Fortalezas viram fraquezas se o Brasil não liderar debates importantes no G-20, diz Ioschpe

Empresário Dan Ioschpe, chair do B-20, defende papel do Brasil como protagonista em discussões globais no G-20

24 out 2024 - 15h56
(atualizado às 17h31)

Se o Brasil não liderar debates globais nos quais é visto como um importante participante, pode ver suas fortalezas se transformarem em fraquezas. A avaliação é do empresário Dan Ioschope, conselheiro da Iochpe-Maxion, chair do B-20 e vice-presidente da Fiesp. É por isso, defende Ioschpe, que o fórum empresarial que tenta influenciar as discussões do G-20 é tão relevante. "A gente consegue alinhar o Brasil a algumas pautas globais e consegue alinhar algumas pautas globais ao Brasil. Se nos posicionarmos bem, como líderes de determinadas questões, passamos a ser mais ouvidos. Isso é muito importante, e vou dar um exemplo. A discussão da universalização dos créditos de carbono, que está na seara da de carbonização, de comércio, investimento, de quase tudo. Se o Brasil ficar fora das mesas, ele, obviamente, não vai ser contemplado e as suas fortalezas vão virar, talvez, fraquezas", afirma o empresário.

Ele esteve na dianteira do B-20, que congrega empresários dos diferentes países ligados ao G-20. São mais de 1,2 mil representantes do setor privado de mais de 40 países, que fazem um diagnóstico dos desafios comuns e recomendações aos governos sobre o que, na visão do empresariado, deve ser prioritariamente debatido no G-20. Neste ano, com o Brasil na presidência do G-20, a coordenação do B-20 ficou a cargo da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

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Nesta entrevista, Ioschpe e Constanza Negri, da CNI, que ficou na função de sherpa do B-20, falam sobre o trabalho realizado ao longo dos últimos meses para dialogar com empresários, governos e com Brasília para convencê-los sobre os temas mais relevantes a serem discutidos em novembro, na cúpula de líderes que ocorrerá no Rio de Janeiro.

"Se você pegar os nossos oito grupos, nós não somos a número 1 é nos oito, de longe, mas estamos bem posicionados em alguns dos mais importantes, como descarbonização e sistemas alimentares. E isso traz um papel muito grande para o Brasil. Claro que a gente tem de se reforçar naquilo que a gente está mais fraco. Por exemplo, educação é emprego, é uma área em que o Brasil precisa avançar muito e tem práticas fora do Brasil muito melhores do que a nossa", diz o empresário.

Constanza Negri diz que o grupo tem compromisso com um legado para o Brasil e preocupação em deixar estrutura mais pavimentada para países que sediarem os próximos encontros. "Estruturamos o nosso projeto de legado em três pilares. O primeiro é dar continuidade a esse trabalho do B-20. Já estamos trabalhando com a África do Sul e com os EUA, que será (sede) depois da África do Sul. O segundo pilar do legado é o que nós chamamos do B-20 para a sociedade. Entendemos que as recomendações são importantíssimas, mas elas têm de ser acompanhadas com ações tangíveis, com projetos e contribuições do setor privado", afirma.

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O terceiro pilar é entender que há legado para o Brasil, como país e como setor privado. Vamos escolher dez temáticas iniciais prioritárias para o País e elaborar recomendações que são importantes nessas temáticas para o Brasil.

O Estadão publicou, desde o último dia 14, uma série de entrevistas com os CEOs e executivos brasileiros que estiveram à frente das oito forças-tarefa do B-20. Eles abordam a situação do Brasil ante os demais países, em cada uma das áreas analisadas, e como enfrentar os principais desafios econômicos contemporâneos. Também falam de como tem sido a recepção do governo Lula às propostas encaminhadas pelo setor privado.

Leia abaixo a entrevista com Ioschpe e Negri:

Qual é o trabalho do B-20? Como vê a função do grupo atualmente?

Dan Ioschpe: O B-20 é um dos grupos sociais assim chamados do G-20. Talvez o mais tradicional e o mais organizado e com a maior capilaridade. Ele trabalha com o mundo empresarial, e nós temos muitas pessoas e muitos líderes empresariais ao redor do mundo que se dispõem a participar desse ciclo anual. O G-20 virou um foro diferenciado para tratar de algumas questões muito importantes da contemporaneidade, mas de uma forma menos travada do que alguns outros organismos como a própria ONU, ou o G-7, que têm questões mais difíceis talvez para resolver, como questões de geopolítica, de guerras e de conflitos.

O G-20 virou um grupo muito focado em temas como a descarbonização, a digitalização, a sub-representação de grupos sociais, a segurança alimentar, enfim, temas que são chave no nosso dia a dia e que às vezes não conseguem fluir. A outra coisa interessante é que o G-20 e o B-20 os demais grupos sociais têm essa rotina anual. Muda-se de sede, mas você segue trabalhando nos temas. Isso permite que temas, por exemplo, a descarbonização, sejam tratados a todo ano com a sua evolução, seu crescimento e as suas melhorias naturais de um processo bem estruturado, para que você consiga avançar em determinadas temáticas.

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O B-20 é um organismo privilegiado de interlocução com o G-20, em que nós temos a oportunidade de preparar, revisar e atualizar as propostas e encaminhá-las aos principais líderes mundiais, na tentativa de influenciar positivamente na condução destas agendas as quais nós nos focamos.

Dan Ioschpe diz que diálogo com governo Lula mostra alinhamento com demandas do setor privado
Dan Ioschpe diz que diálogo com governo Lula mostra alinhamento com demandas do setor privado
Foto: Daniel Teixeira/Estadão / Estadão

E por que é importante para o Brasil influenciar os debates globais? O que estamos buscando?

Ioschpe: Porque a gente consegue alinhar o Brasil a algumas pautas globais e consegue alinhar algumas pautas globais ao Brasil. Se nos posicionarmos bem, como líderes de determinadas questões, passamos a ser mais ouvidos.

Isso é muito importante e vou dar um exemplo. A discussão da universalização dos créditos de carbono, que está na seara da de carbonização, de comércio, investimento, de quase tudo. Se o Brasil ficar fora das mesas, ele, obviamente, não vai ser contemplado e as suas fortalezas vão virar, talvez, fraquezas.

Se nós estivermos na mesa participando — e, quando possível, liderando, mas sempre participando de forma educada, construtiva, dinâmica e mostrando casos de sucesso, temos uma oportunidade muito grande de acelerar o nosso desenvolvimento socioeconômico. E o do mundo, porque se acreditamos que o mundo não vai conseguir avançar sem se descarbonizar e se nós somos uma vanguarda nesse aspecto, ao andar nesse tema e compartilhar com o resto dos países e propor caminhos, nós estamos viabilizando e acelerando o desenvolvimento socioeconômico mundial e privilegiando o nosso país, que está tudo certo. É o melhor dos mundos. Essa é a razão de se fazer anualmente todo esse esforço.

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'Há oportunidades, desafios, como questão de transformação digital e inteligência artificial', diz Constanza Negri
Foto: Divulgação/B20 / Estadão

Constanza Negri: A iniciativa do B-20 sempre foi muito relevante para o setor privado brasileiro. Esse ano, ela se tornou duplamente relevante. Porque há a tarefa adicional de coordenar o processo, o que requerer um esforço estratégico para olhar temas que são importantes para o desenvolvimento econômico e social do Brasil, mas do mundo também. É transformadora. O leque de temas que o setor privado, como um todo, discute, não são só as ligadas ao plano doméstico, mas também ações nas quais o Brasil é um líder natural do tema, ou talvez o Brasil ainda precisa se aproximar mais dessas temáticas.

Vemos, por um lado, a agenda de sustentabilidade climática, na qual o Brasil tem uma liderança natural, e também vemos temas nos quais há oportunidades, desafios, como questão de transformação digital e inteligência artificial. Isso é um passaporte que de alguma esse projeto nos deu, dá uma visão mais holística do ponto de vista geográfico, mas também temático, do que é importante hoje para o desenvolvimento do País e do mundo.

Como estruturaram esse trabalho e o que esperam deixar de legado?

Negri: A ideia é que ele não pare por aqui. No pilar de elaboração de recomendações, entendemos que era necessário simplicidade, foco e profundidade ao mesmo tempo, porque esse é um exercício que, se não é feito, perdemos a possibilidade que o governo escute. Focamos, reduzimos o número de recomendações em relação aos outras edições. Trouxe para uma linguagem muito propositiva. E também entregamos isso muito antes do que em outras edições do B-20. Entregamos ao presidente Lula, não esperamos a plenária para divulgar isso. E já estamos elaborando a metodologia para olhar quantitativamente o impacto das nossas recomendações nas relações de governo (do G-20).

Estruturamos o nosso projeto de legado em três pilares. O primeiro é dar continuidade a esse trabalho do B-20. Já estamos trabalhando com a África do Sul e com os EUA, que será (sede) depois da África do Sul. O segundo pilar do legado é o que nós chamamos do B-20 para a sociedade. Entendemos que as recomendações são importantíssimas, mas elas têm de ser acompanhadas com ações tangíveis, com projetos e contribuições do setor privado. Vamos finalizar uma seleção de uma série de projetos que tem alguns critérios comuns de atender a interesses coletivos.

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O terceiro pilar é entender que há legado para o Brasil, como país e como setor privado. Vamos escolher dez temáticas iniciais prioritárias para o País e elaborar recomendações que são importantes nessas temáticas para o Brasil.

Onde esperam que se consiga influenciar o G-20 e ver avanços concretos? Quais são as pautas que receberam maior destaque nos debates pelo empresariado?

Ioschpe: As recomendações estão concluídas. Já fechamos essa etapa. Claro que temos temas que são mais tangíveis e temas que são menos tangíveis, alguns que são de prazo, às vezes, um pouco menor, outros de prazos muito mais longos, mas nós nos debruçamos sobre todos eles. Agora, estamos efetivamente na fase do 'advocacy', digamos, na boa defesa e na publicização dessas recomendações.

São 24 recomendações — três recomendações por cada um dos oito grupos — e cada recomendação com dois 'policy actions'. Ao todo, são esses 48 tópicos que podem ser exibidos, todos eles com indicadores mensuráveis. É a nossa tentativa de avançar, assim como nos fez na Índia, se fez anteriormente na Indonésia, se fará na África do Sul e depois nos Estados Unidos, nos próximos dois anos. Mas, no fim do dia, os principais eixos acabam sendo, de uma forma, ou de outra, a descarbonização, que é um tema essencial, com um capítulo só dele nessa força-tarefa de transição energética. A questão da segurança alimentar é uma questão chave também, porque você trata de como mitigar as fraquezas sociais, miséria e a fome, que são assuntos cruciais. Temos o tema da digitalização com inteligência artificial, que é algo mandatório para o avanço da competitividade dos negócios e até na qualidade de vida das pessoas, em relação a ter maior produtividade no seu dia a dia.

Para que nós consigamos avançar nas políticas públicas e na interação entre público e privado de uma forma construtiva, outro ponto importante é o da preparação das pessoas à educação e ao emprego. Quando pensamos em digitalização, em velocidade de transição, nós vemos que as pessoas foram ficando fora, que é uma das questões chave da polarização e do é do populismo político: essa incapacidade de integrar as pessoas nesses avanços.

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Eu diria que se fossemos pensar aquilo que cruzou sinergicamente a maioria dos temas, na minha opinião pessoal, é o assunto da descarbonização, a digitalização — na sua visão macro, com inteligência artificial — e essa temática da segurança alimentar, do combate à fome, à miséria e à desigualdade, que parecem ser três temas que vão nos levar para frente de uma forma mais virtuosa.

Há algumas novidades no B-20 liderado pelo Brasil. E uma delas é colocar em pé de igualdade com os demais temas a questão da diversidade e da inclusão da mulher nos negócios. Como foi essa decisão?

Negri: Para montar os grupos, nós escolhemos, de novo, equilíbrio entre a continuidade com temas e grupos que já têm uma tradição histórica no B-20, mas também a possibilidade de trazer temas que eram relevantes para o Brasil, que, na nossa visão, não podiam estar ausentes. Então, quando você olha os oito grupos desses, alguns já vinham de edições anteriores. E trouxemos o de conselho de ação sobre mulheres, inclusão e diversidade nos negócios. É importante mencionar que já existiam várias iniciativas de mulheres, mas o que o nosso trouxe diferente é inclusão e diversidade nos negócios, um leque maior do ponto de vista do temática e uma abordagem muito mais interseccional para o tema.

O sr. esteve com o presidente Lula para entregar as recomendações elaboradas pelo B20. Qual foi a mensagem passada a ele pelo empresariado? E qual foi a recepção ao que foi recomendado?

Ioschpe: Nós conseguimos conversar muito bem esses pontos com as diretrizes que o Brasil, em conjunto com os outros países, definiu (para o G-20) como a redução da miséria, da fome e da desigualdade social, a questão da transição energética e a reforma dos organismos internacionais. Claro que nesse terceiro ponto a nossa visão é um pouco mais limitada. Mas, quando fizemos nossas diretrizes, elas conseguiram conversar muito bem, especialmente com os dois primeiros temas da agenda do G-20 e também um pouco com esse terceiro tema, em especial na área do comércio, do financiamento e das transações entre os países.

Gostaria de ressaltar o papel do vice-presidente Geraldo Alckmin, que se encarregou de organizar essa reunião. Ele foi o mestre de cerimônias e conduziu essa reunião de forma muito legal com a presença do presidente Lula, dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil). Eles nos receberam de ouvido e olhos muito atentos aos nós fomos levar lá. A sensação que tivemos é de que eles (Lula e Alckmin) viram muito valor nas nossas recomendações, claro que há uma grande proximidade com a visão do governo e, portanto, não será nada difícil de tentar se trabalhar essas recomendações, o que era nosso objetivo.

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Como a liderança brasileira tem sido percebida pela comunidade internacional?

Ioschpe: O Brasil tem uma interlocução (internacional) muito boa. Essa é uma ótima notícia. Nós temos uma interlocução muito importante ao longo de muitos anos, e isso está bastante vivo, ainda mais num mundo com muita dificuldade geopolítica. Conseguir ter conversas múltiplas com múltiplos interlocutores é uma grande diferença. Isso é muito reconhecido pelos outros países, o que já havíamos visto antes. Os grupos de trabalho ficaram muito impressionados com a capacidade de condução de consenso. Por isso, conseguimos fechar as recomendações um pouquinho antes do habitual, por causa da condução de todos os líderes das forças-tarefa, que são brasileiros. Os brasileiros mostraram mais uma vez a sua capacidade de interlocução em alto nível com muitos diferentes países.

Essa é a primeira vez que o Brasil recebe o G-20 e é a primeira vez que nós lideramos — pela tradição do G-20 e B-20. Então, nós nunca tivemos o Brasil no 'spotlight', no no foco da luz. Essa a primeira vez. Eu diria, assim, escutando dos nossos colegas lá de fora, que eles estão muito surpresos — positivamente — com a nossa capacidade de articulação, de diálogo, de diplomacia e de organização. Às vezes, nós mesmos não nos pensamos muito organizados. Mas o nosso trabalho foi superorganizado. Eu acredito que o G-20 está sendo, comparativamente, muito organizado, e os estrangeiros ficaram muito surpresos com o tamanho do potencial do Brasil, em tópicos como descarbonização e a segurança alimentar, que nós, de certa forma, já sabíamos, mas não com uma visão tão compartilhada.

Em quais discussões, das propostas pelo B-20, o Brasil está na dianteira? E em quais está atrasado?

Ioschpe: A descarbonização claramente é uma área em que o Brasil está numa posição muito interessante. Eu não diria à frente ou ao lado, mas muito interessante, pelas suas condições naturais e pelos seus desenvolvimentos tecnológicos ao longo do tempo, e pelos avanços que fez em energias renováveis e sustentáveis. Nós somos uma provável potência da energia renovável. Neste tema, nós ficamos muito destacados.

O segundo tema, a digitalização, nós temos uma população que tem uma facilidade enorme de aderir a novas tecnologias, em algumas áreas estão bem avançados, como no sistema financeiro, mas ainda temos muito campo para avançar. O que nós precisamos agora é prover uma digitalização limpa, para não aumentar a temperatura do planeta.

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Em segurança alimentar, o Brasil é um campeão. De novo, por questões de origem, de natureza, de território, mas somados a um enorme aporte tecnológico em que conseguimos aumentar a produtividade sem aumento de área e com todos os desafios climáticos que o mundo inteiro enfrenta. Quando a gente pensa em segurança alimentar, o Brasil não pode estar fora da mesa. Eu diria que o Brasil está muito bem posicionado em várias dessas.

A discussão da representatividade do sub-representados também é um tema que o Brasil, óbvio, tem de fazer muito trabalho, mas aparentemente também tem um bom entendimento do que que precisa ser feito e de que tipo de pactos dentro da sociedade precisam ocorrer para que você melhore essa sub-representação. Não há uma aversão a isso, nem de forma religiosa.

Se você pegar os nossos oito grupos, nós não somos a número 1 é nos oito, de longe, mas estamos bem posicionados em alguns dos mais importantes. E isso traz um papel muito grande para o Brasil. Claro que a gente tem de se reforçar naquilo que a gente está mais fraco. Por exemplo, educação é emprego, é uma área em que o Brasil precisa avançar muito e tem práticas fora do Brasil muito melhores do que a nossa.

Temos visto o presidente Lula e o ministro Haddad serem vocais, ao tratar do G-20, em dois assuntos não tratados pelo B-20, que são a taxação dos super-ricos, empresas e multimilionários, e a reforma de organismos internacionais - e não apenas a OMC, mas também a ONU, por exemplo. O foco do governo para o G-20 está alinhado com o que o setor privado está buscando?

Ioschpe: O nosso capítulo, do B-20, ele não é um capítulo alheio ao mundo dos negócios. Qualquer coisa que a gente fizesse diferente seria contrário ao nosso pacto com centenas representando milhares de empresas de 19 países e de regiões. Então, esse é o nosso foco.

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Nossas recomendações não falam desses dois temas que você trouxe, mas foram muito bem acolhidas, recebidas pelo governo. E a sensação que a gente tem é de que há um alinhamento do governo e, tomara, do Estado brasileiro, com essas pautas. O que escolhemos foram os temas do governo que conversavam com a gente.

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