Opressão no reduto bolsonarista: como cariocas que apoiam Lula e Bolsonaro convivem no Rio de Janeiro

Em Botafogo, bairro onde votação ficou apertada em 2018, a polarização traz consequências parecidas para ambos os lados

26 set 2022 - 05h00
(atualizado em 27/9/2022 às 18h10)
Rio de Janeiro: o que cariocas esperam para o futuro do Brasil?
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A polarização política que deu o tom das eleições presidenciais de 2018 se intensificou no pleito deste ano e é percebida até mesmo em redutos bolsonaristas. No Rio de Janeiro, cidade em que o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) venceu em todas as zonas eleitorais, exceto em Laranjeiras, a realidade não é diferente.

A carioca Fernanda Souza, que se diz mais antipetista do que bolsonarista, relata sofrer opressão onde estuda, no bairro de Botafogo, cujo resultado em 2018 foi apertado – 50,15% para Bolsonaro e 49,85% para Fernando Haddad, candidato do PT naquele ano.

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"Eu dei minha cara a tapa quando fiz duas publicações no Instagram e sofri consequências por isso. Agora, vou fazer outro perfil, mais privado", diz ele, em entrevista ao Terra. 

Entre as consequências estão as reações de uma colega de sala e até de um professor que sempre admirou muito como profissional. "Ele é maravilhoso, mas eu senti uma indiferença a partir do momento que eu publiquei um vídeo no meu story", conta. 

O material era, segundo ela, do ex-presidente Lula defendendo os sequestradores do empresário Abílio Diniz. Em junho deste ano, o conteúdo foi alvo de críticas de Bolsonaro e aliados. "A partir do momento em que eu publiquei esse vídeo começou a não me responder mais. Eu mandava perguntas [para o professor] e ele não respondia. Poxa, tinha que levar para o lado pessoal?", questiona.

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Fernanda conta também que uma colega da faculdade, que publica "muito" e "todo dia" sobre Lula, passou a tratá-la de forma diferente depois do referido vídeo. "Eu adoro ela como pessoa, sabe? Mas o problema é esse, que ninguém sabe separar [o pessoal das opiniões], porque depois que eu postei o vídeo anti-Lula, eu passei a sentir uma indiferença enorme dela para comigo no dia a dia", lembra.

O dia a dia na faculdade, inclusive, não é muito fácil para a antipetista, que critica o posicionamento político de professores em sala de aula. Em suas palavras, o professor tem "o poder de se infiltrar na cabeça do aluno". Um desses episódios de repressão ao pensamento conservador ocorreu em uma aula do curso de Medicina Veterinária.

"Estamos falando de gato, e gato é um animal muito particular, né? O professor disse que a gata dele não gosta de carinho toda hora e ele deu o exemplo de um homem hétero, que chega e faz um carinho mais bruto sem o animal querer. E ele falou assim, 'homem hétero', e enfatizou o 'hétero'. O que tem a ver? O gato não vai gostar do carinho pelo fato de ser um homem masculinizado?", questiona a estudante.

"Para mim, o professor, que parece ser uma pessoa gay, estava discriminando outro tipo de pessoa. Eles [anti-bolsonaristas] pregam que nós [eleitores de Bolsonaro] somos homofóbicos, mas não somos. Por que o professor tinha que usar um homem hétero como exemplo? Poderia ser uma mulher, qualquer coisa. Enfim, eu me mantive calada porque eu sabia que ninguém concordaria comigo se eu me manifestasse contra [a opinião do docente]", acrescenta.

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Medo na população LGBTQIA+

Em um bar, também em Botafogo, é possível ouvir o mesmo tipo de relato, só que em outro polo. "Como membro da comunidade LGBTQIA+, quando Bolsonaro foi eleito eu senti medo, sim, de estar na rua com meu namorado, de sair, de beijar. Estamos cansados de nos policiar diante do público, entendeu? Tipo assim, 'Ah, se eu andar desse jeito, alguém vai me notar e fazer algo contra mim?'. Tudo bem, a gente não pode forçar ninguém a pensar como a gente, mas já passou da hora de olhar isso como uma coisa normal", opina Thiago, ao lado da amiga Giovanna.

Também parte da comunidade LGBTQIA+, ela conta que se preocupa com sua segurança só por ser mulher. "Eu já não me sentia segura saindo sozinha, e daí tem uma piora a partir da eleição do Bolsonaro, que tem um discurso machista. Tudo o que ele fala, os eleitores dele seguem, como se fosse o certo, entendeu? Isso é triste, e acaba refletindo no meu senso de segurança na minha própria cidade", lamenta.

Foto: Thais Enseñat / Redação Terra

Para Thiago, nem é preciso ser Lula ou PT para viver as consequências da polarização. A agressão, segundo observa, é sobre quem pensa diferente.

"Tenho um amigo que só por ter dito 'fora, Bolsonaro' as pessoas já idealizaram ele como um votante do PT. Isso é engraçado, porque existem 'N' possibilidades, né? Eu voto em quem mais se assemelha ao que eu quero para minha vida", diz. "Então, eu acho assim: quando você agride alguém por pensar diferente, você para de pensar como uma democracia, entendeu?", acrescenta.

Polarização já acabou em morte

A preocupação dos amigos Thiago e Giovanna* é legítima. Os dois lembraram o caso de um eleitor do PT que foi morto por um apoiador de Bolsonaro, no Mato Grosso. Na ocasião, os dois haviam discutido e o petista foi atingido com 15 facadas após receber um soco – e quase foi decapitado.

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"A idolatria piora tudo. O cara simplesmente mata o outro por causa de um voto no Lula. Olha a que ponto chegamos. É patético tudo isso", define Thiago. 

A visão sobre a violência política também é um ponto levantado por Fernanda Souza e Amauri, seu companheiro. Para ela, é um erro generalizar e dizer que "quem vota em Bolsonaro é violento". "Eu discordo. Nas manifestações de 7 de Setembro não houve uma briga", diz Fernanda, que recebe o apoio do companheiro. "Às vezes, tem uns infiltrados [que causam brigas] e acham que é bolsonarista. Até pode ter um ou outro extremista, mas não pode generalizar", completa Amauri. 

O casal também recorre a uma notícia recente para sustentar seu ponto de vista. Trata-se do eleitor de Bolsonaro que negou doação de marmita para uma mulher vulnerável por votar no Lula. Eles reclamam da cobertura da imprensa sobre o caso.

Foto: Thais Enseñat / Redação Terra

"Ali você tem um exemplo de uma pessoa que é muito extrema, e quem assiste aquilo, do jeito que foi noticiado, pensa que todo bolsonarista é assim", rebate Fernanda, ao acrescentar que ela e o marido distribuíram comida para pessoas vulneráveis durante a pandemia de Covid-19. 

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No que parece ser uma lamentável constatação, o receio do outro parece unir os lados opostos da polarização.

"A gente não pode expor o que pensamos por medo da ação do outro. Isso é o maior problema da minha vida hoje. Espero que isso mude com essas eleições, porque o que o povo está pedindo não é nada extremo, além de uma vida confortável e ter o básico, sabe? Sem esse radicalismo. Isso já mudaria a vida. A minha vida, pelo menos, mudaria", conclui Thiago.

*A pedido, os personagens desta matéria tiveram os nomes alterados.

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Essa é uma das reportagens da série especial de eleições do Terra Votos pelo Brasil. Eleitores de nove cidades brasileiras, que se destacaram nas Eleições de 2018 e nos últimos quatro anos, contam suas percepções sobre o País e expectativas para 2 de outubro. Novas reportagens serão publicadas diariamente ao longo desta semana.

Fonte: Redação Terra
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