Após o PSL confirmar na segunda-feira, 31, o nome da deputada federal Joice Hasselmann para a disputa pela Prefeitura de São Paulo em 2020, a candidata virou alvo de ataques nas redes sociais. No dia seguinte, a ex-aliada do presidente Jair Bolsonaro amanheceu nos Trend Topics do Twitter com a hashtag #JoiceNemAPau. Ela chegou a ser chamada de "o maior exemplo de estelionato eleitoral" em um portal bolsonarista.
Para João Guilherme Bastos, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), os ataques a Joice têm relação evidente com o seu rompimento com os Bolsonaro. "É bem claro que existe relação. O próprio termo 'peppa', utilizado contra ela, foi cunhado pelo deputado Eduardo Bolsonaro (filho do presidente)."
O pesquisador cita ainda as disputas de poder no PSL como pano de fundo dos ataques. Com o projeto de criação do Aliança pelo Brasil ainda no papel, Bolsonaro vem se reaproximando de integrantes do partido que lançou Joice em São Paulo e pelo qual se elegeu à Presidência em 2018.
Nas redes, apoiadores do presidente compartilharam falas críticas de Joice sobre os Bolsonaro para "provar" que ela não é a "candidata da direita" em São Paulo.
"Outro ponto que a gente tem que lembrar é que foi a Joice que confirmou uma série de coisas com relação ao linchamento automatizado na internet", afirmou Bastos, referindo-se à participação da deputada na CPI das Fake News.
Em dezembro, na comissão parlamentar de inquérito, Joice confirmou a existência do "gabinete do ódio", revelado pelo Estadão em setembro, e disse que ele é financiado com dinheiro público. Em maio deste ano, quando a Polícia Federal apreendeu celulares e computadores de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, a deputada afirmou que o inquérito das Fake News, aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), "vai chegar ao 'puxadinho' do gabinete presidencial".
A relação da parlamentar com os bolsonaristas se deteriorou ao longo do ano passado. Antes mesmo de Bolsonaro tomar posse, ela e o deputado Eduardo Bolsonaro protagonizaram uma discussão em um grupo no WhatsApp do PSL. À época, Joice questionava sobre a liderança do partido na Câmara. Depois, os dois minimizaram as discussões. Eduardo chegou a declarar que era normal as idas e vindas. "Que partido tem 100% de concordância?", questionou na ocasião.
Desde o seu rompimento com a família Bolsonaro, em novembro passado, quando houve uma grande disputa pela liderança da Câmara, com a chamada "guerra das listas", a parlamentar tem sido um alvo de ataques nas redes sociais.
A seguir, relembre as desavenças entre Joice e a família Bolsonaro.
A disputa pela liderança do partido começou cedo, antes mesmo da posse
Interessada em ocupar a liderança do PSL na Câmara, a (então) recém-eleita deputada federal Joice Hasselmann discutiu em um grupo de WhatsApp com Eduardo Bolsonaro, que era contrário à sua indicação. À época, o deputado disse que havia "uma série de explicações a dar para a deputada e que ela iria entender [que ela não poderia assumir o cargo]". Sobre a declaração da deputada de que seria "mais parecida com Bolsonaro do que os próprios filhos", Eduardo respondeu que era "necessário um teste de DNA".
No episódio das candidaturas laranjas, Joice defendeu que as diferenças fossem resolvidas internamente
Quando estourou o escândalo das candidaturas laranjas do PSL em Pernambuco e Minas Gerais, Joice acusou o vereador Carlos Bolsonaro de tentar provocar uma crise dentro do partido com as acusações públicas contra o ex-ministro Gustavo Bebianno. "Se há um problema entre o ministro e o presidente, tem que lavar a roupa suja em casa", disse a deputada em fevereiro de 2019.
Em outubro de 2019, um novo choque com o deputado Eduardo Bolsonaro
Em outubro do ano passado, ela voltou a se chocar contra os filhos do presidente, quando Eduardo Bolsonaro assumiu a liderança do PSL na Câmara, após a destituição do Delegado Waldir do cargo. A parlamentar, que tinha sido destituída da liderança do governo no Congresso e defendia Waldir, declarou que diversos parlamentares haviam sido pressionados a votarem contra a permanência do delegado no cargo. "Eu defendo o presidente da República. Continuarei defendendo, mas não posso defender moleques que têm atrapalhado esse País", disse.
Sobre a criação do Aliança Brasil, a deputada endureceu o tom
Em novembro de 2019, os apoiadores da nova sigla cogitavam recolher as assinaturas por meio digital, para que ela já estivesse viável para a disputa pelas prefeituras neste ano. Foi nesse contexto que a parlamentar disse que iria solicitar a conferência de todas as 500 mil assinaturas necessárias para a fundação da sigla. "Obviamente que não vamos deixar que nenhum tipo de fraude seja feita para que haja a criação de um partido laranja. Vamos pedir a checagem de cada assinatura".
Na CPMI das Fake News, Joice Hasselmann acusou os filhos do presidente de disseminar notícias falsas e incentivar linchamentos virtuais
Em seu depoimento na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, Joice fez acusações graves aos aliados do presidente. Afirmou que o gabinete do ódio existe e que ele é sustentado com verba pública. Além disso, ela disse que são os filhos do presidente, Eduardo e Carlos, quem pauta o gabinete responsável pela disseminação de informações falsas.
Após ser questionada pela deputada Carla Zambelli (PSL-SP), Joice chamou a colega de "burra" e disse que ela "não conhece a lei". Recentemente, as duas voltaram a se estranhar publicamente. Em um tuíte, sobre a divulgação da conversa de Carla Zambelli com o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, Joice disse: "a tia do banheiro q virou articuladora política do governo @jairbolsonaro diz para os bolsolóides ficarem calmos. 'Até o PT quer ajudar (contra Moro)', diz 'Zamambaia'. É de lascar. PT e Bolso juntinhos".
Divórcio litigioso: Joice entrou com um pedido de impeachment de Bolsonaro em abril deste ano
Em abril deste ano, a deputada protocolou um pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. No documento, ela e cinco advogados acusam Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal e por falsidade ideológica, tendo como objeto da denúncia a exoneração de Maurício Valeixo da diretoria geral da PF. Inicialmente, havia no documento assinatura de Moro. O decreto foi posteriormente republicado, sem a assinatura de Moro, e com a justificativa de que foi registrado uma "incorreção" no ato anterior.
No mês seguinte, a deputada voltou a falar sobre a proximidade entre o gabinete presidencial e o gabinete do ódio. Após a Polícia Federal realizar uma operação, que resultou no confisco de diversos aparelhos eletrônicos de apoiadores do presidente, a parlamentar declarou que "o aprofundamento das investigações chegará, inevitavelmente, ao chamado gabinete do ódio, uma espécie de 'puxadinho' do gabinete presidencial, de onde Carlos Bolsonaro comanda uma verdadeira milícia digital, que inclui políticos, assessores parlamentares, empresários e blogueiros".