meriti, município localizado na Baixada Fluminense. Para ele, não apenas a Barra da Tijuca, mas todo o Rio de Janeiro "está fechado com Bolsonaro" nessas eleições. 

"Sabe por quê?", pergunta. "Eu digo para você: em meus 62 anos eu fui PT e eles só me decepcionaram. Hoje não quero nem assunto com eles. O Bolsonaro não é um poço de educação, mas não quero ninguém educado, não. Meus professores não tinham um pingo de educação, mas aprendi a ler, escrever e ser o homem que sou hoje. Eu quero uma pessoa que cuide do meu País, e nem é por mim, é pelos meus netos que estão chegando, tá?".

Enquanto Cláudio explica que não é bolsonarista, mas avalia Bolsonaro como "o menos pior" e diz que até votaria em outra pessoa, se fosse melhor, um homem de cabelos grisalhos, óculos escuros e camisa polo branca encosta sua moto BMW em um recuo perto da orla. Uma pequena bandeira presa à moto exibe o rosto de Jair Bolsonaro. 

"Vermelho PT?"

Rodrigo acompanhava uma 'motociata' que promovia um candidato do PL, o mesmo partido de Bolsonaro, e só encostou a moto porque ela começou a esquentar. Além da bandeira, ele também carrega um adesivo grudado na camisa com o rosto do presidente da República.

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Foto: Thais Enseñat / Redação Terra

"Eu acho que 80% das pessoas que eu convivo --não, 80% não, muito mais-- são bolsonaristas. Na verdade, elas são pró-Brasil, são patriotas, e por acaso são bolsonaristas também", afirma. 

Aos poucos, outros integrantes do encontro chegaram e se aproximaram. Todos homens e eleitores de Bolsonaro. Há algumas mulheres, como a esposa e a mãe do candidato, e duas jovens que seguravam bandeiras da campanha. 

"Aqui não tem um que não vote no Bolsonaro", garante Wanderson, outro participante da 'motociata'. 

Esse mesmo grupo, aliás, participou da 'motociata' do 7 de Setembro, que acompanhou o presidente do Aterro do Flamengo até Copacabana. Para Wanderson, é muito claro o apoio à reeleição de Bolsonaro na cidade, o que o faz questionar as pesquisas de intenção de voto, todas mostrando Lula na liderança.

"Eu converso com várias pessoas, e todas estão muito conscientes do que é o Bolsonaro. Eu fico impressionado. Como podem falar [nas pesquisas] que o PT está na frente com sei lá quantos por cento? Não é o que eu vejo", afirma ele, que repete o mesmo discurso que o presidente usa nas campanhas, mas sem nunca apresentar provas contra a eficiência das pesquisas eleitorais.

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Naquele mesmo dia, no entanto, Rodrigo disse ter visto um homem fazendo um 'L', de Lula, quando as motos passaram por ele. "Faz parte da democracia, né? Cada um pensa do jeito que quer", completa.

Antes de a motociata seguir seu caminho, uma Lamborghini vermelha passa pelo recuo, onde os eleitores de Bolsonaro ainda estão reunidos, e chama atenção. "Esse carro é do PT, é? É vermelho", provoca um deles, dando risada. "Nem PT e nem Flamengo, cara", responde o motorista, gerando mais risos no grupo. 

Brincadeira disfarça tensão

O clima é de brincadeira, mas por trás da provocação há um clima de tensão, fruto da polarização do pleito que se aproxima. Ainda na Barra, um comerciante de um pet shop prefere nem ser identificado.

"Eu tenho minha posição política, mas não sou de ficar entrando em discussão, porque muitas vezes causam brigas desnecessárias", explica. "Eu não me omito de expressar que eu voto no Bolsonaro, o pessoal aqui [da loja] sabe que eu sou voto declarado nele, tá? Eu só não gosto de entrar em discussão".

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Em Laranjeiras não é diferente. A vendedora Vanessa, que está à frente de uma barraca que vende mercadorias produzidas em assentamentos do MST de todo o Brasil. Entre os itens estão cachaça, erva, chá, suco, açúcar, café, feijão e arroz, além de chocolate. Sozinha, ela evita usar qualquer roupa ou acessório que reflita sua visão política. Mesmo em grupo, ela diz que ainda fica "um pouco apreensiva".

Foto: Thais Enseñat / Redação Terra

O cuidado com a segurança é também prática de Débora, comerciante de bonecos de pano na feira de General Glicério. Ela conta que precisou  apagar uma publicação no Instagram na qual mostrava o boneco 'Lulinha', como batizou.

"Minha filha me ligou e me pediu pra tirar, por causa do receio de ficarem falando, sabe? E meus amigos entenderam. É por causa do que está acontecendo, né? Essa divisão aí. Eu procuro não me expor, está todo mundo tenso, né", explica.

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Essa é uma das reportagens da série especial de eleições do Terra Votos pelo Brasil. Eleitores de nove cidades brasileiras, que se destacaram nas Eleições de 2018 e nos últimos quatro anos, contam suas percepções sobre o País e expectativas para 2 de outubro. Novas reportagens serão publicadas diariamente ao longo desta semana.

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Fonte: Redação Terra
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