"Tenho que preservar minha biografia", disse o então ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro ao anunciar sua saída do governo de Jair Bolsonaro em abril de 2020.
O ex-juiz da Lava Jato havia aceitado o cargo logo após a eleição do atual presidente, em novembro de 2018. Com menos de um ano e meio na função, ele pediu demissão por discordar do que via como tentativas de interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal.
Pouco mais de dois anos depois de sua saída do governo, agora senador eleito do Paraná pelo União Brasil, Moro declarou apoio à reeleição de Bolsonaro.
Segundo ele, ambos têm um adversário em comum: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que disputará o segundo turno contra o atual presidente em 30 de outubro.
Lula foi condenado pelo ex-juiz da Lava Jato, mas recuperou seus direitos políticos depois que o Supremo Tribunal Federal anulou os processos que tramitaram em Curitiba, por considerar que Moro agiu com parcialidade.
"Lula não é uma opção eleitoral, com seu governo marcado pela corrupção da democracia. Contra o projeto de poder do PT, declaro, no segundo turno, o apoio para Bolsonaro", anunciou Moro por meio de sua conta no Twitter, em post com mais de 250 mil curtidas.
A Transparência Internacional expressou repúdio às declarações de Moro e do ex-procurador Deltan Dallagnol, que também anunciou apoio a Bolsonaro.
"Cada qual é livre para expressar sua preferência entre as opções do 2º turno das eleições ou optar pelo voto nulo. Fomentar a intolerância a qualquer escolha é incompatível com a defesa da democracia. Mas associar a luta contra a corrupção ao apoio ao candidato Jair Bolsonaro é prestar imenso desserviço à causa e desvirtuar o que ela fundamentalmente representa", diz a entidade, em nota.
"Desde 2019, a Transparência Internacional vem documentando e denunciando inúmeros episódios de corrupção no governo Bolsonaro e as vastas evidências de crimes cometidos pelo próprio Presidente da República e seus familiares. Ainda mais grave, denunciamos ao mundo, em diversos relatórios, o desmanche, sem precedentes, dos arcabouços legais e institucionais anticorrupção que o país levou décadas para construir."
O anúncio provocou repúdio de antigos apoiadores de Moro que defendem uma posição de neutralidade no segundo turno.
"O apoio de Moro a Bolsonaro torna ainda mais deprimente o fim da Lava Jato. Quanto ao meu empenho pessoal, nos últimos anos, posso dizer apenas que falhei miseravelmente", disse no Twitter o jornalista Diogo Mainardi, fundador do portal Antagonista, mas que recentemente se desligou do veículo.
"Para derrotar um bandido é preciso apoiar outro bandido? Isso não é pragmatismo, e sim mau-caratismo", disse ainda em sua conta social.
Já o deputado federal Alexandre Frota (SP), que acaba de deixar o PSDB devido ao apoio do governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, a Bolsonaro, lembrou as suspeitas contra a família presidencial ao criticar a decisão de Moro.
"Sergio Moro foi expulso do Ministério em uma reunião marcante, Moro sempre disse que combateu a corrupção, como ele vai explicar que agora apoia o Bolsonaro das rachadinhas do Queiroz, dos 51 apts [apartamentos] comprados com dinheiro de propina? Moro vai conviver com Flávio Bolsonaro?", escreveu no Twitter.
"Rachadinhas do Queiroz" é uma referência ao suposto esquema de desvio de recursos por meio de funcionários fantasmas que teria sido operado por Fabrício Queiroz no antigo gabinete de deputado estadual de Flávio Bolsonaro, hoje senador.
Já a menção aos "51 apts comprados com dinheiro de propina" se refere a um levantamento feito pelo portal UOL que identificou 51 imóveis adquiridos ao menos parcialmente com dinheiro vivo por Bolsonaro e pessoas de sua família.
O presidente e seus filhos refutam as acusações e negam qualquer ilegalidade.
Pragmatismo e proximidade ideológica
Para a cientista política Flávia Biroli, professora da Universidade de Brasília (UnB), Moro decidiu apoiar Bolsonaro por pragmatismo, para não ficar isolado no Congresso.
Ela lembra que o presidente conseguiu eleger vários aliados para o Senado, como os ex-ministros Damares Alves (Republicanos-DF), Marcos Pontes (PL-SP) e Tereza Cristina (PP-MS).
Na sua visão, Moro visa se posicionar próximo desse grupo para conseguir funções importantes dentro do Congresso. Um parlamentar precisa de articulação para, por exemplo, presidir comissões ou relatar projetos de lei considerados mais relevantes.
"Eu acho que a dimensão pragmática é importante. O projeto do ex-juiz Sérgio Moro sempre foi ele mesmo. Esse é o principal projeto dele. Me parece que ele está fazendo cálculos pensando no mandato dele e nos possíveis cargos que ele poderia ocupar no Congresso", analisa.
Além disso, Biroli destaca a proximidade ideológica entre Moro e Bolsonaro como outro fator que levou o ex-juiz a apoiar seu antigo desafeto, já que ambos estão no campo conservador e defendem, por exemplo, um endurecimento da atuação policial.
"Em termos ideológicos, o alinhamento do Sergio Moro ao bolsonarismo, que se revela, cada vez mais, não pela sua crítica à corrupção, mas mais pelo caráter de extrema-direita que tem, pela despreocupação com a relevância das instituições democráticas, é algo que, do meu ponto de vista, é absolutamente esperado. Nesse sentido, é coerente", destacou.
Já do ponto de vista do combate à corrupção, Biroli diz que seria mais coerente Moro ter ficado independente no segundo turno, sem apoiar qualquer um dos concorrentes.
"Ninguém esperaria que ele apoiasse Lula, mas pelo bem da coerência ele não apoiaria Bolsonaro, ainda mais com tudo que ele próprio denunciou ao sair e todos os registros que existem de corrupção no governo Bolsonaro", ressaltou a professora.
Após a declaração de apoio, Bolsonaro disse ter "certeza de que Sergio Moro será um grande senador".
"Tá superado tudo. E daqui pra frente é um novo relacionamento. Ele pensa, obviamente, no Brasil e quer fazer um bom trabalho para o seu país e para o seu Estado. Então, passado é do passado, não tem contas a ajustar. Nós temos é que, cada vez mais, nos entendermos pra melhor servimos a nossa pátria", declarou Bolsonaro.
Críticas às alianças com Centrão
Parte dos apoiadores da Lava Jato já havia criticado Moro quando ele decidiu encerrar sua carreira de juiz e aderir ao governo Bolsonaro. Para esses críticos, sua decisão manchava a credibilidade da operação que havia condenado Lula e impedido o petista de disputar a eleição contra o atual presidente em 2018.
Sua demissão do ministério ocorreu após Bolsonaro determinar a troca do comando da Polícia Federal, com a exoneração do diretor-geral Maurício Valeixo, que havia sido escolhido por Moro.
"Ontem, conversei com o presidente e houve essa insistência do presidente (na troca do comando da PF). Falei ao presidente que isso seria uma interferência política e ele disse que seria mesmo", afirmou o ex-juiz, ao anunciar sua demissão.
"O presidente me disse, mais de uma vez, que ele queria ter uma pessoa do contato dele que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, colher relatórios de inteligência", disse ainda Moro, na ocasião, comentando que não era apropriado que o presidente tivesse acesso direto a esse tipo de informação.
Foi aberta uma investigação para apurar as acusações de Moro, mas em março deste ano a Polícia Federal encerrou a apuração afirmando em um relatório não ter encontrado provas de interferência. O ex-ministro questionou a credibilidade dessas conclusões.
"A Polícia Federal produziu um documento de 150 páginas para dizer que não houve interferência do presidente na PF. Mas certamente, as quatro trocas de diretores da PF falam mais alto do que as 150 páginas desse documento", disse Moro.
Após sair do governo, o ex-ministro também não poupou críticas às alianças de Bolsonaro com políticos do Centrão - grupo de partidos que costuma apoiar qualquer governo em troca de cargos e verbas federais.
Um dos momentos marcantes da parceria do governo com o Centrão foi a nomeação do senador Ciro Nogueira, presidente do PP, para comandar o ministério da Casa Civil, em julho de 2021.
Depois, em novembro daquele ano, Bolsonaro se filiou ao PL, partido presidido por Valdemar da Costa Neto, que foi condenado e preso no escândalo do Mensalão - esquema de compra de apoio no Congresso no primeiro governo Lula.
"Eu não tenho dúvida que hoje quem manda no governo Bolsonaro é o Valdemar da Costa Neto. Quem manda no presidente Bolsonaro é o Valdemar da Costa Neto, que faz essas indicações todas (para ocupar cargos no governo). Ou talvez ali o Ciro Nogueira", disse Moro em janeiro deste ano, em entrevista ao canal do YouTube do jornalista Felipe Moura Brasil.
"Ou seja, hoje você tem um governo que é comandado pelo Centrão. Tem até algumas pessoas boas dentro desses partidos, mas tem muitos políticos ali fisiológicos. Não tenho nenhuma questão pessoal, mas veja bem, alguém que foi condenado criminalmente por receber suborno, mandando no presidente da República, eu acho complicado", continuou, na mesma entrevista.
Deltan Dallagnol também apoia Bolsonaro
Moro não foi o único expoente da Lava Jato a aderir à candidatura de Bolsonaro. O ex-chefe da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná, Deltan Dallagnol, também manifestou seu apoio à reeleição do presidente.
O ex-procurador foi eleito deputado federal pelo Podemos do Paraná com 344 mil votos, sendo o mais votado para o cargo no Estado.
Em vídeo publicado nas redes sociais horas após os resultados do 1º turno, Dallagnol disse que sua eleição era uma mensagem clara do povo: "Corruptos, vocês não vencerão".
Após essa fala, ele lista na gravação sete fatores que o motivam a não apoiar Lula:
"Agora vou fazer oposição à candidatura do Lula ou ao seu governo por sete razões: mensalão, petrolão, aumento da violência, saque às estatais, defesa da censura, apoio a ditaduras e a maior crise econômica da história. No segundo turno meu voto vai ser em Bolsonaro, contra Lula e o PT. Nós precisamos unir o centro e a direita no Congresso em torno do combate à corrupção", afirmou o ex- procurador, em um vídeo publicado nas suas redes sociais.