Eleições 2022: por que Bolsonaro perdeu votos em capitais e cresceu em cidades do interior?

Votos no presidente migraram das capitais e grandes cidades para municípios menores, especialmente naqueles onde ele havia recebido poucos votos em 2018

7 out 2022 - 05h44
(atualizado às 07h52)
Votos no presidente migraram das capitais e grandes cidades para municípios menores, especialmente naqueles onde ele recebeu poucos votos há quatros anos
Votos no presidente migraram das capitais e grandes cidades para municípios menores, especialmente naqueles onde ele recebeu poucos votos há quatros anos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Um fenômeno foi observado por especialistas ao fim do 1º turno das eleições presidenciais: os votos em Jair Bolsonaro (PL) migraram das capitais e grandes cidades para municípios menores na comparação com 2018, quando ele assumiu a Presidência.

E isso se deu com mais força naqueles lugares onde ele recebeu poucos votos há quatros anos, segundo Fernando Meireles, pesquisador de pós-doutorado em Ciência Política no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

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Em cidades com menos 50 mil eleitores no Nordeste e no Norte, por exemplo, o atual presidente, que concorre à reeleição, melhorou sua votação média em mais de três pontos percentuais. Nos maiores, ao contrário, perdeu mais que isso.

No Nordeste, o percentual de votos válidos em Bolsonaro cresceu por todo o interior dos Estados. No Norte, especificamente, esse padrão quase não teve exceções.

Mas o mesmo não foi observado em praticamente nenhuma das capitais: Bolsonaro se saiu "pior" do que na eleição anterior.

Na cidade de São Paulo, por exemplo, Bolsonaro teve 37,99% dos votos válidos, contra 47,54% de Lula. Em 2018, Bolsonaro teve 60,38% dos votos válidos contra 39,62% de Haddad na capital paulista.

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Meireles lembra que o atual presidente teve um desempenho excepcional nas grandes metrópoles em 2018, muito melhor que o de Aécio Neves no 1º turno de 2014.

Mas o que poderia explicar esse voto em Bolsonaro em cidades menores?

Apesar de ter ido melhor do que as pesquisas indicavam em SP e RJ, Bolsonaro foi pior em praticamente todos os municípios desses Estados agora. No Rio, a piora foi quase geral
Foto: Fernando Meireles/Cebrap / BBC News Brasil

Esse fenômeno de interiorização de votos em Bolsonaro ainda não é inteiramente compreendido por especialistas.

Mas há hipóteses.

Uma delas é o pagamento do Auxílio Brasil. Uma reportagem recente da Folha de S. Paulo analisou o padrão de votação dos dois candidatos nos municípios brasileiros, considerando a cobertura do programa social que substituiu o Bolsa Família. A reportagem concluiu que o pagamento do benefício não reverteu a tendência de vitória no PT entre os mais pobres.

Ou seja, Lula foi, de forma geral, o grande vencedor nesses municípios.

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Segundo outra reportagem, da CNN Brasil, o petista liderou os votos em todas as 100 cidades que mais recebem Auxílio Brasil.

Mas cruzando os dados dos resultados do 1º turno do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o pagamento do Auxílio Brasil, Meireles mostrou que há uma relação mais forte entre os municípios que receberam mais repasses per capita do Auxílio Brasil e a votação em Bolsonaro na comparação com 2018 sobretudo no Norte, mas também no Nordeste e no Centro-Oeste.

No Sudeste, essa relação também parece existir em algumas cidades, mas no Sul, não.

Ou seja, "no nível agregado", municípios deram mais votos a Bolsonaro justamente nos locais mais beneficiados pelo Auxílio, contrabalançando a perda das grandes cidades, segundo Meireles.

Tome-se como exemplo o caso de Serrano do Maranhão, no Maranhão, que tem 34% do seu PIB ocupado por rendimentos vindos do Auxílio Brasil, segundo um estudo recente realizado por Ecio Costa, professor titular de economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).Ali, Lula foi o grande vitorioso. Nove em cada dez pessoas votaram nele.

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No nível agregado, municípios deram mais votos a Bolsonaro justamente nos locais mais beneficiados pelo Auxílio, contrabalançando a perda das grandes cidades
Foto: Fernando Meireles/Cebrap / BBC News Brasil

Mas Bolsonaro melhorou seu desempenho em relação a 2018. Há quatro anos, recebeu 6,86% dos votos válidos, ou 359 votos. Neste ano, teve 8,71% dos votos válidos, ou 564 votos.

Porém, não se pode dizer, ressalva Meireles, que foram os beneficiários que votaram mais em Bolsonaro: podem ter sido outros eleitores beneficiados indiretamente; ou eleitores de Lula que se abstiveram mais.

Para se saber isso, seria necessário analisar uma pesquisa de boca de urna, que não houve neste ano.

"É muito provável que o Auxílio tenha influenciado a decisão de voto. Talvez a pessoa que recebeu o benefício considerou votar mais no Bolsonaro, talvez ela já votaria no Bolsonaro, mas talvez não compareceria. Mas talvez tenha ficado mais propensa a comparecer, pois quer 'ajudar' o governo para que o benefício continue sendo pago."

"É preciso lembrar que o efeito do Auxílio Brasil no município não incide somente para as pessoas que recebem o benefício. Se a gente pensar num município do interior, quando há muitas pessoas pobres que de uma hora para outra passam a receber o Auxílio Brasil, o comércio local muda, várias pessoas passam a ter outro perfil de consumo. A realidade das famílias também, e isso altera várias dinâmicas de socialização dessas pessoas."

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Meirelles afirma que, por exemplo, as pessoas podem se encontrar mais, fazer mais almoços de família e se preocupam menos com desemprego, com mais acesso a lazer e cultura.

"O Auxílio Brasil tem efeitos que vão além do eixo do benefício individual da renda. Ou seja, afeta a população de um município como um todo", diz o pesquisador.

"Não dá para cravar, portanto, se o Auxílio Brasil teve um efeito diretamente sobre o beneficiários ou se foi por outras razões que Bolsonaro aumentou sua votação. Mas o que os dados mostram é essa relação entre a maior votação em municípios menores e o pagamento do benefício nas regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, principalmente."

Outra possível explicação para essa interiorização de votos em Bolsonaro é a comunicação direta que o presidente tem com o eleitor dessas cidades menores.

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O analista Bruno Carazza, autor do livro Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro, afirma que, de modo geral, o interior do país — tanto do Sudeste quanto do Sul e do Centro-Oeste — tem sido negligenciado por acadêmicos, analistas e imprensa.

Dessa forma, deixa-se de compreender um conjunto de valores e anseios diferentes dos que predominam nos grandes centros urbanos, bem como como de representá-los corretamente do ponto de vista estatístico, argumenta ele.

Interior do país vem sendo "negligenciado", assinala especialista
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Todo mundo — acadêmicos, analistas, imprensa — há muito tempo não tem olhado com atenção ao interior do país, onde a agroindústria cresce e atrai gente para trabalhar, com uma forte cultura de prosperidade e valores diferentes dos grandes centros urbanos. 2018 já foi um alerta e a gente não captou, e agora o alerta vem novamente. E Bolsonaro sabe se comunicar muito bem nessa região, o que ficou explícito na votação para Câmara e Senado (com alta votação de nomes do bolsonarismo)", assinala.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil também falam sobre a força das igrejas em municípios menores — ali pastores evangélicos têm um papel mais preponderante como lideranças locais e também são mais próximos do poder, como prefeitos ou vereadores, instrumentais para as eleições presidenciais em termos de "captação de votos".

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Bolsonaro tem a preferência do eleitorado evangélicos ante a Lula.

Em entrevista à BBC News Brasil, a brasilianista Amy Erica Smith, da Universidade Estadual de Iowa (Estados Unidos), diz acreditar que "é possível que a campanha dentro das igrejas ou nas redes sociais direcionada aos fiéis evangélicos tenha tido um papel relevante nos resultados".

Smith é autora do livro Religion and Brazilian Democracy: Mobilizing the People of God ("Religião e Democracia Brasileira: Mobilizando o Povo de Deus", em tradução literal).

O cientista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria, acredita que existe também uma influência nos eleitores das das emendas parlamentares, "sobretudo nessa parte do Orçamento Secreto, um recurso cada vez mais livre de controle".

Por fim, cidades maiores costumam sofrer mais as consequências diretas da inflação e do desemprego — o que também poderia explicar por que o voto em Bolsonaro caiu nas grandes cidades na comparação com 2018, em termos porcentuais, segundo Meireles.

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- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63148665

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