Disputada em meio a um cenário de pandemia, as eleições municipais de 2020 terão mais candidaturas de profissionais da saúde. Entre médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem - três profissões na linha de frente contra a covid-19 no Brasil -, o pleito de novembro terá 11.211 candidatos.
O número é 17,71% maior do que em 2016 e está acima da alta geral de candidatos nestas eleições, de 9,78%. O levantamento do Estadão foi feito a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) disponíveis nesta terça-feira, 29.
A categoria de maior impacto é a dos técnicos de enfermagem, que passaram de 3.219 em 2016 para 4.614 candidatos neste ano - acréscimo de 43,34%. Destes, cerca de 97% disputam cargos de vereador em mais de 2,3 mil cidades brasileiras.
O fato também contribui para reduzir as diferenças de representatividade de gênero e raça nestas eleições. Os técnicos de enfermagem candidatos são, em sua maioria, mulheres (73%) e pretos ou pardos (54%). Entre todas as candidaturas, o índice é de 33,2% e 49,9%, respectivamente.
A presença de médicos nas eleições municipais aumentou 6%, com índice mais expressivo para os cargos de prefeito e vice-prefeito. Entre os 2.715 candidatos, mais de 1,3 mil profissionais fazem campanha para a prefeitura de 1.078 cidades. A maioria é de homens (85%) e brancos (75%).
É o caso de Leandro Altrão (PSB), de 34 anos, que vai concorrer à prefeitura de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo. Especializado em Medicina de Família e Comunidade, o médico conta que ter trabalhado na linha de frente no combate ao coronavírus pesou na sua decisão para disputar a eleição deste ano, e afirma que os 10 anos atuando na área o "prepara ainda mais" para desempenhar um bom papel no cargo que está pleiteando.
"Todo médico, antes de ser especialista em qualquer coisa, tem que ser especialista em gente. Minha experiência é de ter empatia e cuidar de pessoas. E o cargo de prefeito exige muita sensibilidade", diz.
O candidato ressalta, ainda, que o profissional da área pode ter um olhar na gestão da Saúde e critica a forma como o governo federal enfrentou a crise provocada pelo novo coronavírus.
"O médico tem esse olhar especial sobre a gestão de Saúde e sabe o que é estar no lugar de um profissional da área. Quem faz saúde são os profissionais, não um prédio bonito. O Brasil poderia ter muito menos mortes se tivesse um Ministério da Saúde mais organizado, e não ir para o lado ideológico, querendo nos ensinar a tratar paciente com cloroquina", diz. "Como médico, não posso concordar termos um ministro que não seja da área da saúde. Isso é um desrespeito com a classe."
Os enfermeiros, por sua vez, respondem por 3.882 candidaturas, sendo a maior parte para as Câmaras Municipais. A categoria também ganhou mais espaço nas campanhas para o Executivo, com 251 candidatos em 239 municípios.
Hugo de Oliveira, de 35 anos, vai disputar sua primeira eleição neste ano, concorrendo a vereador em Suzano, na Grande São Paulo, pelo Avante. Há 14 anos trabalhando no município, ele também atuou na linha de frente contra o novo coronavírus, tratando pacientes entubados, e acredita ser positiva a entrada de trabalhadores da Saúde na política.
"Nós precisamos mostrar a cara, aparecer. Dentro dos hospitais é muito difícil, mexe muito com nosso psicológico. Alguém da área da saúde pode no governo pode contribuir para dar um suporte necessário para os profissionais", diz o candidato, que atende pelo nome de "Enfermeiro Hugo" nas urnas.
Partidos
Praticamente todos os partidos políticos investiram nesse tipo de candidato em 2020. O mais representativo no País é o MDB (1.023 candidatos), seguido por PSD (854), PP (808), PSDB (693) e DEM (688). Entre os cinco primeiros da lista, os tucanos foram a única legenda a perder candidatos na área.
O levantamento do Estadão aponta ainda que profissionais de saúde como psicólogos (46,43%), farmacêuticos (11,78%), fisioterapeutas (22,87%) e fonoaudiólogos (48,28%) também apresentaram altas expressivas no número de candidatos em 2020. Considerando ainda agentes de saúde e sanitaristas, odontólogos, nutricionistas, terapeutas e paramédicos, os profissionais da saúde representam 19.826 candidaturas, contra 17.098 na eleição passada.
Estratégias
A professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Helcimara Telles entende que o movimento já era esperado e reflete o estímulo dos partidos em aproveitar a percepção positiva da sociedade sobre os profissionais da saúde. Para a cientista política, a tendência é que os candidatos sejam apresentados como "heróis que salvaram o País de um número maior de mortes" por covid-19.
"No contexto da pandemia, temos a heroicização dos profissionais da saúde. Esses novos personagens contam com a percepção positiva das pessoas e são estimulados pelos partidos para aproveitar o momento", analisa. Ela afirma ainda que o contexto de lavajatismo, antipolítica e antipetismo - que ajudou partidos menores a elegerem candidatos sem capital político nas eleições de 2018 - perdeu força em 2020, incentivando novas estratégias.
Para o pesquisador do Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Guilherme Russo, o aumento de candidaturas de profissionais da saúde pode qualificar a agenda da saúde pública. "Só de se discutir mais a gestão da pandemia nos municípios, que são os principais encarregados na luta contra o coronavírus, com mais candidatos para contar sobre os bons e maus resultados, o efeito já pode ser bastante positivo."