Mais de cem cidades têm um único candidato a prefeito

Nesses municípios, basta um único voto para chegar ao poder; maior parte dos casos está no Rio Grande do Sul

30 set 2020 - 10h26
(atualizado às 10h52)

BRASÍLIA - Eleitores de Itinga (MG), cidade de 15 mil habitantes localizada no Vale do Jequitinhonha, andam reclamando da falta de emoção na disputa pela prefeitura nas eleições 2020. Antes mesmo de irem às urnas no dia 15 de novembro, eles já sabem quem será o próximo prefeito. O advogado e ex-procurador do município João Bosco Versiani Gusmão (PP), de 37 anos, é o único candidato. Sem concorrente, está eleito mesmo que receba um único voto. Ou seja, basta ele votar em si mesmo para assumir o comando da cidade.

Igual a ele há outros 116 candidatos na mesma situação pelo País nestas eleições, como mostra levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) como base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O número revela um aumento das candidaturas únicas em relação a 2016, quando não houve disputa em 97 cidades.

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João Bosco Versiani Gusmão é candidato único em Itinga, cidade mineira de 15 mil habitantes
João Bosco Versiani Gusmão é candidato único em Itinga, cidade mineira de 15 mil habitantes
Foto: Divulgação / Estadão Conteúdo

"Os eleitores reclamam que a eleição ficou sem graça. Eu não reclamo. Prefiro mil vezes assim que uma disputa acirrada. Emoção eu já tive no período da pré-campanha", disse o candidato único de Itinga ao Estadão.

Apoiado pelo atual prefeito, Adhemar Marcos Filho (PSDB), Bosquinho, como é conhecido, afirmou que sua candidatura única se deve a um acordo na cidade que uniu diversos partidos (PP, PSC, PV, Avante e Solidariedade). Ajudou também o fato de seu opositor Charles Azevedo Ferraz, do Podemos, não ter conseguido se lançar candidato.

O adversário político já foi prefeito por três vezes quando era filiado ao PT. Após mudar de partido, tentou voltar à prefeitura em uma dobradinha com o Republicanos. No dia da convenção, o partido aliado que indicaria o vice não apareceu e a candidatura não foi lançada. Agora, Charles faz campanha pela cidade para que Itinga vote nulo.

"No dia da convenção, eu fiquei como um noivo no altar esperando a noiva que não apareceu. É muito difícil enfrentar o candidato da máquina pública. Preferi pegar tudo isso que aconteceu, jogar no ventilador e fazer um protesto", disse Charles.

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Apesar do natural "clima de já ganhou", Bosquinho segue em campanha. Contou que está percorrendo as localidades do município, cuja economia é baseada na agricultura e na mineração, para apresentar suas propostas baseadas principalmente na geração emprego. "Mesmo sabendo que um voto só me elege, sigo com a agenda de visitas. Se não ocorrer nenhuma infração eleitoral, estou eleito, mas não haverá nada de errado", disse.

A candidatura de Bosquinho repete uma história familiar. O avô Mário Versiani Gusmão foi o candidato único em uma eleição para um mandato-tampão de dois anos, entre 1970 e 1972. Na ocasião, o avô de Bosquinho apoiou como sucessor Adhemar Marcos, pai do atual prefeito que chancelou a candidatura do advogado. "É uma coincidência. Não me apego muito a isso, mas de alguma forma retoma a história."

A falta de emoção e tranquilidade de Bosquinho não são compartilhadas por outro candidato único. "É a pior coisa que tem, porque a responsabilidade dobra em cima de você. Eu tenho de superar eu. As pessoas vêm cobrar. Já estou fazendo plano de trabalho", disse o atual vice-prefeito de Boraceia, Valdir de Souza Melo (PSDB). Ele, que é mais conhecido como Di Picapau, está sozinho na eleição para a prefeitura da cidade com 4.868 habitantes no litoral de São Paulo.

"Falar que fazer candidatura única é fácil, não é não. Quer dizer que o trabalho foi bem feito e a população quer que continue o mesmo trabalho", disse. Para Di Picapau, nenhum outro se arriscou na disputa por causa do alto índice de aprovação do governo atual. "Estamos saindo daqui de uma aprovação da população com quase 90%. A própria população quis que a gente ficasse. Os cinco candidatos a vereador do partido da oposição (PTB) vieram falar para mim que estão comigo também", afirmou.

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Especialistas veem prejuízo à democracia

Para a cientista política Ariane Roder, professora no Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desconfiança e desmotivação em relação à política são alguns dos fatores que levam às candidaturas únicas. Roder vê a falta de disputa como prejudicial à democracia. "Não há propostas a se escolher e se contrapor, não há alternativa do que está sendo proposto, podendo inclusive levar a propostas mais extremadas, com menos diálogo, ponderação e espaço para minorias", disse ela, que aponta ainda dificuldade de financiamento e de mobilização para uma campanha em meio à pandemia do coronavírus como fatores que desestimulam a competição nestas 117 cidades.

A candidatura única é mais recorrente em municípios menores, com menos de 20 mil habitantes. A cientista política Lara Mesquita, do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp-FGV), ressalta a atuação das elites políticas em cidades pequenas. "Todos concordam com um mesmo candidato como apontam uma fila. Nessa eleição quem indica o candidato é o grupo ou partido A, na seguinte o B e assim sucessivamente", afirmou a especialista.

A maior parte dos casos está no Rio Grande do Sul, em que os candidatos podem contar com o "já ganhou" em 34 cidades, seguidos de Minas Gerais e Paraná, com 17 cada. Nos municípios de Doutor Mauricio Cardoso (RS) e de Mato Queimado (RS) esta será a quarta eleição seguida em que haverá uma única opção na urna para escolher o próximo prefeito.

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