Guilherme Boulos (PSOL) não conseguiu reverter a alta rejeição e acabou derrotado por Ricardo Nunes (MDB) no 2º turno na disputa pela Prefeitura de São Paulo. É a segunda eleição municipal seguida que o psolista é derrotado. Há quatro anos, ele perdeu o comando da capital paulista para Bruno Covas (PSDB).
Desta vez, porém, a derrota é mais amarga. Em 2020, Boulos deixou a disputa com um “gosto de vitória” por ter conquistado mais de 2 milhões de votos no 2º turno –15 dias antes foi a escolha de 1.080.736 eleitores. Agora, o candidato do PSOL foi de favorito nas primeiras pesquisas eleitorais, ainda no ano passado, para a nova derrota.
A disputa entre Nunes e Boulos só foi confirmada com mais de 99% das urnas apuradas. A capital paulista teve a disputa mais acirrada da história. O ex-coach Pablo Marçal (PRTB), terceiro colocado, ficou de fora da segunda etapa por 56.854 votos.
A quantidade de votos, superior ao número total de eleitores de muitas cidades do interior do Brasil, representa 0,93 ponto percentual do maior colégio eleitoral do Brasil --pontuação que deixou Marçal, com 28,14% (1.719.274 votos), atrás de Boulos, 2º colocado com 29,07% (1.776.127 votos).
Entre Nunes e Boulos, a diferença foi ainda menor. O atual prefeito teve 29,48% (1.801.139 votos) contra 29,07% (1.776.127 votos) do psolista, 0,41 ponto percentual (25.012 votos).
Há quatro anos, Boulos conseguiu 2.168.109 votos (40,62%) na disputa contra Bruno Covas (PSDB), que acabou eleito ao ser o escolhido por 3.169.121 (59,38%) eleitores paulistanos.
A alta rejeição, apontada em vários levantamentos, sempre foi o grande desafio da campanha do deputado federal. Para conquistar o voto do eleitor mais conservador, Boulos passou por um trabalho de repaginação de imagem com o intuito de exterminar o ideal de extremista da esquerda ligado ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
A versão mais moderada pode ser vista nas vestimentas do candidato do PSOL, que passou a cumprir agenda de camisa social e até de blazer em algumas ocasiões, principalmente durante os debates, e também nas pautas defendidas. Ele evitou tocar em assuntos sensíveis, como a legalização do aborto e a descriminilização das drogas.
Colapso da esquerda em São Paulo
Essa foi a primeira eleição sem um candidato do PT concorrendo ao cargo de prefeito –pois a estratégia da sigla foi apoiar Boulos. Assim, os oito anos sem um candidato posicionado à esquerda comandando a cidade mais rica e populosa do Brasil se transformarão em doze. Entre os dois pólos, no geral, a maior parte dos prefeitos de São Paulo tiveram uma postura “ao centro”, por mais que, com relação a projetos, se aproximem mais da direita.
Desde a redemocratização, foram apenas três governos de esquerda. Além de Marta e Haddad, Luiza Erundina (PT) também venceu a disputa. Ela foi a pioneira ao vencer Paulo Maluf (PDS, à época), em 1988. Na época, todas as pesquisas apontavam para a vitória do adversário.
O bom desempenho de Boulos contra Covas foi fundamental para convencer os partidos de esquerda a se unirem em apoio à sua candidatura. Após as negociações, o PT indicou Marta Suplicy para ser vice da chapa. A ex-prefeita de São Paulo –comandou a cidade de 2001 a 2004– voltou à sigla após nove anos longe. Quando recebeu o convite, ela era secretária de Relações Internacionais na Prefeitura de São Paulo na gestão Nunes. Na ocasião, ainda era filiada ao MDB, legenda pela qual chegou a concorrer à Prefeitura da capital em 2016, sem sucesso.
Agora, com a derrota, o temor é que a imagem de Boulos sofra o mesmo desgaste da companheira de campanha. Após o primeiro mandato, Marta acabou derrotada por José Serra (PSDB), em 2004, e Gilberto Kassab (na época, do DEM), em 2008, na tentativa de voltar ao comando da maior cidade da América Latina.
Estratégia de campanha
Na tentativa de chegar até a cadeira de prefeito de São Paulo, Boulos teve estratégia diferente de Nunes no 2º turno e aceitou todos os convites para debates. O atual prefeito compareceu apenas em três encontros. Nas ausências do adversário, o psolista subiu o tom nas críticas e reclamou da “fuga”.
“Se você acha que São Paulo está uma cidade segura, se você acha que São Paulo está bem no SUS, sem fila na saúde, se você acha que os ônibus não estão lotados, você concorda com o nosso adversário. Se você quer mudar, melhorar a segurança, melhorar a saúde, melhorar o transporte, você vem comigo e com a Marta"
O apagão, que deixou mais de 3 milhões de pessoas sem luz na capital paulista e na Grande São Paulo, no final de semana seguinte ao primeiro turno, virou o grande assunto do embate entre Nunes e Boulos. O candidato do PSOL, inclusive, ficou dois dias e meio sem luz na sua residência no bairro do Campo Limpo, na Zona Sul –uma das afetadas pelo temporal.
Os adversários cancelaram as agendas por causa da chuva e começaram a corrida pelos votos dos afetados. Nunes apostou no gerenciamento de crise, criticou a Enel, concessionária responsável pelo fornecimento de energia elétrica para cidade, tentou culpar o governo federal pelo serviço ineficaz da empresa e contou com o apoio do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Já Boulos foi visitar moradores e responsabilizou a Prefeitura de São Paulo por não realizar as podas das árvores. O deputado federal também criticou a concessionária de energia e afirmou que conversaria com Lula para tentar romper o contrato.
Mas a campanha não ficou restrita aos ataques por causa da chuva. Chamado de extremista por Nunes em várias oportunidades, Boulos partiu para o confronto e desafiou o oponente a abrir o ‘sigilo bancário’ --ao fazer menção ao suposto envolvimento do adversário com a Máfia das Creches, inquérito da PF que apura desvio de verbas públicas destinadas ao atendimento de crianças de zero a três anos na cidade de São Paulo. Apesar da insistência no questionamento, o atual prefeito de São Paulo evitou responder.
O psolista ainda trouxe para o debate uma acusação de que Nunes teria atirado para o alto na saída de uma boate, em Embu das Artes, na Região Metropolitana, e acabou detido, em 1996. Segundo o candidato do MDB, ele foi separar uma briga e acabou denunciado por porte ilegal de arma.
Apoio de Lula não foi suficiente
Lula foi figura ativa durante toda a campanha de Boulos. O presidente participou da propaganda eleitoral gratuita, apareceu em eventos ao lado do candidato, entrou em live e fez até ato pela Avenida Paulista na véspera do 1º turno. A estratégia seria repetida no 2º turno, mas a agenda de rua foi desmarcada, em cima da hora, pelo mau tempo. O acidente doméstico do petista --que sofreu uma queda no banheiro uma semana antes da eleição-- impediu que a caminhada fosse remarcada.
A presença de Lula foi tão forte durante toda a campanha, tanto que a primeira grande polêmica de Boulos aconteceu na presença do ‘padrinho político’. Durante um comício, no final de agosto, o Hino Nacional foi executado em linguagem neutra. A artista presente no evento cantou “des filhes deste solo és mãe gentil”, ao invés de “dos filhos”.
Após as críticas, o deputado federal classificou o episódio “como um absurdo” e afirmou que “não foi uma decisão da campanha”. A responsabilidade, segundo o candidato, foi da empresa promotora de eventos, que fez a contratação da cantora.
A polêmica foi explorada pelos adversários, principalmente por Pablo Marçal (PRTB). O influenciador passou a se referir ao adversário como “Boules” em um trocadilho para criticar a utilização da linguagem neutra.
Polêmicas com Marçal
Às vésperas do primeiro turno, por volta de 21h50 da sexta-feira, 4, Marçal publicou um laudo falso contra Boulos. Ao longo de toda a campanha, o influenciador tentou, sem provas, associar o psolista ao uso de drogas. Primeiro, ele usou um processo de outra pessoa, homônimo de Guilherme Boulos, que foi réu por consumo pessoal de drogas em 2011. Depois alegou a existência de um exame toxicológico que iria encurralar Boulos, mas que, na realidade, nunca existiu.
O que Marçal apresentou foi um documento falso, conforme confirmado por peritos da Polícia Civil, com uma assinatura errada de um médico já falecido, informações pessoais de Boulos erradas e emitido pela clínica de Luiz Teixeira da Silva Junior, amigo do ex-coach. Por causa desse material, após notícia-crime de Boulos, a Justiça Eleitoral suspendeu o perfil do candidato do PRTB por 48 horas.
Durante o debate da Globo, último dos 11 encontros entre os candidatos em São Paulo no primeiro turno, Boulos publicou um exame toxicológico. O documento mostra que ele realizou o exame no dia 2 de outubro. Como a janela de detecção é de aproximadamente 180 dias, o resultado indica que não houve consumo de substâncias proibidas nos últimos seis meses.
Além das recorrentes tentativas de Marçal em relacionar Boulos ao consumo de drogas, a disputa entre eles ficou marcada pelo embate causado pela provocação do ex-coach durante o debate promovido pelo Terra em parceria com o Estadão e a Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), no dia 14 de agosto.
Na ocasião, o influenciador mostrou uma carteira de trabalho a Boulos, que deu um tapa no objeto tirado do bolso por Marçal e colocado próximo ao rosto do adversário.
A cena ocorreu momentos após o embate entre os dois candidatos no palco. A carteira de trabalho foi entregue a Marçal por um assessor assim que o embate entre os dois candidatos foi anunciado pela jornalista Roseann Kennedy, âncora do programa Dois Pontos e mediadora do debate. Marçal continuou provocando o candidato do PSOL mesmo após o fim do embate. "Quase me agrediu", disse Marçal, após a provocação.
O clima de tensão entre os dois se transformou em cordialidade a dois dias do segundo turno quando Boulous aceitou o convite participar de uma live de Marçal. O ex-coach também convidou Nunes para o evento, que recebeu o nome de Entrevista de Emprego, mas o atual prefeito recusou. O influenciador chegou a dizer que votaria no psolista se ele fosse de direita.
Janones na pauta
Outro ponto de crítica a Boulos envolveu o deputado federal André Janones (Avante), indiciado pela Polícia Federal por suposto esquema de ‘rachadinha’, que também é aliado do presidente Lula. Isso porque Boulos foi o relator do processo de cassação do deputado e, em junho, o Conselho de Ética da Câmara aprovou o relatório do candidato e arquivou o processo. O argumento pelo arquivamento foi de que os fatos ocorridos foram de antes do início do mandato de Janones.
Volta de Marta Suplicy
O convite para Marta Suplicy foi uma tentativa de ganhar o eleitorado feminino e trazer um nome experiente ao governo. O candidato do PSOL sempre aproveitava o tempo na televisão para enaltecer o trabalho da candidata a vice durante o período em que comandou São Paulo. A criação dos CEUs (Centro de Educação Unificado) e do Bilhete Único foram os programas mais exaltados e lembrados pela campanha.
Propostas de Boulos
O programa mais divulgado pelo candidato do PSOL foi a criação do Poupatempo da Saúde, com o objetivo de zerar a fila do Sistema Único da Saúde (SUS). Boulos declarou em inúmeras vezes que tinha o apoio do presidente Lula para tirar o projeto do papel. O tema, inclusive, foi tema da propaganda eleitoral com a presença do petista.
Nas várias declarações sobre a ideia, o deputado federal relembrou que os pais são médicos e dedicaram toda a carreira ao atendimento no serviço público.
Entre as propostas de habitação, Boulos colocou como meta construir 50 mil casas em quatro anos, além do aluguel de prédios públicos a preços populares.